Durante palestra no Simpósio ’Recursos Hídricos na Região Sudeste: Segurança Hídrica, Riscos, Impactos e Soluções’, promovido pela Academia Brasileira de Ciências e realizado no Instituto de Botânica de São Paulo, nos dias 20 e 21 de novembro, o professor licenciado da Universidade Federal do Rio de Janeiro COPPE/UFRJ, Jerson Kelman, abordou a gestão da água no Brasil.

Referindo-se ao gráfico apresentado pelo professor Tundisi na palestra anterior, que mostrou a ”evolução”da poluição da água no país desde 1850, Kelman afirmou que as questões do século 19 têm consequências ainda hoje. ”O Brasil acumulou problemas. Atualmente, não temos quantidade de água porque nunca tratamos da qualidade.”

Doutorado em hidrologia e recursos hídricos pela Universidade do Estado do Colorado (nos EUA), o engenheiro ressaltou que o foco do problemas do saneamento básico está na forma de atuação do poder público. ”Os subsídios concedidos pelo governo às empresas de saneamento são usados de forma péssima e não chegam até a população”, declarou Kelman.

Em seu ponto de vista, infelizmente o lobby do Brasil é um lobby para inaugurar a obra e encarecê-la o máximo possível. ”É por isso que temos espalhadas pelo país uma grande quantidade de estações de tratamento de esgoto que não funcionam, pois o local, por exemplo, não tem energia elétrica”, argumentou Kelman, sugerindo que ao invés do governo pagar por obras, ele pagasse por resultados – o que é feito em muito países, com resultados muito mais proveitosos.

 

O fator da estacionariedade para a energia elétrica

A questão da água preocupa o especialista em duas dimensões: no âmbito do abastecimento de água e no campo da energia elétrica. Sua expertise abrange ambas, dado que foi presidente tanto da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) como da Agência Nacional de Águas (ANA).

Sob o ponto de vista da energia elétrica, o problema da água é nacional. Todo o país está interligado através de uma rede de alta tensão com mais de 100 mil quilômetros. ”O setor elétrico mapeia a água que aflui em vários locais, através de uma escala de energia afluente interligada ao sistema nacional”, explicou Kelman. Esse procedimento indica a quantidade de água que pode ser em usada para a geração de energia. ”A métrica não sugeriu que 2014 viesse a ser o ano mais seco da história”, relatou.

Ele observou que principal conceito hidrológico utilizado pelo setor elétrico brasileiro é o da estacionariedade. Esse conceito utiliza propriedades estatísticas com base em fatos passados que servem de padrão para acontecimentos futuros. Kelman relatou que ”o setor elétrico trabalha pensando em 50 anos”. E por isso, a estacionariedade é um conceito que traz uma aproximação razoável do que pode vir a acontecer. Mas, apesar da conformidade do conceito, existe um e distanciamento entre a realidade e o que o modelo vê. Por isso, segundo o palestrante, é necessário fazer simulações constantes, para que se tenha mais precisão em cada caso.

Crise hídrica em São Paulo

O ano de 2014 teve baixa afluência de água. E a seca, principalmente no estado de São Paulo, revelou algumas falhas do setor público. No entanto, Kelman afirmou que o governo não se preparou para a crise porque não havia indicativo nenhum de ela acontecesse. ”Um administrador público que no passado tivesse feito grandes gastos pensando na possibilidade de enfrentar uma seca tão severa no futuro, sem nenhuma previsão de que isso pudesse ocorrer, poderia ser acusado de fazer mau uso do recurso público. Afinal, ele poderia estar gastando com saúde, com educação… Se olhássemos para o Sistema Cantareira em outubro de 2013, encontraríamos o estoque de água absolutamente normal.”

Qualidade x quantidade

Para Kelman, embora a quantidade de água no Rio de Janeiro seja, em princípio, suficiente para o abastecimento da região, a partir de um determinado ponto de seu trajeto ela é contaminada por todo o esgoto da Baixada Fluminense. ”A água captada para a região metropolitana do Rio de Janeiro do rio Guandu se mistura com rios da Baixada Fluminense que estão totalmente poluídos. Cria-se então um problema de qualidade de água: é necessária uma enorme quantidade de água para diluir essa carga poluente e tornar a água tratável. Infelizmente, esse exemplo é apenas mais um dos diversos problemas que o Brasil tem em relação à gestão da água”, declarou.