Por causa da crise hídrica atual, o nível da água nos reservatórios das usinas hidrelétricas é o mesmo que o registrado no ”apagão” de 2001, quando todo o país sofreu problemas de fornecimento de energia e precisou passar por um racionamento intenso. A informação foi apresentada pelo diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ) e Acadêmico, Luiz Pinguelli Rosa, no Simpósio ”Recursos Hídricos na Região Sudeste: Segurança Hídrica, Riscos, Impactos e Soluções”, realizado pela ABC em novembro.
Não é novidade que o problema da escassez de água afeta o setor energético, mas nem todo mundo se dá conta dessa relação direta. Na época do ”apagão” de 2001, o governo não deixou claro que a falta de energia era decorrente dos baixos níveis nos reservatórios hidrelétricos, por conta das chuvas escassas. E, com a crise hídrica de hoje, só não estamos passando por esta situação novamente por causa das termoelétricas, segundo Pinguelli.
O engenheiro explicou que, atualmente, as usinas hidrelétricas, como Itaipu, Belo Monte e Jirau, praticamente não têm reservatório. Isso é positivo, por um lado, porque reduz os impactos ambientais, já que estes reservatórios ocupam áreas imensas, mas, por outro, a capacidade de armazenar energia também é reduzida. Em 2001, a altura da água nos reservatórios ficou entre 30 e 20%. Em 2014, ela caiu ao longo dos meses e, em outubro, chegou a 19,6%. É um nível muito baixo, e é nesse total que se encaixará o próximo ano. ”Ou seja, teremos dificuldade em 2015”, avisou Pinguelli.
Ele informou que, certamente, a altura da água dos reservatórios não vai chegar no nível de 60 a 70%, considerado normal. A linha vermelha do gráfico abaixo indica a energia armazenada pelas hidrelétricas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste em 2014. É possível verificar que o nível fica bem próximo da linha amarela, que representa o ano de 2001.
O papel das termoelétricas no cenário atual
”Em 2014, o governo conseguiu garantir a energia com as termoelétricas, ao preço do aumento da emissão de gases e do nosso bolso, pois estamos pagando por isso”, afirmou Pinguelli, ressaltando que o custo das termoelétricas atinge a casa dos bilhões de reais. Provavelmente, continuaremos dependendo delas no ano que vem. ”Em 2001, não tínhamos termoelétricas, por isso houve racionamento. Elas foram feitas para ficar desligadas, exceto em eventualidades. Assim, não é interessante investir muito capital nelas e, por isso, são muito ruins.” O Acadêmico disse que algumas utilizam óleo diesel que, em um sistema de geração elétrica na rede, é completamente antieconômico.
O problema de usar essas usinas novamente em 2015 é que elas estão estressadas, já que foram usadas em um ritmo muito forte. ”Vão emitir gases efeito estufa e nossas emissões já aumentaram recentemente, apesar de ainda estarem baixas, em uma perspectiva histórica.” O normal seria que a geração de energia hidrelétrica ficasse em torno de 80% da energia total, mas em 2014, ela foi de 60%, aproximadamente, uma queda considerável.
De um modo geral, o Brasil tem uma matriz energética vantajosa, em que cerca de 45% da energia gerada são renováveis. No mundo, esse número varia entre 5 e 10%. ”Temos uma ‘cabeça hidrelétrica’. Pensamos sempre no planejamento a partir da hidroeletricidade, e isso tem que mudar”, alertou Pinguelli. É preciso planejar a expansão e operação do setor elétrico adaptadas às condições mais severas do clima pelas quais temos passado. ”Existe uma resistência no setor elétrico de admitir essa necessidade, mas não vejo escapatória.”
Impactos na agricultura
Não é só o setor energético que é afetado pela crise hídrica – a agricultura, completamente dependente da água, também sofre impactos fortes. O pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Eduardo Assad falou sobre o tema no simpósio, e deu uma dimensão do problema: segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), 70% da água potável no mundo são usados para irrigação.
