Coordenador do simpósio ”Recursos hídricos no Sudeste: segurança, soluções, impactos e riscos”, o Acadêmico José Galizia Tundisi abordou o panorama mundial da água e iniciou a palestra dizendo que as três palavras que ele tem ouvido com mais frequência nos fóruns internacionais relacionados à água atualmente são ‘acessibilidade’, ‘vulnerabilidade’ e ‘segurança hídrica’ – seja na China, na Coreia, na Polônia ou na França -, o que indica a preocupação global com esses problemas. Ele é é bacharel em história natural pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em oceanografia pela Universidade de Southampton (Reino Unido) e doutor em botânica pela USP. Atualmente é professor titular aposentado da USP, professor titular da Universidade Feevale e atua na pós-graduação da Universidade Federal de São Carlos (UFSC). É presidente da Associação Instituto Internacional de Ecologia e Gerenciamento Ambiental (IIEGA) e pesquisador do Instituto Internacional de Ecologia (IIE). É membro titular da Academia Brasileira de Ciências e do Instituto de Excelência em Ecologia (Alemanha).

Acessibilidade, vulnerabilidade e segurança hídrica

A questão em evidência no momento – a seca no Sudeste do Brasil – é um componente do processo da crise hídrica mundial que caracteriza a vulnerabilidade das populações. ”A tendência é de mais fenômenos extremos, com longos períodos de seca alternados com fases de altas precipitações” O ano de 2014 caracterizou bem isso no Brasil: o Nordeste teve sua pior seca em 50 anos, enquanto que o fluxo das cataratas do Iguaçu aumentou de 1, 5 milhão para 46 milhões de litros por segundo. ”O que tem preocupado os especialistas é o desequilíbrio do cenário”, explicou Tundisi.

Os dados indicam que o nosso conceito de ”progresso” envolve um processo de urbanização, de crescimento populacional e de industrialização que gera o uso excessivo de água, a exploração excessiva da terra e o aumento de emissões de gases estufa. A situação atual é grave, de uso insustentável de água. De acordo com Tundisi, vem ocorrendo um aumento dos usos competitivos dos recursos hídricos em todas as escalas, acompanhada de degradação da qualidade da água. Isso vem causando um significativo aumento da vulnerabilidade das populações humanas, especialmente nas zonas periféricas das grandes metrópoles.

Tratando da segurança hídrica, o especialista apresentou a definição oficial da Unesco (2012): ”Segurança hídrica é a capacidade de uma população garantir o acesso a quantidades adequadas de água de qualidade aceitável para sustentar a saúde humana, assim como e dos ecossistemas nas bacias hidrográficas e assegurar proteção eficiente de vida e propriedade contra desastres relacionados com a água-enchentes, deslizamentos e secas.”

Tundisi apresentou alguns números globais (Unesco, julho de 2014) referentes à acessibilidade, mostrando que ainda há no mundo 768 milhões de pessoas sem acesso a fontes de água com qualidade e 2,5 bilhões sem saneamento básico adequado. Esse quadro está diretamente ligado ao quadro da saúde pública mundial, com alta frequência de doenças respiratórias, diarreia – quatro bilhões de episódios anuais – e de doenças veiculadas pela água.

Evolução da qualidade da água

Requisitado pela Unesco, Tundisi promoveu uma pesquisa sobre a evolução da qualidade da água desde o século 19. O gráfico abaixo mostra um resumo do processo, que envolve uma sequência que vai aumentando em complexidade, em toxicidade, em impactos econômicos e em impactos na saúde humana. Começando apenas com poluição fecal, ao longo do tempo vão sendo acrescentadas outras formas orgânicas de poluição, contaminação por metais, dejetos radioativos, eutrofização e desenvolvimento de cianobactérias, contaminação por nitratos, resíduos sólidos, invasão de espécies, poluição do ar, contaminação de águas subterrâneas, acidificação, surgimento de patógenos resistentes, contaminação química por produtos farmacêuticos e cosméticos, disruptores endócrinos (substâncias que agem como hormônios e afetam a saúde) e, atualmente, desequilíbrios causados pelas mudanças climáticas.

Acompanhando a tendência global, a qualidade da água no Brasil também vem piorando. O desmatamento das margens dos rios é muito prejudicial, pois a vegetação e as áreas alagadas atuam como filtros naturais. O aumento de dejetos nas águas gera um excesso de nitrogênio e fósforo, resultando num processo de eutrofização, que é a proliferação de uma camada de algas microscópicas que reduz imensamente a oxigenação da água, causando mortandade de peixes e outros animais marinhos. ”Quando a fonte de água tem vegetação em seu entorno, basta colocar cloro na água e distribuir”, explicou Tundisi. No entanto, quando a região da fonte é desmatada e perde sua capacidade de filtragem natural, a água precisa de muitas substâncias químicas para se tornar potável, o que aumenta o custo do tratamento e, certamente, causa impactos negativos na saúde humana. ”Muitas vezes a água é tratada com antibióticos e, com isso, já vemos o surgimento de bactérias resistentes”, alertou Tundisi.

Para reduzir a demanda por água, é necessário o desenvolvimento e implementação de programas de eficiência hídrica. Esse tipo de programa envolve métodos mais eficientes de irrigação, o reuso de água em nível industrial, infraestrutura e tecnologia de distribuição de água mais eficientes e a taxação de sobreuso – ou seja, quem usa mais do que o estabelecido tem que pagar por isso. ”Essas ações são urgentes e requerem abordagem integrada e governança integrada”, apontou o especialista.

Visão otimista

Mesmo diante desse quadro, Tundisi é otimista. Ele afirma que a eficiência no uso dos recursos hídricos está avançando no país. ”Novas tecnologias estão sendo desenvolvidas como, por exemplo, o caso da dessalinização.” Ele destacou ainda o aumento da capacidade de monitoramento avançado, com imagens de satélites em tempo real, assim como avanços na modelagem das alterações climáticas e uma melhor capacidade de previsão. ”Estamos também conseguindo que haja um melhor entendimento das interações entre clima, hidrologia e respostas dos ecossistemas aquáticos com relação a contaminação e outros tipos de impacto”, acrescentou o Acadêmico.

Além disso, Tundisi apontou uma cooperação internacional mais eficiente e ampliada, especialmente através da European Framework Directive (WFD), destacando a importância da abordagem transdisciplinar. ”Há também uma percepção mais aguda da população sobre os problemas da escassez de água. Agora, os governos têm que promover campanhas de conscientização e de reeducação, trabalhando junto com a sociedade nas medidas de economia. É preciso que a questão seja apresentada e debatida de forma clara e transparente, em vez de ser evitada e negada pelos gestores.