Doutorado em ciências meteorológicas pela Universidade de Buenos Aires (UBA), Marcelo Seluchi é atualmente coordenador geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Palestrante do Simpósio sobre Recursos Hídricos no Sudeste, promovido pela Academia Brasileira de CIências (ABC) em São Paulo, ele explicou que a meteorologia tem muita dificuldade de prever anomalias em longo prazo – 3 a 6 meses de antecedência -, especialmente em lugares que não têm muita influência de El Niño ou fenômenos similares.

 

Seca no sudeste do Brasil: causas e prognósticos

Seluchi explicou que a previsão sazonal na região Sudeste é muito mais difícil do que, por exemplo, nas regiões Norte, Nordeste e Sul. ” A qualidade da estação chuvosa no Sudeste depende da atuação de uma banda de nebulosidade semiestacionária – a Zona de Convergência do Atlântico Sul – cujo posicionamento, intensidade e persistência só consegue ser prevista com uma semana ou dez dias de antecedência, no máximo. Em dezembro de 2013, nenhuma previsão indicava a seca no Sudeste.” A estação chuvosa 2013-2014 na Região Sudeste, segundo ele, foi a pior da série histórica disponível, desde 1962, tanto em termos de déficit pluviométrico como de extensão da área afetada.

Analisando os vários aspectos que podem ter contribuído para a seca, o especialista identificou um tipo de sistema chamado de ”bloqueio atmosférico”, mais frequente em latitudes altas e no Oceano Pacífico, que costuma durar até oito dias. que no caso do último verão atingiu uma intensidade e persistência inusitada. ”Esse bloqueio poderia estar relacionado a processos de teleconexões, associados ao desenvolvimento de fontes anômalas de calor sobre o Oceano Pacífico ocidental”, destacou Seluchi. ”Em janeiro de 2014 estava chovendo mais do que o normal sobre aquela região e isso se tornou uma fonte anômala de calor. Enfim, vários fatores contribuíram para chegar à situação que causou a seca.”

Já no contexto da crise hídrica, o pesquisador relatou que o Cemaden instalou 30 pluviômetros na Cantareira, no final de abril, para monitorar os acontecimentos. Isso permitiu a utilização e calibragem de modelos hidrológicos para o Sistema Cantareira. ”Esses modelos indicaram que é preciso que chova 25% acima da média até setembro de 2015 para termos uma vazão próxima da média histórica”, alertou Adriana Cuartas, também pesquisadora do Cemaden e parceira de Seluchi na apresentação.

Segundo os cientistas, não há ainda condição de saber como será o próximo verão. A maior concentração de chuvas para as próximas semanas está prevista mais para Minas do que para São Paulo, ao norte do Sistema Cantareira.

 

Secas extremas e mudanças climáticas

O Acadêmico José Marengo é pesquisador titular no Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Em sua palestra,ele reafirmou que o clima do planeta e de todas as regiões está mudando. ”Vamos considerar apenas alguns exemplos do que aconteceu no Brasil do final de 2013 até agora: seca no semiárido do Nordeste; enchentes no Espírito Santo e, em 2013, escassez de chuvas e água no Sudeste; enchentes em Rondônia, Acre e Amazonas em 2014”, listou Marengo. Ou seja: as chuvas estão ficando mais irregulares, com eventos de precipitações muito intensas concentrados em poucos dias e separados por períodos secos muito quentes. ”O calor mais intenso pode aumentar a evaporação e o déficit hídrico”, explicou Marengo.

Na visão do especialista, o Brasil deve se preparar, como todos os países, para eventos climáticos cada vez mais extremos e frequentes. Ele avalia que tudo o que observamos hoje – falta ou excesso de chuva, impactos na agricultura e saúde, perdas econômicas bilionárias – ”pode ser apenas uma amostra bem pequena do que vem por aí. E a degradação ambiental, como o desmatamento, agrava ainda mais o panorama e os impactos. No melhor dos cenários, se não fizermos nada, podemos ver muitas pessoas perdendo seus bens, suas vidas e imensos prejuízos para a economia local, regional e do país.”

Com formação em física, engenharia de recursos hídricos e doutorado em meteorologia pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, Marengo trabalha especificamente com extremos e riscos. Ele apresentou resultados do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), do qual é membro. O documento reafirma a atividade humana como fator dominante de influência no sistema climático, além de um processo natural de mudanças climáticas. ”Nos últimos 35 anos, está comprovado o aumento da temperatura no planeta”, confirmou Marengo.

 

Aquecimento global vai reduzir água potável do planeta

Um dos efeitos pouco divulgados pela elevação da temperatura na superfície terrestre é a possível redução de água nos mananciais globais. ”Os relatórios do IPCC demonstram que a cada 1ºC de aumento da temperatura mundial pode haver uma queda de 20% no suprimento de água potável para 7% da população mundial, cerca de 490 milhões de pessoas. Em regiões áridas e semiáridas tropicais – como o nordeste brasileiro – esta porcentagem de habitantes sem água poderia subir para alarmantes 90%”, apontou Marengo, que foi coordenador científico da previsão climática do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/Inpe).

Além do aquecimento global, o descaso das grandes cidades com a qualidade da água de seus rios também é responsável pela escassez em muitos lugares. Um dos exemplos citados foi o da capital paulista. Outro fator que agrava a falta de água disponível nas cidades é a poluição das bacias hídricas. A explicação é que, como a contaminação fica mais concentrada nos rios, a sujeira é arrastada para fontes potáveis quando ocorrem chuvas intensas.

O documento do IPCC, segundo Marengo, afirma que há fortes evidências de uma redução da oferta de água potável em territórios subtropicais secos, o que aumentaria disputas pelo uso de bacias hidrográficas – algo semelhante ao que acontece atualmente entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, com a disputa pelo uso da água do rio Paraíba do Sul para abastecer o Sistema Cantareira.

Uma das recomendações feitas pelo cientista do IPCC é substituir o uso de reservatórios para abastecimento pela construção de aquíferos. Estudos apontam que, com temperaturas mais quentes, as perdas com evaporação em reservatórios podem chegar a índices de 30% a 40%.

 

Mudanças de clima e hidroenergia

A produção de energia a partir de fontes renováveis, como a hidrelétrica e energia eólica, é muito dependente das condições do clima e, portanto, pode ser afetada no futuro pelas mudanças climáticas. Marengo diz que as pesquisas sugerem uma vulnerabilidade crescente da energia nas regiões mais pobres do Brasil. Já os sistemas de energia hidrelétrica no sul do Brasil – mais significativamente no Paraná – pode enfrentar um ligeiro aumento na produção de energia, ao contrário do resto do país.

”Uma seca como a que assola a Grande São Paulo – além do nordeste do Brasil, da Austrália e da Califórnia – e esvazia seus reservatórios é precisamente o tipo de fenômeno climático extremo previsto entre os impactos do aquecimento global”, observou o Acadêmico.