Um relatório sobre as possibilidades hídricas da macrometrópole de São Paulo que foi produzido em 2013, antes da seca atual, já dizia que uma eventual escassez de água teria impactos econômicos e sociais enormes para o Estado. Uma das principais conclusões foi taxativa: a necessidade urgente de uma fonte hídrica de grande porte para a região. ”Como engenheiro, acho que este caminho deveria ser perseguido com afinco”, afirmou Danny Dalberson, diretor da consultora Engecorps, no Simpósio ”Recursos Hídricos na Região Sudeste: Segurança Hídrica, Riscos, Impactos e Soluções”, realizado pela ABC em novembro.

As análises realizadas para a elaboração desse relatório – o Plano Diretor de Aproveitamento de Recursos Hídricos para a Macrometrópole Paulista – revelam que a atual configuração de estruturas hidráulicas na região da macrometrópole não tem capacidade para garantir as vazões necessárias ao atendimento, no médio e no longo prazos, por conta do aumento da demanda projetada. O estudo estima a necessidade adicional de 60 m³/s para responder a uma demanda que chegará a 283 m³/s em 2035. ”Esse acréscimo equivale ao dobro da atual capacidade do Sistema Cantareira e a quatro vezes a do Sistema Guarapiranga”, disse Dalberson, que é professor da Universidade de São Paulo (USP).

A macrometrópole paulista engloba 180 municípios e corresponde a 75% da população de São Paulo e 16% da população do país. Lá estão concentrados 83% do PIB do Estado e 28% do PIB brasileiro. Ainda assim, a região vive as insuficiências do atual modelo de gestão da alocação das águas, especialmente para fazer frente a episódios críticos de escassez hídrica. ”Conforme já abordado neste evento, necessitaremos buscar água longe”, afirmou Dalberson.

O relatório diz que projetos de grande parte para ampliação da oferta de água têm longa maturação – de dez anos -, mas Dalberson acha que seriam, na verdade, 15 anos. Há estratégias de curto prazo que também são importantes, como o controle da deterioração da qualidade da água dos mananciais, a promoção do uso racional e o desenvolvimento das tecnologias de reuso de água.

 

Vinte e três soluções estudadas

É importante ressaltar que, apesar da dimensão do problema, há soluções. Foram estudados 23 esquemas de obras para se estabelecer o suprimento hídrico da região. Alguns são mais viáveis financeiramente do que outros, mas todos preveem alternativas para otimizar o uso da hidrografia da região, com seus reservatórios, aquedutos e outros recursos.

O esquema de nº 21, por exemplo, que envolve a represa de Jurumirim e a estação de tratamento de água em Cotia, é proporcionalmente caro, porém amplo, pois pode gerar um volume de água muito grande. ”O sistema de transposição desse arranjo não apresenta grandes dificuldades do ponto de vista da engenharia como, por exemplo, a transposição do Rio São Francisco, e pode chegar até o miolo de São Paulo”, informou o palestrante. ”A vantagem dessa obra é que ela pode ser escalonada, e gradativamente o sistema vai sendo construído.”

Esses arranjos são vantajosos economicamente, segundo Dalberson. Enquanto a água de reuso tem o custo de R$ 4 por metro cúbico, esses empreendimentos, depois de prontos, custarão no máximo R$ 1,44 reais. ”O sistema da barragem de Duas Pontes, na região de Campinas, que já está em projeto executivo, vai aumentar a vazão em 7m3 para uma área altamente carente”, exemplificou o engenheiro.

 

”Para 2015, só há uma solução: a redução de consumo”

Apesar das possibilidades para o futuro, Monica Porto, da Escola Politécnica da USP, deixou claro: não há como proporcionar grandes suprimentos de emergência no curto prazo. ”As obras emergenciais demoram mais de um ano.” Isso significa que, para 2015, não há solução – uma forte redução de consumo será uma realidade.

Isso porque o cenário é de uma crise grave. Em termos de vazões afluentes ao Sistema Cantareira, 2013-2014 foi pior que o período mais crítico já registrado, de 1953-1954. ”Faltou uma afluência de 300 milhões de m3; estamos bem abaixo do que o sistema suporta.” E, como já se sabe, a população a ser abastecida é muito grande e requer grandes volumes de água para ser atendida.

 

Fonte: Monica Porto

 

Segundo Monica, mesmo as ações de gestão de demanda, como troca de equipamentos domésticos e reuso, também não são rápidas e não podem ser consideradas emergenciais. ”O grande desafio é enfrentar 2015. Se chover a média vai ser difícil; se não chover vai ser impossível. Só há uma solução: a redução de consumo. Não tem outra alternativa.”