”Estamos caminhando para o pior cenário previsto pelo IPCC
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas]”, ressaltou Assad. A previsão é de, entre outros fatores, aumento da frequência de chuvas intensas, fortes alterações na distribuição das chuvas, no balanço hídrico, aumento na intensidade e frequência dos veranicos (secas que ocorrem em regiões meridionais do Brasil) e da erosão. Além disso, deve ocorrer a evolução dos extremos de temperatura. Os invernos tendem a ficar mais quentes, com aumento de ondas de calor. O IPCC prevê que a temperatura suba de 0.2 a 0.3 graus por década.
Na agricultura, isso tem algumas consequências, entre elas o abortamento de flores do café, laranja e feijão, o aumento da evaporação e evapotranspiração e da deficiência hídrica. ”Só com duas ondas de calor, perdemos 50 milhões de dólares em frangos”, contou Assad. Ele disse, ainda, que foram perdidos seis milhões de toneladas de milho e soja esse ano, por efeito dos veranicos. ”São 10 bilhões de dólares jogador fora, o equivalente a quatro Embrapas.”
Algumas soluções, segundo o pesquisador, seriam fazer uma integração efetiva entre floresta, grão e pasto, o reflorestamento e explorar a linha do melhoramento genético, fazendo uso da genômica das plantas.
A relação com o setor mineral
A indústria mineral também sofre com a seca, conforme mostrou a Acadêmica e coordenadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Recursos Minerais, Água e Biodiversidade, Virginia Ciminelli. ”O setor mineral é hidrodependente, envolve não apenas a adição direta da água, mas também tem a energia como consumo indireto. O setor é também intensivo em uso de água mas exemplar em relação ao nível de recirculação.”
No caso de minerodutos, por exemplo, uma recente outorga envolveu 2,5 mil m3 água por hora. Além disso, aumento da produção mineral no país, de 550% entre 2001 e 2011, e a necessidade de aproveitamento de minérios mais complexos e de menor teor contribuem para o aumento do estresse hídrico.
Virginia, que é pesquisadora do Departamento de Engenharia Metalúrgica e Materiais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explicou que no caso do mineroduto a água funciona como meio de transporte de polpa de minério. ”A despeito do grande volume de água envolvido, o mineroduto é vantajoso, se pensarmos no número de caminhões que seriam necessários para fazer o mesmo transporte, as emissões decorrentes, além das interferências territoriais de uma rodovia comparada à do mineroduto.
Vários são os impactos potenciais das atividades minerais nos recursos hídricos, tanto na quantidade quanto na qualidade. Dentre esses, impactos indiretos decorrentes de disposição inadequada de rejeitos podem levar à contaminação do solo e da água em seu entorno.
Há, no entanto, bons exemplos da contribuição do setor para a gestão integrada dos recursos hídricos e os problemas de escassez. A água da mina de Capão Xavier, da Vale (400 m3/h), é utilizada para abastecimento da região metropolitana de Belo Horizonte. O lago criado após a exaustão vai se tornar um reservatório integrado ao sistema de abastecimento da cidade para regular o fluxo durante a estação seca.
Nas operações de zinco em Três Marias, a Votorantim diminuiu, nos últimos quatro anos, a captação de água nova na bacia do são Francisco em 36%. ”Temos que estabelecer de forma crescente ações específicas e integradas entre iniciativa privada e poder público, tendo em mente que água é um bem social”, afirmou Ciminelli.
Também são vários são os impactos das atividades minerais nos recursos hídricos, tanto na quantidade quanto na qualidade. Além disso, há os impactos indiretos decorrentes da disposição dos rejeitos, como contaminação do solo e da água em seu entorno, sedimentação e drenagem ácida.
Há, no entanto, bons exemplos. A água da mina de Capão Xavier, da Vale (400 m3/h), é utilizada para abastecimento da região metropolitana de Belo Horizonte. O lago criado após a exaustão vai se tornar um reservatório integrado ao sistema de abastecimento da cidade para regular o fluxo durante a estação seca.
Nas operações de zinco em Três Marias, a Votorantim diminuiu, nos últimos quatro anos, a captação de água nova na bacia do são Francisco em 36%. ”Temos que estabelecer ações específicas e integradas entre iniciativa privada e poder público, tendo em mente que água é um bem social”, afirmou Ciminelli.
