A pauta do dia 3 de dezembro da conferência ”Ciência para a Erradicação da Pobreza e o Desenvolvimento Sustentável: uma Chamada para Ação”, promovida pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Rede Global de Academias de Ciência (IAP), abordou a relação entre o combate à pobreza e o acesso a uma alimentação adequada.

Linxiu Zhang, vice-diretora do Centro para Políticas Agrícolas da Academia Chinesa de Ciências (CCAP-CAS), afirmou que, atualmente, o desafio para o fim da pobreza na China é ajudar aqueles que não acompanharam o crescimento econômico do país e que estão carecendo de sistemas de apoio sólidos. Ela fala com a experiência de quem testemunhou de perto o combate à pobreza: com a introdução do que hoje é apelidado de ”Consenso de Pequim” (mercado capitalista e política comunista) nos anos 80, a China se deslocou da condição de pobreza para um posto central na economia do planeta: é dona do segundo maior PIB mundial.

”A China desenvolveu políticas específicas para os indivíduos vivendo em pobreza extrema, favorecendo investimentos em bens e serviços públicos e transferências financeiras e ajudando essas pessoas a ter um senso de planejamento integrado”. Segundo a palestrante, a redução da pobreza é resultado direto da transição de uma economia do subdesenvolvimento ao desenvolvimento – um percurso que tem duas fases distintas, cada qual com um conjunto específico de desafios: a transição das economias de baixa renda (ex.: Afeganistão, Bolívia) para média renda (Brasil, China) e das de média para alta renda (EUA, Singapura).

 

A fome que não se vê

Nem toda pobreza, contudo, é igual, assim como nem toda fome é marcada pela falta de alimentos. Para Linxiu, é necessário fazer uma distinção entre desnutrição e má nutrição e perceber que, embora a China e boa parte do mundo em desenvolvimento estejam vencendo a primeira, eles terão grandes dificuldades para superar a segunda.

”O problema atual da China não é tanto a falta de macronutrientes
proteínas, lipídios e carboidratos, cuja ausência é característica da desnutrição] quanto a de micronutrientes
ferro, zinco ou sódio].” No caso da má nutrição, o problema jaz no consumo indevido dos alimentos, não em sua ausência. Segundo o periódico britânico The Economist, apesar do crescimento econômico global, ”a deficiência de micronutrientes persiste” e afeta hoje cerca de 2 bilhões de pessoas.

Ironicamente, o outro extremo da má nutrição – a obesidade – foge ao controle das autoridades. ”De 1974 até 2008, o número de homens com excesso de peso aumentou em três vezes. Nas mulheres, foi quase o dobro no mesmo período”, alerta Alan Bojanic, representante da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

Para Linxiu, a má nutrição é muitas vezes consequência da falta de conhecimento e das armadilhas psicológicas estabelecidas após longos períodos de pobreza. ”As famílias podem ter dinheiro, mas elas não investem nas coisas que oferecem grandes retornos no futuro, pois o futuro é abstrato. Elas preferem o que dá retorno imediato.” Veja a entrevista de Linxiu Zhang à ABC.

 

O exemplo brasileiro

Embora o Brasil também sofra com a ”fome invisível”, seu desempenho quanto à desnutrição, medida em ingestão diária de calorias, pode ser considerado exemplar, visto que poucas nações emergentes obtiveram resultados tão expressivos: com 11% de sua população desnutrida em 1991, o Brasil foi removido em 2014 do Mapa da Fome da FAO, significando que menos de 5% de sua população é afligida pelo problema.

O sucesso se explica pelo ”compromisso com o tema”, afirma Bojanic. ”Nos últimos dez anos na América Latina, tivemos fortes investimentos em políticas sociais e presenciamos uma revolução nos meios produtivos. A agricultura familiar também evoluiu, adquirindo novas técnicas, tecnologias e aprendendo a se integrar mais ao mercado.”

O representante da FAO mencionou políticas como o Fome Zero e instituições como o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), que devem suas origens aos esforços de pioneiros como o médico Josué de Castro e o sociólogo Herbert de Sousa, como principais agentes destas transformações.

Trata-se de um avanço, aliás, que se repete na América Latina e Caribe: entre 1990-92, dos países de que a FAO conseguiu informações na região, apenas a Argentina possuía menos de 5% da população desnutrida; em três países (Bolívia, Haiti e Nicarágua), o índice era superior a 35%. Em 2012-2014, eram sete países com menos de 5% e apenas um (Haiti) com mais de 35%. Em quase 15 anos, houve uma melhora em virtualmente todas as nações da região.

Segundo Bojanic, é importante que isto sirva de exemplo para regiões, a exemplo da África subsaariana, onde semelhante progresso ainda não foi registrado. ”É preocupante que, neste mundo que está progredindo em termos econômicos, com uma classe média cada vez mais forte, algumas regiões ainda não estejam caminhando no mesmo ritmo que outros continentes”, lamenta.