O economista Jeffrey Sachs é um tipo raro para sua profissão, aliando um alto nível de conhecimento técnico com um status de quase celebridade entre o público leigo. Autor dos bestsellers ”The End of Poverty” (2005), ”Commons Wealth” (2008) e ”The Price of Civilization” (2013), ele atuou como assessor especial sobre desenvolvimento para secretários-gerais da ONU Kofi Annan e Ban Ki-moon, viajou por mais de 125 países e dedicou-se exaustivamente a temas como a erradicação da pobreza e da fome e a promoção de práticas econômicas ambientalmente conscientes.

No dia 5 de dezembro, o economista veio ao Brasil participar de dois importantes eventos sobre o tema, organizados pela Academia Brasileira de Ciências (ABC): a conferência ”Ciência para a Erradicação da Pobreza e o Desenvolvimento Sustentável: uma Chamada para Ação” (3 a 5/12) e ”A ciência e os desafios do desenvolvimento sustentável da Amazônia” (5 e 6/12).

Sachs concedeu à ABC uma entrevista exclusiva, explicando que é dever da humanidade estabelecer limites para os lucros privados e que, especialmente em países enfrentando altos níveis de desigualdade, é fundamental ”separar dinheiro de política” para se manter uma democracia saudável.

ABC | A Amazônia é uma região geograficamente complicada para o surgimento de grandes populações e o desenvolvimento econômico no sentido tradicional: ela é densa, remota, seu clima é bastante quente e sua biodiversidade resulta na proliferação de muitas doenças. Qual o peso da geografia no desenvolvimento de uma região ou país?

SACHS | É certo que fatores geográficos influenciam a atividade econômica. Regiões costeiras são mais desenvolvidas do que interioranas em todo o mundo; áreas de baixa altitude são, em geral, mais desenvolvidas do que as montanhosas – à exceção de certas áreas tropicais, onde o clima das partes altas é mais ameno do que as mais próximas do nível do mar. Então, se analisarmos a geografia atentamente, percebemos que ela é, sim, um fator muito influente no desenvolvimento econômico.

ABC | Isso significa que a Amazônia está ”travada” em um grau de subdesenvolvimento graças à sua geografia?

SACHS | Quando se considera a geografia amazônica, é necessário perguntar que tipo de desenvolvimento é desejado para ela. É possível que a localização remota, por exemplo, tenha protegido sua biodiversidade e que, uma vez solucionado este problema, a perda ambiental seria maior do que os ganhos econômicos.

Assim, a questão central é o tipo mais adequado de desenvolvimento. O que se espera desse ‘desenvolvimento’? Apenas a extração e a exaustão dos recursos ou a proteção e conservação de sua biodiversidade?

Essas não são questões novas, mas elas permanecem sem solução. Algumas pessoas desejam acelerar o desenvolvimento econômico, mas o desenvolvimento sustentável requer um balanceamento dos objetivos econômicos, sociais e ambientais. Se você abordar a Amazônia por uma perspectiva sustentável, perceberá que é uma visão bem diferente daquela puramente econômica, cujo mantra é a maximização dos lucros.

ABC | Mas o equilíbrio entre preservação e exploração não maximiza os lucros em longo prazo?

SACHS | Não necessariamente. Poderíamos abordar a situação da seguinte maneira: se incluirmos os lucros sociais junto com os econômicos, maximizaremos aqueles em detrimento destes. Muitos empreendimentos geram lucros privados e prejuízos sociais. Na Amazônia, isto é certamente verdadeiro. Mais plantações, cortes de árvores ou minas podem render altos lucros, mas estes seriam ofuscados pelos custos sociais das emissões de carbono, destruição de habitats ou perda de culturas.

ABC | Qual o potencial de geração biotecnológica da Amazônia? Seria sensato aproveitar a região para este fim comercial?

SACHS | A ideia de prospecção biológica faz sentido, considerando-se as dimensões da fauna e da flora, e não há dúvidas sobre a imensa riqueza ainda não descoberta para a humanidade neste quesito: quantos remédios de combate ao câncer ou segredos para a cura de doenças como a malária não devem estar na floresta? A cinchona, do Peru, e a Artemisia annua, da China, se tornaram ingredientes para o combate à malária. É uma verdade básica, na história humana, que há grandes potenciais na biodiversidade.

Por outro lado, também há tremendos benefícios na conservação do ecossistema. As florestas tropicais da Indonésia, por exemplo, são muito boas em produzir azeite de dendê; neste caso, se apenas os lucros privados fossem considerados, toda a Indonésia seria desmatada e substituídas por plantações de palmeiras para a produção de dendê. Trocar aquela incrível biodiversidade por alguns anos de suprimento de dendê seria um infeliz cálculo da humanidade.