No consumo urbano, uma das medidas a serem adotadas é ampliar de maneira expressiva as campanhas de informação, explicando melhor para a população a gravidade da crise, mas sem gerar pânico. É preciso ensinar às pessoas as formas mais eficientes de redução de consumo. Além disso, de acordo com a especialista, é urgente se estabelecer multas ou sobretarifação e bônus, como foi feito à época do apagão. O incentivo para quem poupar água é democrático e educativo. ”A pessoa escolhe se vai lavar o carro ou tomar banho, aprendendo a economizar. E a multa pune quem desperdiça.”

 

Rodízio não é solução para redução do consumo

Para Monica, o rodízio não é uma boa solução, pois a população a ser racionada é muito grande e a rede, muito extensa. ”Num rodízio, interrompe-se a distribuição de água, a rede se esvazia e, quando começa a encher de novo, quem está mais próximo dos reservatórios de distribuição é atendido primeiro. Como a caixa d’água está vazia, a água disponível pode acabar nem chegando para quem está lá na ponta.” Ou seja, o rodízio é socialmente injusto, pois prejudica de forma diferenciada a população. Outro problema é que ele atinge igualmente a área doméstica e os serviços essenciais, como hospitais, e não é educativo. ”Ninguém aprende a economizar água com rodízio, pois as pessoas acumulam no tanque, na caixa d’água, e no dia que a água volta, o consumo é o mesmo.”

Monica informou que existe um problema ainda maior envolvendo o sistema de rodízio: ”São Paulo tem áreas com tubulação mais antiga e pode ocorrer infiltração na rede, permitindo a entrada de água suja e gerando danos à saúde pública. O número de manobras para fechar e abrir os trechos da rede diariamente é enorme e a possibilidade de erros é muito grande. Então vale mais a pena investir nas multas e incentivos.”

É importante estimular, ainda, a redução do consumo industrial, com diferentes abordagens para indústrias conectadas na rede e aquelas que captam água nos rios, e do consumo agrícola – por exemplo, com o esforço de bloqueio das captações clandestinas e fazendo a irrigação à noite para diminuir a evaporação. Mônica enfatizou, no entanto, que as novas obras de captação, tanto de longo quanto curto prazo, não devem ser vistas como obras apenas para aumento de oferta. ”Essa água a mais não é para ampliar o consumo, mas sim para aumentar a segurança hídrica.”

 

O Plano Nacional de Segurança Hídrica

O superintendente de Planejamento de Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA), Sergio Ayrimoraes, apresentou, no simpósio, um trabalho realizado em conjunto entre ministérios, órgãos federais e estaduais, municípios e companhias públicas e privadas para fazer um atlas com a avaliação de todas as fontes hídricas que abastecem as cidades. Foi feita a identificação dos mananciais e a caracterização desses sistemas e dos déficits para se fazer uma estimativa dos investimentos necessários para garantir a oferta de água.

Segundo Ayrimoraes, 58% dos municípios utilizam mananciais superficiais de forma preponderante, enquanto 42% se abastecem de águas subterrâneas. Em uma projeção para 2015, concluiu-se que apenas 45% das cidades têm uma oferta de água satisfatória. ”Ou seja, 55% do total requerem investimentos para garantia da oferta de água ate 2025, o que equivale a 139 milhões de habitantes.” Além disso, 46% desses municípios precisam de investimentos em infraestrutura no sistema de água e 9% precisam de um aporte de novas fontes hídricas, o que é uma situação ainda mais complexa. Nesse sentido, é necessário um investimento total de R$ 22 bilhões. Confira detalhes nos gráficos abaixo:

Fonte: ANA

 

O palestrante contou, então, sobre o Plano Nacional de Segurança Hídrica, que está em fase de elaboração. O PNSH busca definir diretrizes, conceitos e critérios que permitam a seleção e detalhamento das principais intervenções estratégicas do país, de forma a garantir oferta de água tanto para o abastecimento humano quanto para o uso em atividades produtivas e reduzir os riscos associados a secas e inundações. O plano prevê ações de gestão e obras estruturantes, em barragens e sistemas adutores, canais e eixos de integração.

Por fim, com foco na qualidade da água, também foi apresentado o escopo do Atlas de Despoluição de Bacia Hidrográficas, estudo em elaboração que tem por objetivo indicar as ações necessárias em coleta e tratamento de esgotos urbanos em todo o país.