Neurobiologista argentino garante que 70% das pessoas com 70 anos não têm problemas de memória – Leo Martins / Agência O Globo
Radicado em Porto Alegre, o Acadêmico Iván Antonio Izquierdo, pioneiro no estudo da biologia da memória, veio ao Rio participar do projeto Arte & Ciência no CCBB.
“Nasci em Buenos Aires em 1937, mas estou em Porto Alegre há 42 anos. Fiz pós-doutorado na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). Sou casado, com dois filhos. Gosto de cantar boleros em um clube e tenho uma neta que é minha alma gêmea. Quero morrer dando aulas e fazendo pesquisas.”

Conte algo que não sei.
Substituindo uma palavra por outra, você pode substituir um fato inteiro. É fácil moldar a memória das pessoas. Quando governantes falam na imensa prosperidade que agora temos, as pessoas se convencem. Pode estar só um pouco melhor que antes, mas a palavra “prosperidade” faz as pessoas idealizarem. Como dizia o famoso secretário de propaganda de Hitler, se você repete qualquer coisa um número suficiente de vezes, as pessoas acabam acreditando.

Nesse caso, o processo acontece mesmo se as pessoas, no passado, já tiverem ouvido coisas diferentes?
Quando é uma coisa na qual não se insiste o suficiente e não se prestou muita atenção, tende a se apagar. E a maioria das coisas é assim. Por exemplo, a tarde de ontem. Ninguém consegue falar sobre a tarde inteira de ontem durante toda esta tarde.

As memórias e as emoções andam juntas?
Completamente. Emoções intensas fazem lembrar melhor. Todo mundo sabe exatamente com quem estava e a que horas quando Ayrton Senna morreu. Ninguém sabe o que fazia no dia anterior. Emoções intensas estimulam um neurônio muito próximo das estruturas que fazem a memória. Em meio a vários processos, os dois estabelecem uma relação. Nunca vou esquecer de onde estava na hora que mataram o presidente Kennedy. Estava indo comprar cigarro na tabacaria de um hotel e o rádio anunciou. Eu posso lembrar exatamente da expressão facial de três mulheres que estavam lá.

Por que não esquecemos habilidades não emocionais, como andar de bicicleta?
Memórias motoras ficam numa área separada do cérebro. Um lugar profundo, que se mexe pouco. Ficam lá eternamente.

Qual a melhor maneira de exercitar a memória?
Ler. Quando lemos uma palavra no título de um livro, a primeira coisa que o cérebro faz é encarar a primeira letra e fazer um inventário de todas as palavras conhecidas que começam com ela. Se for a letra F, ele pensa: “Fernando, Francisco, ferro”. De cada palavra lembrada, a imagem vem junto. Você exercita a memória da palavra e das imagens. Quando lê a seguinte letra, vamos supor que seja R, aí o cérebro apaga tudo e faz novo inventário. Acontece em milésimos de segundo. É um exercício de memória gigantesco. Isso porque só falamos do título. Imagina depois do livro todo?

Envelhecer afeta a memória de que forma?
Quando ficamos velhos tendemos a misturar as memórias porque elas são muitas. Existe a fama de que os velhos tem má memória. O velho com Alzheimer, sim, mas velhos sadios não tem porque ter memória ruim. A verdade é que 70 % das pessoas de mais de 70 anos não tem nenhum problema de memória.

A memória difere com o gênero? Homens esquecem aniversários de casamento…
Não. Com a cultura que rodeia o gênero. A mulher é educada para ser mãe, ter um um lar. O homem criado para ser um malandrão. Então ele prefere não se lembrar do dia que lhe amarraram as mãos. Vai lembrar do dia anterior, em que ainda era livre.

A grande oferta e pouca profundidade na internet influencia a forma como guardamos as informações?
Na verdade ajuda. Chegou-se a pensar que o uso excessivo da internet atrapalharia a memória, nos tornaria pouco interessados. Mas estimula porque podemos lembrar de muito mais itens, já que temos acesso a mais coisas.