Há aproximadamente dois anos, em 2014, foi fundado o ArtBio, pela iniciativa do fotógrafo Igor Fonseca, da jornalista Paula Carneiro e do biólogo Stevens Rehen, membro afiliado da ABC entre 2008 e 2012 e professor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ. O coletivo tem como proposta promover e divulgar iniciativas que disseminem o conhecimento científico na sociedade brasileira, aproximando-o de outras atividades como artes e literatura.
Um dos carros-chefe dessa proposta é o “Amplifique! Ciência e arte para todos”, projeto com exposição de fotografias capturadas em laboratórios a partir de microscópios eletrônicos e oficinas de microscopia voltadas para jovens e crianças da periferia, buscando tornar a investigação científica acessível e despertar no público o interesse pela ciência e pela arte.
No dia 17 de junho, o “Amplifique” iniciou sua primeira parada no Museu da Maré, localizado na Av. Guilherme Maxwell, 26, em Bonsucesso, no Rio de Janeiro. Batizada de “Ciência e Arte na Maré”, a exposição permanecerá, a princípio, até o dia 17 de agosto. Há chance de ser estendida, já que o museu entrou para o roteiro olímpico, podendo receber representantes de diversas instituições nacionais e internacionais.
A exposição fica aberta todos os dias das 9h às 21h e já começou a receber as primeiras visitas. Um dos coordenadores do projeto e fundadores do ArtBio, o fotógrafo Igor Fonseca afirma que uma das maiores dificuldades do projeto é a divulgação para o público da Maré. “Nós estamos com estratégias de divulgação, mas não é tão simples. Em zonas de conflito, às vezes atravessar uma rua pode ser um grande desafio. Mas acredito que, enquanto a exposição estiver disponível, atingiremos o objetivo de trazer jovens, crianças e adultos para usufruírem deste espaço. “



Workshop de microscopia
Nos dias 22 e 23 de junho, foram realizadas as primeiras atividades complementares à exposição, com oficinas de microscopia, onde jovens e crianças assistiram a uma aula sobre a história e o funcionamento dos microscópios, viram imagens de partes minúsculas de animais, humanos e plantas, registradas em grande escala.
Foram realizadas duas oficinas por dia, uma por turno. O workshop matutino do dia 22 foi oferecido a jovens entre 11 e 16 anos do Projeto Uerê, proposta de escola complementar ao ensino formal, fundada em 1998 por iniciativa da artista plástica Yvonne Bezerra de Mello. O Projeto Uerê oferece atenção especial e individual a crianças moradoras do Complexo da Maré com traumas e deficiências cognitivas causadas pelo contato e exposição à violência.
Passeando entre as imagens ampliadas de células de fígado, partes de metais, olhos de répteis e asas de mosquitos, as crianças riam, comentavam ou liam, curiosas, as descrições apresentadas ao lado das obras. Os microscópios disponíveis logo despertaram o interesse dos estudantes, que puderam observar partes de plantas e de insetos e até os próprios dedos, descobrindo mais de perto os desenhos de suas impressões digitais.
Rodrigo Madeiro, biólogo e integrante do grupo de pesquisa do Instituto DOr, coordenado por Stevens Rehen, disse ter ficado maravilhado com a experiência com as crianças da comunidades. “Elas fizeram um zilhão de perguntas. Queria ter me dividido em três para dar conta da curiosidade delas”, comentou.
Embora afirme que a sociedade brasileira em geral não sabe o que é a atividade científica, Madeiro disse que trazer projetos como esse à periferia tem um valor especial. “Os moradores das comunidades são privados de quase tudo: de uma educação decente, de saúde, de segurança… e trazer aqui esse tipo de informação é muito legal. Fico imaginando um garoto desses olhando para uma poça dágua e não vendo mais só uma poça, mas um universo inteiro”.

