A conferência internacional ”Ciência para a Erradicação da Pobreza e o Desenvolvimento Sustentável: uma Chamada para Ação” (3 a 5/12), promovida em Manaus pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Rede Global de Academias de Ciência (IAP), convidou pesquisadores e autoridades de 20 países para uma discussão sobre a pobreza, o desenvolvimento e a sustentabilidade.

Enquanto a sessão inaugural foi marcada pela relação entre acesso a alimentos e progresso socioeconômico, as duas sessões seguintes introduziram o acesso a água potável como outro elemento imprescindível para o desenvolvimento sustentável.

”A superexploração dos recursos hídricos e a poluição esgotam o suprimento de água, aumentam a competição por ela e os custos de sua extração”, comentou a diretora da Divisão de Ciências da Água do Programa Hidrológico Internacional (IHP-Unesco), Blanca Jiménez. ”A degradação do meio ambiente reduz a produtividade e limita fontes potenciais de renda, como a aquicultura.” Veja também entrevista de Blanca Jiménez à ABC.

 

Água: elemento da vida e alicerce do desenvolvimento

A combinação entre o aprimoramento das técnicas agrícolas e políticas públicas sensatas foi uma das principais responsáveis pela redução da fome no mundo nos últimos 30 anos. Paralelamente, a industrialização e abertura aos mercados internacionais possibilitaram a alguns países transitar de uma realidade social de baixa renda para uma de renda média, abrindo espaço para mais progressos sociais.

Como boa parte destes avanços requer tecnologias e conhecimentos muitas vezes inacessíveis às nações mais pobres, um setor agrícola robusto – mesmo que de pequena escala – é particularmente importante para países buscando fugir da ”armadilha da pobreza”. Neste ponto, a escassez de água é um entrave grande o bastante para arruinar tal fuga, dado que países não desenvolvidos se concentram em regiões áridas, de acordo com a palestrante.

 

Mais do que um desafio da natureza

Fatores geográficos, porém, são apenas uma parcela do problema: enquanto algumas regiões são desprovidas de recursos hídricos, outras podem até ser abundantes em fontes de água, mas não dispõem da infraestrutura capaz de distribuí-la à população.

”Países sem recursos financeiros, estrutura e instituições adequadas têm dificuldade em aproveitar a água existente. As pessoas mais pobres, especialmente, recebem as piores terras, mais distantes de fontes de água, e não têm acesso a educação e recursos para maximizar sua produtividade, nem a capacidade política para promover projetos que melhorem sua condição.”

É por este segundo fator que, embora disponha de uma das maiores reservas de água doce do mundo, o Brasil pode enfrentar grave escassez de água até 2025, segundo estimativas da UNESCO. Como um todo, a América do Sul, apesar de sua biodiversidade, corre risco: espera-se que apenas Equador, Guiana, Suriname e Uruguai não enfrentem falta de água na próxima década.

 

Levando água a quem necessita

Os desafios não acabam, mesmo quando recursos hídricos estão disponíveis e são captados. A distribuição irregular, como exemplificada na disparidade da prestação de serviços entre as regiões rurais e urbanas na maior parte do mundo em desenvolvimento, prova-se uma questão central no presente contexto de urbanização.

”Na América Latina e Caribe, 97% da população vivendo em cidades têm acesso a água potável. Nas regiões rurais, são 73%”, lembra Katherine Vanmmen, do Centro de Pesquisa para Recursos Aquáticos da Universidade Autônoma Nacional da Nicarágua. ”É uma disparidade maior do que a encontrada nos mesmos índices globais, que são de 96 e 78%, respectivamente.”

No último meio século, a região urbanizou-se mais intensamente do que o resto do mundo: em 2010, 79% da população latino-americana vivia em cidades, contra 51% do mundo e 75% dos países desenvolvidos. O ritmo desta transformação e histórico de profundas divisões sociais, contudo, fizeram com que mesmo os centros urbanos reproduzissem grandes desigualdades.

”O serviço
de distribuição de água] existe, mas sofre com a falta de continuidade”, diz Vanmmen. ”A má administração de dejetos sólidos ou, no caso de grandes chuvas, falta de estruturas que lidem com o volume em excesso de água, afeta a disponibilidade geral de água nas grandes cidades.”

 

A ciência como catalisador de soluções e uma abordagem plural dos recursos

Oferecendo uma solução científica com base em sua experiência em regiões rurais do Nepal, Dipak Gyawali, ministro de recursos hídricos do país e professor convidado do Instituto de Estudos Avançados da Universidade da ONU (UNU-IAS), propôs uma visão fora da ortodoxia em voga no meio político e acadêmico.”Os estudantes do Nepal possuem aquilo que eu chamo de ‘visão de águia’ da ciência: eles se preocupam em mandar satélites para o espaço, em escanear e identificar a geografia de um país inteiro, essas coisas. Entretanto, é tão raro ver um estudante que saiba explicar por que uma comunidade rural não consegue instalar um poço aquífero, quando outra consegue!”

Chamando essa abordagem local de ”visão de girino”, ele defendeu sua conciliação com uma realidade ideológica mais diversa. ”No Nepal, as pessoas são regidas por valores tradicionais, das tribos, e por instituições, das cidades cosmopolitas”.

Neste cenário, os indivíduos adotam múltiplas explicações para a escassez de água: alguns creem que a água é um milagre para poucos (visão ”fatalista”, segundo o professor) e outros, por exemplo, creem que ela é um bem comum a ser aproveitado por todos (visão ”igualitária”). ”Uma abordagem bem sucedida para o problema da água, pelo menos no Nepal, deveria considerar todas essas diferentes visões, não apenas escolher uma”, ele resume.

É uma solução, em parte, corroborada por Jimenez: ”O problema da água é global, mas as soluções só poderão partir de um nível local”, conclui. ”Enquanto algumas regiões enfrentam seca, outras enfrentam enchentes; enquanto o problema de um local é a poluição, o de outro é a salinidade da água. O importante, hoje em dia, é focar a ideia global de proteger nossos recursos hídricos na diversidade regional.”