Fengqiao Yan; Simon Schartzman; Mohsen Elmahdy Said; Yuzhuo Cai e Qiang Zha
“O que esperar da China? ” Esse poderia ser o título de uma reportagem de economia, mas, na área da educação superior, o “gigante asiático” também apresenta um quadro incerto. Membro dos BRICS (bloco de países emergentes que também engloba Brasil, Rússia, Índia e África do Sul) com maior investimento em ensino superior nos últimos 20 anos, de acordo com especialistas, a China pode cometer o erro de construir um sistema de ensino “utilitarista”, ou seja, visando resultados imediatos para cumprir os interesses do governo.
Essa questão foi o tema do segundo painel de debate do evento “Higher Education Policies in Developing Countries” (Políticas do Ensino Superior nos Países em Desenvolvimento), promovido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), sob organização do Acadêmico Simon Schwartzman. O evento também foi palco do lançamento do livro homônimo produzido por Schwartzman, com textos de pesquisadores do mundo todo.
O professor Fengquiao Yan, da Faculdade de Educação de Pequim, disse estar feliz por resultado do livro, do qual foi um dos colaboradores, e ressaltou a importância de se estudar as contribuições da educação para a economia de um país. “A economia precisa de capital humano e a educação superior produz esse capital”, disse Yan. “Ou, em outras palavras, esses cinco países estão com a economia mais forte, logo, eles têm sistemas de ensino superior mais fortes”, concluiu.
Leis de incentivo a universidades particulares
Com o fim da Guerra Fria e o avanço do neoliberalismo no mundo durante o início da década de 1990, os países considerados de “primeiro mundo” estabeleceram metas globais para a educação. Entre elas, massificar o ensino superior, facilitar a criação de universidades particulares e torná-las mais rentáveis.
Nesse contexto, Rússia e China, que abriam suas economias para o bloco capitalista, começaram a corrigir as deficiências de seu sistema de ensino para se adequar a essas metas globais de educação.
Embasado pela pesquisa do professor da Universidade de Wisconsin-Madison, Mark Johnson, colaborador do livro, o professor Qiang Zha, de origem chinesa, mas que hoje leciona na Universidade de Toronto, no Canadá, comparou a abertura do sistema de ensino para as universidades particulares na Rússia com a da China, também ocorrida no fim da década de 1990, por meio de leis de incentivo.
Saída do regime comunista, a Rússia herdou da União Soviética um amplo e desenvolvido sistema de ensino superior – unido a setores específicos da economia – e uma clara hierarquia de universidade. As faculdades particulares foram permitidas em 1996.
Na China, entre as principais mudanças ocorridas durante a década de 1990, na educação, estavam o lançamento de universidades de elite e um plano de economia priorizando a educação, prevendo o aumento de 17% ao ano no orçamento entre 1998 e 2010.
As faculdades particulares foram instauradas um ano depois da Rússia, em 1997, com a descentralização do ensino no país.
Novos objetivos nos anos 2000
No início do século 21, um dos objetivos globais para educação era que os governos implantassem, em seus países, ações regulatórias para a expansão do ensino e a igualdade no acesso, visando melhorar e manter a qualidade e a relevância social do aprendizado e da pesquisa nas instituições de ensino superior.
Também foram sugeridos instrumentos para ampliar a mobilidade estudantil e promover um ensino superior transnacional; a circulação de conhecimento; a instauração de rankings globais e o combate à corrupção na academia.
Nesta época, o Estado russo foi alavancado por uma série de ferramentas neoliberais, como novos procedimentos de avaliação acadêmica e indicadores de performance, o que levou as instituições a competirem por fundos para pesquisa e inovação.
Durante a década de 1990, a Rússia priorizou o ensino superior na divisão do orçamento nacional para educação e implantou projetos destinados a superar os legados da era soviética quando as instituições eram voltadas, quase exclusivamente, para a especialização.
Na China, o governo passou a realizar auditorias e avaliações práticas nas universidades e adotou um sistema binário de instituições com a criação de faculdades de ciências aplicadas, opostas às universidades de elite, voltadas para a pesquisa científica e para a produção de conhecimento.
China é o país dos BRICS que mais investe em educação
Cumprindo o plano orçamentário da educação estabelecido em 1997, a China é o membro dos BRICS que mais investe no ensino superior. Só na área de Pesquisa e Desenvolvimento, o investimento cresceu de U$ 39,2 bilhões para U$ 102 bilhões, entre 2002 e 2007. Com isso, o país conseguiu oferecer mais programas curriculares e aumentar a oferta ao ensino superior.
Para promover a igualdade no acesso, é realizado um exame nacional para ingresso no ensino superior e as universidades de elite devem cumprir uma cota de admissão para alunos de regiões menos desenvolvidas.
Entretanto, segundo o professor chinês Qiang Zha (foto ao lado), que atua na Universidade York, no Canadá, a China corre o risco de criar um sistema de ensino utilitarista, ou seja, visando a apenas resultados a curto prazo e impedindo o crescimento de outras áreas, como da pesquisa. “Esse parece ser o mesmo dilema pelo qual a economia chinesa passa”, disse. “Podemos nos tornar a maior economia do mundo? “
Nos dois setores, educação e economia, a China se atém, na opinião do professor, aos resultados imediatos, o que a impede de ter uma visão a longo prazo.
Nesse aspecto, Yuzhuo Cai, da Universidade de Tampere, da Finlândia, faz eco ao professor Zha. Graduado na China, Cai trabalhou durante sete anos no departamento de educação do governo chinês e diz conhecer os desafios enfrentados pelo ensino superior no país.
Cai contou que, em suas pesquisas para o livro organizado por Simon Schwartzman, ele observou que, na maioria dos países, as reformas na universidade são aplicadas pontualmente para sanar as demandas de cada instituição; entre
tanto, na China, as reformas no ensino superior são feitas para satisfazer os objetivos do governo. “Muitas vezes, os investimentos são feitos sem que se saiba o que exatamente se pretende fazer”, diz o professor. “Mal se conhece a forma para saber onde deve haver uma reforma”, completa.
“É como se disséssemos: não sabemos para onde vamos, mas vamos logo”, interpreta Yuzhuo Cai.