Zika ou zikizira? O segundo dia do Pint of Science – Rio de Janeiro levou ao famoso Bar Ernesto, na Lapa, um debate sobre o vírus transmitido pelo Aedes aegypti que vem amedrontando os brasileiros nos últimos meses: a zika. Dessa vez, os cientistas que brindaram com os participantes e falaram sobre suas pesquisas relacionadas ao tema foram Jerson Lima da Silva, do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo De Meis da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBqM-UFRJ) e diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj); Mario Silva Neto, também do IBqM; e Rodrigo Brindeiro, diretor do Instituto de Biologia da UFRJ e coordenador da Rede 1 de pesquisa em zika da Faperj.

O que é um pint?


Pint é uma unidade de volume muito usada nos Estados Unidos e Reino Unido para medir quantidade de bebida. Se você for aos Estados Unidos e pedir um pint, receberá pouco menos que meio litro de sua bebida predileta – 473 ml. Mas se estiver em um pub inglês, seu copo terá 553 ml de cerveja, limonada ou do que mais você quiser beber! Saiba mais assistindo ao vídeo “Você sabe o que é um pint?”
O Pint of Science é um festival internacional de divulgação científica que nasceu na Inglaterra, em 2013, e se expandiu pelo mundo. A ideia é promover um bate papo informal sobre temas variados entre cientistas e público, enquanto tomam cerveja (ou o que mais quiserem) no ambiente relaxado de um bar. Em 2016, o Pint of Science acontece simultaneamente em 12 países, em 100 cidades. No Brasil, são sete edições, e é a primeira vez do Rio de Janeiro. No Rio, o Pint of Science foi organizado pelo Laboratório Em Formação, do IBqM-UFRJ, e teve o apoio da Euraxess e da Academia Brasileira de Ciências.
Zika, um vírus que chegou de mansinho

Jerson Lima explicou que vírus é algo não vivo e bastante complexo, que tem de 10 a 500 nanômetros – um nanômetro é um milhão de vezes menor que um milímetro. A maioria dos vírus não provoca nada, mas alguns causam doenças em animais e plantas. A zika faz parte do gênero flavivírus e, dentre as arboviroses, aquelas transmitidas por mosquitos, as causadas por flavivírus são as mais importantes causadoras de surtos ou epidemias. “Os flavivírus podem ser bem agressivos, incluem desde a febre amarela, que mata 50% dos infectados, até a dengue”, disse Lima.
O vírus zika foi descoberto na floresta de Zika, em Uganda, em 1947 e, por muitos anos, passou despercebido. Originou alguns pequenos surtos na África, Ásia e chegou ao Brasil, onde encontrou uma enorme população de 200 milhões de habitantes. Com sua característica de infectar insetos que transmitem o vírus para animais e seres humanos, acabou causando uma crise de saúde no Brasil e no mundo. “Se não tivéssemos investido em ciência e tecnologia nos últimos 20 anos no país, a zika teria causado um dano muito maior e não teria sido descoberta a correlação com a microcefalia muito rapidamente, de forma a se tomar medidas preventivas.”
Jerson Lima informou que há poucas terapias de combate aos vírus, e a melhor opção é a vacinação, que utiliza o vírus inteiro inativado o ou uma parte do vírus. “Estamos atrás de uma vacina contra a zika, mas se não conseguirmos eliminar o Aedes aegypti, que transmite dezenas de vírus, não adianta ter uma solução para apenas um deles.”
Zika e microcefalia

Rodrigo Brindeiro comentou que a zika chama, hoje, muita atenção não porque provoca coceira e causa febre por dois dias. “O problema é a microcefalia, que sabemos que é uma síndrome congênita neurológica provocada pelo uso de drogas, problemas genéticos e outras razões, entre elas o vírus da zika.” Ele citou a pesquisadora Adriana Melo, de Campina Grande, na Paraíba, que começou a relacionar zika e microcefalia e, no início, teve sua hipótese desconsiderada.
Recentemente, a pesquisa conduzida pela equipe do neurocientista Stevens Rehen, do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, mostrou que a zika o tamanho de organoides fabricados em cultura, chamados mini-cérebros, e que mimetizam o cérebro do feto da grávida infectada pelo vírus. Três dias depois da publicação deste trabalho na revista Science, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou uma nota afirmando que a zika provocava microcefalia.
Brindeiro ressaltou que o vírus sofreu mutações quando se espalhou da África para a Ásia, na década de 70, o que explica por que a zika não provocava microcefalia no continente africano – o vírus por lá era tão agressivo que acabava de vez com o feto e com a gravidez, não havendo espaço para a síndrome. Ele afirmou que sua equipe busca possíveis medicamentos entre os já existentes, pois assim já se conhece a sua segurança, principalmente para mulheres grávidas.
Os pesquisadores de sua equipe conseguiram impedir o efeito destruidor do vírus zika em neurônios humanos e de camundongo usando cloroquina, uma substância já utilizada contra a malária que não tem contraindicação para gestantes. Estudos feitos em laboratório mostraram que a cloroquina foi capaz de proteger neuroesferas, estruturas celulares que reproduzem o cérebro em formação, em até 95%. Mas ainda é preciso fazer ensaios em animais e humanos.
O biólogo cogitou, ainda, a possibilidade de o vírus da zika não atuar sozinho, mas ter um “comparsa” que o ajuda a fazer o estrago que faz. “Pode ser que a zika apenas abra a porta e outro vírus faça o serviço sujo, ou o contrário”, considerou. “Meu medo é que possa ser outro flavivírus e, ao se criar uma vacina, ela acabe ativando-o.”
Um mosquito obcecado

Mario Silva Neto falou sobre os elementos que provocaram a obsessão que o Aedes aegypti desenvolveu por nós, seres humanos. O primeiro é o aquecimento global. “Nós aquecemos o planeta nos últimos anos e permitimos que o Aedes disseminasse seus vírus pelo planeta. O que aconteceu, com o aquecimento do planeta e a evolução, foi uma troca de cardápio -trocaram outros animais pelos humanos.”
Neto explicou que, para cada pessoa, há 2 bilhões de insetos. Eles já existiam antes de nós, e alguns desenvolveram a obsessão de sugar o nosso sangue. “O que eram patas se fundiram em canudos que perfuram as nossas peles. E conseguiram toda a maquinaria para impedir o sangue de coagular dentro da boca.” Isso leva ao segundo elemento, que é o fato de estarmos cercados por quem nos assedia. “Dar conta disso é complicado”, brincou Neto.
Lotado, o Bar do Ernesto reuniu muitos curiosos sobre o assunto, que fizeram perguntas diversas. Respondendo a uma delas, Mario Silva Neto comentou a dificuldade de combater o Aedes aegypti. Relatou que as edificações an
tigas não evitam o acúmulo de água da chuva, e não há saneamento básico – cerca de 50% dos brasileiros não têm acesso a água potável. “Há um problema seríssimo de educação; precisamos de políticas públicas. Tem que se levar em consideração que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação está sob ameaça e, se não fosse a Capes, CNPq e Faperj financiando pesquisas há 20 anos, não poderíamos estar aqui falando sobre a zika.”
Mario Silva Neto acrescentou que inseticidas em geral não funcionam. “Tentamos melhorar as ferramentas químicas, mas são fracas. Essas populações de mosquitos são 50 vezes mais resistentes que o fumacê [pulverização de inseticida nas ruas]. É um vetor que veio para ficar.” Ele falou, ainda, sobre como o excesso de uso de inseticidas, que nessas epidemias acabam sumindo das farmácias, pode aumentar os casos de câncer: “Não há nenhuma resistência nem eficácia estabelecidas”.