Stevens Rehen diz que a sociedade brasileira não tem ideia do que faz um cientista. “se somos um corpo estranho entre as pessoas, não podemos contar com o apoio da sociedade para os projetos que a ciência propõe”, afirmou. “O que a gente está fazendo aqui é muito pequeno, se a gente conseguir amplificar isso, conseguiremos causar uma percepção do que é a ciência”.
As professoras do Projeto Uerê ressaltaram a importância de trazer eventos assim para a comunidade e destiná-los às crianças. “A escola não oferece nada disso a eles. Isso aqui para eles é um mundo novo. E é muito importante que eles conheçam, saibam que o corpo é feito de células, por exemplo. Tem coisas aqui que eu nem sabia e, se para mim é novidade, imagina para eles”, disse a professora Eliane Silva.

Liliane França, também integrante do Uerê, observou que os assuntos da exposição poderão ser trabalhados em sala de aula. “Nós vamos trabalhar com os alunos temas que eles não veem na escola e isso desperta a curiosidade deles. Quando estiverem usando o computador, podem pesquisar sobre o que viram aqui.”
Eliane também afirma que o apelo visual das fotografias colabora para despertar o interesse dos alunos. “Quando eles veem só o papel, só a coisa escrita, são só palavras; mas ver a imagem mexe com a imaginação deles”.
Banho de curiosidade
As crianças, caladas durante toda a explicação sobre os microscópios, impuseram sua própria dinâmica para dar entrevistas. As perguntas eram para todas e todas respondiam, uma de cada vez, dialogando também entre si e devolvendo perguntas.
As opiniões foram semelhantes. Quase todas acharam bonitas as imagens expostas e consideraram interessante que partes de insetos, vistas desta forma, pudessem ser bonitas. Gostaram de ter visto ao microscópio pela primeira vez – nenhuma delas tinha tido essa experiência antes – e lhes chamou a atenção como as coisas parecem diferentes vistas em outras dimensões. Nem todas gostam de ciências e – pasmem – a matéria preferida é matemática, na qual afirmaram se saírem melhor. Na escola, praticamente todos estão entre o 5º e 6º ano e afirmam que ainda aprendem operações básicas com números, sendo que no Uerê, já estão vendo porcentagem e se saindo bem.
“Você mora em São Paulo? Como é lá? É melhor do que aqui? Já fui ao Rio São Francisco, sabia? É gigante. Eu fui a Arraial do Cabo ano passado, você deveria ir. Eu tenho um tio que mora na Alemanha e se chama Dominique. Tio, sabia que eles são gêmeos?” – eram algumas das intervenções das crianças.
Todos são moradores da Maré e estudam em escolas públic
as da comunidade. Disseram gostar de morar lá, de brincar na rua, de morar com as famílias (algumas moram com pai e mãe biológicos, outras com mãe e padrasto, ou só com a mãe e gostam de lembrar dos irmãos). Um dos garotos lembra o problema da violência, as mortes e o medo, mas “tirando isso é bom”, diz, dando de ombros. Os outros assentem calados. É um dos poucos momentos em que ninguém tem mais nada a dizer.
Quando pergunto se algum deles já pensou em ser cientista, quase todos afirmam que sim. Uma das meninas diz que gostaria de ser meteorologista, “aquelas pessoas que dizem se amanhã vai chover ou fazer sol”. Outra garota quer estudar o sistema solar. Seu planeta preferido é Marte, que começa com M, como seu nome, Maria. Outro quer ser matemático.
E se Igor Fonseca pudesse definir um objetivo que fizesse todo esse trabalho valer a pena? “Que um desses jovens, apenas um, daqui uns anos dissesse que se formou e seguiu a carreira científica porque, um dia, veio ao museu participar de um workshop“.
Iniciativas como o “Amplifique”, certamente colaboram para a difusão do interesse científico entre a população e para prevenir a “perda de cérebros” de jovens como esses que, se depender de sua vontade e interesse, podem contribuir para um Brasil com muito mais cientistas no futuro.