Não importa onde esteja, o ecólogo Paulo Moutinho trabalha o tempo todo. Cada tarefa vem embalada por uma trilha sonora. Quando adianta seus afazeres no avião, ouve rock pesado – a banda australiana AC/DC é sua favorita. Garante que a batida pesada ativa sua criatividade. No escritório, troca a bateção de cabeça por um disco de blues. O americano Stevie Vaughan o deixa mais concentrado. Se leva um projeto em casa, prefere a calma companhia de Milton Nascimento.

O químico e guitarrista Pierre Esteves percebe uma batida em comum na obra do maestro Villa Lobos e no rock da banda Deep Purple. Foto: Ana Branco/ O Globo

 

Os hábitos de Moutinho são compartilhados mundo afora e colhem bons resultados. Uma pesquisa divulgada no mês passado pela consultoria britânica MindLab International mostra que 88% das pessoas rendem mais no trabalho quando ouvem música e 81% cumprem mais rápido suas atividades.

Cada participante poderia citar três composições, de qualquer estilo, que ouve durante o trabalho. Pouco mais de metade (31) mencionou música clássica. Compositor e professor da Universidade Federal da Bahia, Paulo Costa Lima avalia que a popularidade do gênero é natural.

– A música clássica é considerada uma obra absoluta. O fato de ser instrumental dá sensação de liberdade, porque a falta de um discurso verbal ajuda na concentração – explica Costa Lima, que também é membro da Academia Brasileira de Música.

Mozart, Beethoven e Vivaldi colecionam adeptos, mas o queridinho dos laboratórios é o alemão Johann Sebastian Bach, lembrado por 12 cientistas.

– Bach traz de três a quatro melodias simultâneas. Isso permite uma espécie de imersão. É como se fosse uma conversa entre as vozes – compara. – Seria confuso, se não houvesse uma operação tão perfeita para encaixar a melodia. Parece uma fórmula matemática.

 

Exaltasamba no ‘playlist’

Professor do Departamento de Matemática da Universidade de Brasília, Diego Marques Ferreira concorda com a comparação. No entanto, o conforto de Bach divide espaço com ”Monte Castelo”, da Legião Urbana, e ”Livre para voar”, do Exaltasamba. Volta e meia ambas aparecem juntas – cada qual em um ouvido.

– Quando escuto duas músicas ao mesmo tempo, tento dificultar a vida do meu cérebro, já que ele tende a acompanhá-las e pensar o que virá depois – conta. – Isso me deixa mais lento. Mas depois eu retiro uma das músicas, e parece que minha concentração atinge um limite máximo. Imagine um jogador de futebol que é segurado por um elástico. Quando o obstáculo é retirado, o atleta parece mais veloz.

Pierre Mothé Esteves, professor do Instituto de Química da UFRJ, acredita que uma composição como ”Trenzinho caipira”, do maestro Heitor Villa-Lobos, e o rock inglês do Deep Purple viajam na mesma sintonia.

– O ”Trenzinho” tem um batidão de fundo do violoncelo, o equivalente ao motor da locomotiva, que parece até uma base de heavy metal – avalia o cientista Esteves, que foi guitarrista de uma banda de rock nos anos 80. – Deep Purple é pura potência. Tem horas em que (o trabalho científico) tem que ir na raça mesmo.

O mesmo tom furioso balança a pesquisa de André Báfica, professor do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da UFSC:

– Gosto de ”Another brick in the wall”, do Pink Floyd. Quando dizem, ”Hey! Teacher! Leave us kids alone”, isso estimula minha rebeldia. Gosto de escutá-la quando imagino interações entre bactérias e células do sistema imunológico.

Adriano Andricopulo, presidente da Sociedade Brasileira de Química e professor da USP, tem dificuldades em selecionar o que passa por seus fones:

– É como disse o grande filósofo Friedrich Nietzsche: ”sem música, a vida seria um erro”. Acredito que ela possa melhorar a atenção, percepção e criatividade. É uma fonte de inspiração, que talvez não tenha ainda uma plena explicação científica.

Um emergente campo de pesquisa tenta tirar a dúvida de Andricopulo. A neuromusicologia pretende estudar como som e música são recebidos no cérebro. Segundo Costa Lima, o objetivo é identificar os locais do cérebro responsáveis pelo experimento da música. Já se sabe que ela não conta com um centro de processamento isolado.

– Mesmo com todo o avanço científico, a música continua sendo um mistério – ressalta o compositor.

 

Liberação de endorfinas

Segundo Kátia Osternack, presidente da Associação Brasileira de Neuropsicologia, a música contribui para a produção das endorfinas, neurotransmissores que dão a sensação de bem estar.

– A música tem efeitos diferentes conforme a pessoa, mas os movimentos lentos nos acompanham desde o início – revela. – O bebê, dentro da placenta, ouve o som rítmico do útero. O mesmo vale, por exemplo, quando acompanhamos uma corrente de água.

No escritório de Luciano Paulino Silva, pesquisador da Embrapa Biotecnologia, a natureza fala mais alto.

– São os sons de chuva caindo em um rio, o canto de pássaros nas florestas e os golfinhos – lembra. – Todos me dão sensação agradáveis, que permitem uma reflexão profunda.