Ainda assim, o setor privado está sempre testando os limites legais e naturais, porque sua visão é ”lucrar, lucrar, lucrar”. Já o trabalho da humanidade é dizer ”este é o limite. Pare aqui”. A partir deste ponto, o que importa é o bem estar moral e estético da humanidade e a sobrevivência das outras espécies.

Assim, a pressão contra as forças de mercado é muito importante, ainda que difícil. A natureza não paga políticos; empresas, sim. Os incentivos giram em torno de dinheiro, mas a biodiversidade não é ”monetizável”, significando que a lógica dos incentivos, infelizmente, não pende para a riqueza biológica ou valores culturais.

ABC | Devido à mesma lógica dos incentivos, a economia é pautada pela noção básica de que certos níveis de desigualdade são bons e, de fato, desejáveis para o crescimento. Entretanto, a grande discussão hoje em dia é pautada por uma desigualdade alta demais, quase que fora de controle. Existe uma divisão clara entre qual desigualdade é ”boa” e qual não é?

SACHS | Eu acho que sim, e que se resume em uma suposição bem simples: imagine uma criança nascida em uma família pobre e pergunte se ela tem a chance de desenvolver seus potenciais com uma saúde, nutrição e educação decentes. Se a resposta for ”sim”, então a sociedade ao menos está garantindo que todos tenham um futuro.

Se for ”não”, ou seja, se uma criança pobre não conseguir superar as dificuldades da condição financeira em que nasceu, eu concluirei duas coisas: primeiro, que a sociedade não é justa; segundo, que ela não é eficiente, porque pessoas com grande potencial serão deixadas pra trás simplesmente por não possuírem a capacidade de investir em si mesmas.

Quando eu olho para os Estados Unidos, por exemplo, a desigualdade é tão alta que uma criança nascida na pobreza não tem chances reais de sair da pobreza. Certo, talvez 10% consigam escapar desta sina, mas a maioria esmagadora continuará pobre. Muitas seguirão uma vida de crime e pouquíssimas chegarão à universidade.

ABC | Isso é um pouco surpreendente, considerando a forte imagem de meritocracia que os EUA gostam de passar ao mundo, não?

SACHS | Em sua mitologia do self-made man
aquele que vence pelas próprias habilidades], os EUA se orgulham de ser a ”terra da oportunidade”, mas a desigualdade social é tão grande que pessoas nascidas na pobreza têm pouquíssimas chances de chegar à condição de vida que a sociedade acredita que elas possam alcançar.

Isso prejudica até mesmo sua autoestima, porque elas se sentem condenadas pela sociedade no caso de fracasso. Nos EUA, os pobres são julgados muito severamente, pois as pessoas se baseiam na crença de que eles não trabalharam o suficiente – quando, na verdade, eles lidam obstáculos muito além de suas capacidades.

ABC | Considerando que os índices de desigualdade do Brasil e EUA agora são muito próximos (índices GINI de 51,9 e 45,6 em 2012, respectivamente), será que os dois países podem tirar lições uns dos outros?

SACHS | Sim, com toda a certeza! O Brasil combateu a desigualdade nos últimos 25 anos, e eu acredito que isso tem muito a ver com políticas sociais iniciadas por Fernando Henrique Cardoso e continuadas pelos presidentes Lula e Dilma Rousseff, que permitiram muitos pobres alcançar uma educação e qualidade de vida melhor. O ”Fome Zero”, o ”Bolsa Família”, entre outros, são ótimas iniciativas para garantir que crianças pobres não fiquem presas em uma pobreza desesperadora.

Já nos EUA, nós enfraquecemos nossas políticas no mesmo período. Aquilo que chamamos de ”reformação do bem estar social” foi mais uma ”deformação” do que ”reformação”. Eu acho que a ideia de uma economia pautada por livre mercado é muito ingênua, além de prejudicial para as pessoas pobres. É necessário proteger o bem estar dos menos favorecidos, garantir bom acesso a educação, boa nutrição e boas oportunidades para todos.

Outra lição para ambos os países é que, quando a desigualdade ultrapassa os níveis sensatos, a corrupção política cresce junto com ela. O dinheiro, então, passa a comprar votos. Nos EUA, os ricos têm uma participação desproporcional na política e acabam determinando qual a política de impostos, qual o nível de regulação dos mercados e etc.

Tanto no Brasil quando nos EUA, é crucial que separemos dinheiro de política para que tenhamos uma democracia legítima.