Em 2010, a comunidade global atingiu uma meta histórica: o número de pessoas vivendo em extrema pobreza – definida pelo Banco Mundial como uma renda per capita igual ou inferior a 1,25 dólar por dia, ou menos de 100 reais por mês – caiu de 1,9 para 1,1 bilhão desde 1992, com expectativa de que, nos cenários mais otimistas, esta forma aguda de pobreza seja erradicada do mundo até 2030.

Os resultados representam uma queda da extrema pobreza pela metade em apenas duas décadas. Segundo analistas, os países emergentes, graças à combinação de políticas públicas com uma melhor integração econômica global, foram os principais protagonistas desta transformação. Somente a China, por exemplo, retirou mais de 680 milhões de pessoas da miséria desde 1981; sozinha, ela foi responsável por três quartos do feito global.

Ainda assim, um contínuo esforço dos países continua fundamental para que a pobreza se torne um obstáculo ultrapassado. Além do um bilhão de pessoas ainda em situação de miséria, novos desafios como o combate à falta de equidade social e a promoção de modelos de desenvolvimento sustentáveis emergem temas fundamentais nas discussões de políticas de governo.

 

Clamor por ação

Visando à discussão destes desafios, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), junto com a Rede Global de Academias de Ciência (IAP), promoveu a conferência ”Ciência para a Erradicação da Pobreza e o Desenvolvimento Sustentável: uma Chamada para Ação” entre 3 e 5 de dezembro, em Manaus, E ouviu a opinião de especialistas internacionais como Alan Bojanic (FAO), Blanca Jiménez (IHP-UNESCO) e Jeffrey Sachs, assessor especial do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Reuniram-se cientistas de excelência de 20 países.

O evento internacional teve o apoio da Academia Nacional de Medicina (ANM), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Finep Inovação e Pesquisa, Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), UNESCO, Organização Mundial de saúde (OMS), Programa Especial para Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais (TDR/OMS), Conselho Internacional para as Ciências Sociais (ISSC) e a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável (SDSN).

”Eu acredito que as academias científicas são um caminho para a participação ativa na Agenda para o Desenvolvimento pós-2015”, disse o médico e pesquisador Eduardo Moacyr Krieger, abrindo o evento em nome do presidente da ABC, Jacob Palis. ”Além da discussão, a importância é que o evento abrange também o poder de implementação de políticas para o mundo em desenvolvimento.” Krieger ressaltou a necessidade de especial atenção para os países menos desenvolvidos, que sofrerão mais agruras diante do cenário das mudanças climáticas. ”A erradicação da pobreza, aliada ao desenvolvimento sustentável, são os maiores desafios da humanidade hoje.”

A Agenda para o Desenvolvimento pós-2015 é um projeto das Nações Unidas para delinear o próximo quadro de políticas e objetivos da comunidade internacional, substituindo os famosos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), que expiram em 2015. Além de abordar os problemas não solucionados dos ODMs, espera-se que a Agenda inclua muitos dos novos desafios discutidos na conferência, como a desigualdade e a ausência de um sistema de saúde básica universal na maior parte dos países.

Segundo o Acadêmico Marcello Barcinski, representando o presidente da Academia Brasileira de Medicina, Pietro Novellino, a relevância do evento ultrapassa o âmbito acadêmico e engloba toda a população, pois ”as pessoas percebem que, se o homem continuar forçando os limites da natureza, nosso planeta estará condenado. É hora de combater a pobreza com ação.”

 

Visão global e integrada

Jeffrey Sachs, diretor do Instituto Terra (Universidade de Columbia) e assessor especial dos secretários-gerais da ONU sobre os ODMs, criticou a visão daquilo que ele considera o ”mundo Murdoch”, em referência ao magnata das telecomunicações Rupert Murdoch. ”Um pequeno grupo de entrincheirados no topo do status quo dizem que não há problemas e que as coisas podem continuar do jeito que estão. Essa é a mensagem que recebemos nos EUA pelo Wall Street Journal ou o Fox News, e que vemos em políticas de países como Austrália e Reino Unido.”

Para Sachs, que também é autor de três best-sellers do New York Times, as rupturas ambientais enfrentadas hoje são muito vastas e complexas, tornando impossíveis soluções de pequeno escopo. ”O que torna nossos tempos únicos é que a crise do meio ambiente é de escala global. Não há soluções em nível local. Infelizmente, nós não dispomos de instituições, da mentalidade e nem da motivação para promover uma mudança também em escala global.” Ele concedeu à ABC uma entrevista exclusiva.

Tomando o acesso a água potável como exemplo, a diretora do Programa Hidrológico Internacional da Unesco (IHP-Unesco), Blanca Jiménez, afirmou que os problemas na distribuição de recursos no planeta não derivam somente ”da falta de oferta, mas também da má administração.” Segundo ela, a solução mais concreta depende da combinação entre um consumo mais equilibrado, uso mais eficiente dos recursos e a reutilização dos mesmos sempre que possível. A ABC também entrevistou Blanca Jiménez; confira aqui.

Com base nas conquistas da América Latina e Caribe na redução da fome – entre 1992 e 2010, de acordo com a ONU, o número de pessoas afligidas pela fome na região caiu de 68 para 35 milhões -, o representante da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Alan Bojanic, reforçou a ideia de integração e diálogo entre vários setores da sociedade para um combate efetivo aos problemas contemporâneos.

”Tivemos muito compartilhamento de informações e conhecimentos sobre experiências bem sucedidas entre países. Não é só uma integração econômica, mas também uma integração política, alfandegária e social. E, sem dúvida, a incorporação das novas tecnologias da informação aos processos produtivos ajudaram muito.”

Lai Meng Looi, do Comitê Executivo do Painel Médico InterAcademias (IAMP), acrescentou: ”Os setores médicos das academias têm objetivos em comum relacionados à saúde que são relevantes para as metas do desenvolvimento sustentável”.

 

Desenvolver é preciso, mas com responsabilidade

Em um esforço que reuniu, durante três dias, representantes de mais de quinze países, a conferência também possibilitou aos participantes presenciar um exemplo brasileiro para o desenvolvimento da região amazônica: nos 60 anos desde sua implementação, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), local da reunião, se dedicou a perscrutar a floresta com estudos sobre seu meio físico e as condições de vida de sua população, tornando-se referência mundial na área. O Auditório da Ciência, onde foi realizado o evento, é rodeado pelo denso bosque do Instituto.

O diretor do Inpa, Luiz Renato de França, afirmou que ”sustentabilidade é a palavra chave para a existência do planeta e, para atingir essa meta, é fundamental interagir com pessoas de todo o mundo, como está ocorrendo aqui”.

”A maior pergunta para a Amazônia é: que tipo de desenvolvimento ela deseja?”, prossegue Sachs. ”O desenvolvimento que se resume a extração de recursos e depredação do meio ambiente ou o que deseja proteger e conservar a biodiversidade? É necessário considerar os custos sociais e ambientais e fazer uma abordagem holística e integrada do desenvolvimento.”