A Amazônia é um tesouro latino: com 5,5 milhões de quilômetros quadrados de vegetação densa e intensa biodiversidade (para efeito de comparação, a Europa possui 6,2 milhões de km2, descontada a Rússia), a floresta amazônica abarca nove países da América do Sul e é responsável por metade das florestas equatoriais do mundo. Adicionalmente, ao cobrir quase 40% do território brasileiro, ela se sagra como um patrimônio nacional.

Entretanto, a realidade socioeconômica do bioma não acompanha sua exuberância natural: o clima quente, úmido e chuvoso, mais a vegetação densa e os solos delicados, incapazes de suportar agricultura em larga escala sem o uso de tecnologias agrícolas refinadas, dificultam a formação de centros urbanos e a instalação de infraestrutura básica para o transporte. A grande biodiversidade, admirada por turistas como uma maravilha da natureza, acarreta na proliferação de agentes patológicos e de vetores de doenças como malária, febre amarela e dengue.

Além dos obstáculos impostos pela geografia, há aqueles resultantes de um histórico de descaso político e opressão social: largamente ignorada pelo governo português nos primeiros séculos de colonização, a Amazônia brasileira foi desbravada e povoada sem políticas oficiais de larga escala e com planejamento em longo prazo. Durante a ditadura militar de 1964-85, a região Norte testemunhou substanciais, mas frágeis investimentos visando à ”conquista” do bioma, resultando em uma expansão demográfica desacompanhada de modelos sustentáveis de desenvolvimento.

Sobre estes problemas, adiciona-se também a ameaça do crescente desmatamento: de 1970 a 2013, quase um quinto da área florestal no Brasil foi reduzida, graças à expansão de atividades agropecuárias e de mineração. Como resultado, a região amazônica figura como uma das áreas mais carentes e menos desenvolvidas do país – mesmo com o crescimento econômico dos últimos anos, quando as médias de crescimento anual da Região Norte superaram as médias nacionais.

Para estimular soluções com uma discussão entre especialistas sobre a região e acadêmicos de reputação internacional, incluindo o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Jacob Palis, e o economista Jeffrey Sachs, a ABC e a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (SDSN-A) promoveram o evento ”A ciência e os desafios do desenvolvimento sustentável da Amazônia”, no início de dezembro, na sede da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), em Manaus.

 

Desenvolver com responsabilidade

”Quando falamos em desenvolvimento, precisamos nos perguntar que tipo de ‘desenvolvimento’ é esse”, lembra Sachs, assessor especial do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e uma das maiores autoridades globais em desenvolvimento sustentável. ”Não é mais possível termos aquele tipo tradicional de desenvolvimento, onde tudo é devastado para dar espaço ao progresso.”

Em entrevista à ABC, o acadêmico complementou seu argumento: ”O desenvolvimento sustentável requer um balanceamento dos objetivos econômicos, sociais e ambientais. Se abordarmos a Amazônia por uma perspectiva sustentável, perceberemos que é uma visão bem diferente daquela puramente econômica. Algumas áreas podem ser tão valiosas do ponto de vista da biodiversidade ou das culturas que, embora haja uma oportunidade para lucro, seja de curto ou longo prazo, a melhor alternativa seria não ‘desenvolvê-las’.”

Segundo Virgílio Viana, diretor-geral da FAS, a pobreza e os impactos das mudanças climáticas são os desafios mais urgentes a ser combatidos. ”Pobreza é uma agenda muito importante para o desenvolvimento da Amazônia, pois há uma grande concentração dela na região, maior até do que a encontrada no Nordeste”, relata Viana, que é especialista em florestas e desenvolvimento sustentável. ”Outro desafio é a adaptação às mudanças climáticas. Este ano, ocorreu no rio Madeira a maior cheia de todos os tempos. Do ponto de vista do impacto econômico, houve perda total da agricultura familiar e das atividades locais.” Veja a entrevista de Virgílio Viana à ABC.

 

Mineração, a improvável aliada contra o desmatamento

Sobre o desgaste ambiental promovido pela expansão das fronteiras da agropecuária, o geólogo e vice-presidente da ABC para a Região Norte Roberto Dall’Agnol sugere uma abordagem pragmática, buscando o respeito às atividades econômicas já desenvolvidas e o crescimento consciente das mesmas, em equilíbrio com a vegetação e as comunidades existentes.”Por exemplo, muitas pessoas defendem para a pecuária que, em vez de expandir a área para a criação de gado, se amplie a produtividade das áreas que já existem. Usar tecnologia para produzir mais em menos espaço, e essas são alternativas pouco discutidas. Não se pode ter uma receita simples.”

Ironicamente, ele destaca que a expansão do agronegócio é muitas vezes barrada por outros interesses privados. ”O setor de mineração não tem interesse nessa expansão porque ele mesmo quer o controle da área. Resultado: prefere que sejam áreas protegidas, para depois negociar
direitos de mineração] com os órgãos ambientais. Nesse caso, a mineração pode ser uma grande aliada da preservação, como foi o caso da Amazônia Oriental.”

 

Contato com a natureza

No sábado (6/12), a FAS surpreendeu os convidados com um passeio de barco até a comunidade de Tumbira, a duas horas de de Manaus, por navegação. Lá, os debates prosseguiram no Núcleo de Conservação e Sustentabilidade (NCS) Agnello Uchôa Bittencourt, um complexo educativo desenvolvido pela FAS para educar e capacitar as populações locais ao empreendedorismo.

”Esse núcleo homenageia um notável professor da Universidade Federal do Amazonas que, na década de 70, estudava o desenvolvimento sustentável da região”, explica Viana. ”Em linguagem figurada, eu o chamo de ‘mini universidade’. É um dos oito núcleos que a FAS opera em diferentes partes do Amazonas e, em 2013, nós implementamos 645 de geração de renda nas 575 comunidades onde a fundação atua.”

Em sintonia com a proposta dos NCSs, representantes da Parsons The New School for Design, uma das mais celebradas faculdades de design e moda do mundo, estiveram presentes para estudar o planejamento de projetos adequados à realidade amazônica. Com uma dinâmica de grupo entre os participantes, eles colheram opiniões sobre os principais desafios e soluções para a área.

”A New School sempre teve um histórico de preocupação com a justiça social, voltado para o empoderamento das pessoas e comunidades, e a escola de design Parsons entra como essa alavanca da inovação”, articula o professor Carlos Teixeira. ”As realidades regionais são únicas e complexas, então estamos adaptando conhecimentos globais para as questões locais. É por isso que a Amazônia é tão importante, porque ela é uma junção de questões complexas e de relevância global com particularidades locais.”

Ao fim do evento, os debatedores foram agraciados com a oportunidade de nadar no Rio Negro. Nos dias 3 a 5 de dezembro, a ABC já havia realizado, junto com a Rede Global de Academias de Ciência (IAP), a conferência internacional ”Ciência para a Erradicação da Pobreza e o Desenvolvimento Sustentável: uma Chamada para Ação”, que ponderara sobre a questão do desenvolvimento em um nível mundial. Juntos, os eventos foram uma oportunidade de ouro para repensar o significado de ”progresso” e dar uma chance ao bioma amazônico de crescimento aliado à conservação.

Assista, abaixo, aos vídeos do evento: