Durante o 2º Encontro de Membros Afiliados da ABC – Região Norte foram promovidas apresentações dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) da região. Após as apresentações, foi realizada uma mesa-redonda intitulada ”A importância dos INCTs para a pesquisa na Amazônia”, com expressivos representantes locais.


Horacio Schneider, Mario Ribeiro, José Oswaldo de Siqueira,
Marcelo Cohen e Maria Olivia Albuquerque

A mesa foi coordenada pelo vice-reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), e Acadêmico Horacio Schneider, e contou com a participação da diretora-presidente da Fundação de Amparo à pesquisa do Amazonas (Fapeam), Maria Olívia de Albuquerque Ribeiro Simão, do diretor-presidente da Fundação Amazônia Paraense de Amparo à Pesquisa (Fapespa), Mario Ramos Ribeiro, do diretor-científico do Instituto Tecnológico Vale de Desenvolvimento Sustentável (ITVDS) e Acadêmico José Oswaldo de Siqueira, e do membro afiliado da ABC e professor da UFPA Marcelo Cohen.

Para contextualizar a importância dos INCTs para a Pesquisa na Amazônia, Schneider relembrou que desde 2000, ele já atuava no campus de Bragança da UFPA, no nordeste do estado, onde havia fundado o Núcleo de Estudos Costeiros. Em 2002, foi aprovado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia o programa dos Institutos do Milênio, destinados a promover a formação de redes de pesquisa em todo território nacional. Com o desenvolvimento de vários projetos de pesquisa, entre eles o vinculado ao Instituto do Milênio, houve um fortalecimento local e a criação do Instituto de Estudos Costeiros (IECOS), que hoje conta com cursos de graduação e pós-graduação em biologia ambiental, engenharia de pesca e ciências biológicas. ”O programa Institutos do Milênio foi um catalisador para a região na formação de grupos de competência. Por isso, acredito que os Institutos do Milênio e os INCTs são importantes nesse processo de alavancagem. Eles têm o papel de impulsionar o desenvolvimento científico, tecnológico e a inovação na região”, ressaltou Schneider.

Concordando com Schneider, Mário Ramos Ribeiro – que é doutorado em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) – foi além, propondo a ”perenização” dos INCTs, dado que os Institutos são estabelecidos como programas de cinco anos. Para Ribeiro, ”a ideia não pode ser que se crie um instituto e depois de cinco anos pare tudo, zere e todo mundo tenha que concorrer a um novo Edital.” Em sua opinião, isso cria uma instabilidade que não é desejável para o pesquisador e que não é normal para um instituto. ”Programas podem ser transitórios ou não, mas os institutos devem se fortalecer e permanecer. Os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia devem ter uma personalidade jurídica própria.”

Ribeiro destacou a questão financeira. ”Não é justo que um estado como o Pará, mais pobre e com a população espalhada, receba o mesmo que São Paulo”. Ele avalia que são necessárias parcerias que tragam recursos de fora. ”O Instituto Amazônia Paraense tem 60% de retorno internacional, o que é um número muito bom na área de pesquisa. Podemos fazer isso através do Plano Nacional de Ciência e Tecnologia para a Amazônia.”

”Ïnfelizmente, os INCTs devem se submeter aos Editais. Nós temos problemas próprios, como o isolamento amazônico. Precisamos sair do autorreferenciamento, estarmos abertos para os países desenvolvidos, que podem ajudar a minimizar a questão dos recursos financeiros.” Ribeiro elogiou a iniciativa da ABC de reunir gestores da região para debater temas de interesse comum.

Maria Olívia de Albuquerque Ribeiro Simão ressaltou que, de fato, os INCTs não foram pensados como uma política científica especial para a região amazônica. Em seu ponto de vista, para se manter um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de forma duradoura é preciso alcançar um nível de excelência e, para tanto, é necessária a excelência na formação de recursos humanos. ”Temos recebido atenção diferenciada do governo federal desde o ano 2000, quando aumentou o número de universidades na região, dentro de uma política federal de melhoria da qualificação de recursos humanos. Na região, o Amazonas foi o primeiro estado a ter sua Fundação de Amparo à Pesquisa. É óbvio que essa é uma região estratégica, que precisa ser estudada. E também é claro que precisamos de recursos humanos qualificados para tal.” Olivia é doutora em Biologia de Água Doce e Pesca Interior pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

Para Maria Olivia, o fato da região Norte passar a ter Secretarias de Ciência e Tecnologia e Fundações de Amparo à Pesquisa fez muita diferença. ”Desde então passamos a ter realmente uma interlocução entre nós, dos estados, e com o governo federal. Passamos a conversar sobre políticas específicas que precisam sair do papel e se tornarem realidade, com os investimentos necessários.” Olivia reforçou o fato de que a institucionalização da CT&I na Amazônia ampliou o diálogo e a promoção de ações com convergência de interesses, o que considera fundamental. ”Passamos a não apenas atender às políticas do governo federal para a região, mas também a propor ações para os programas federais.”

Maria Olivia observa que a proposta para os INCTs é a atuação em rede, mas avalia que essa é uma questão de prática cultural. ”Existe um ‘timing’ para que essa atuação em rede possa acontecer. Hoje, na região amazônica, temos dez INCTs num universo total de 122. Todos os dez trabalham com temáticas ligadas à região, como a questão da conservação, da sustentabilidade. Precisamos trabalhar com o modelo de rede de modo a obter melhor formação de recursos humanos e a fixação deles na região.”

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Geologia e Geoquímica da UFPA, o Acadêmico Marcelo Cohen coordena também um projeto de pesquisa vinculado ao INCT Ambientes Marinhos Tropicais. ”Eu coordeno um grupo que estuda os impactos das mudanças climáticas nos manguezais. Ao todo, são doze grupos de trabalho com temáticas diferentes. Nosso objetivo foi estudar os manguezais da região Norte, mas também os que se encontram na Bahia, Espírito Santo e Rio Grande do Norte.”

Cohen relatou as dificuldades financeiras que o grupo vem enfrentando, por conta de apenas 18% do orçamento terem sido aprovados. ”Discutimos três opções: devolver o dinheiro, democratizar os recursos, dividindo-os entre os 20 pesquisadores, ou unir os recursos para comprar um equipamento de grande porte. Escolhemos a terceira”, relata o geólogo. Apesar da crise financeira e dos cortes, além da burocracia devida à centralização dos recursos, Cohen reconhece como característica positiva dos INCTs a interação com outros grupos. ”Cria-se uma rede com pesquisadores de outras instituições. E estão surgindo outros grupos a partir desse INCT, por exemplo, mas com recursos de fora.”

Anfitrião do encontro, o Acadêmico José Oswaldo de Siqueira afirma que, embora continue ouvindo as mesmas reclamações de 30 anos atrás, ao olhar os indicadores de evolução de ciência e tecnologia da região Norte se constata que eles são melhores do que os de outras regiões do Brasil. ”Eu digo isso com conhecimento de causa, pois em 2000 era representante da Capes e viajei por toda a região Norte, induzindo novos programas e assessorando diversos programas que não iam bem. A maior parte dos programas das áreas de ciências agrárias e ecologia estavam mal, mas hoje estão bem. A qualidade melhorou significativamente.”

Siqueira chamou atenção para um ponto fundamental: o conceito de desenvolvimento sustentável. ”Tem que haver consenso entre o que as autoridades e o que os cientistas chamam de desenvolvimento sustentável.” Ele afirma que há uma mistura de conceitos. ”Várias organizações e instituições, que almejavam desenvolver comercialmente o potencial da biodiversidade da região de forma sustentável, não foram para a frente, pois não eram modelos consolidados.” O cientista destacou que não basta se criar uma grande estrutura e convocar n cientistas, se não houver uma política adequada para fazer aquilo acontecer. ”E isso não acontece apenas na região Norte, mas em todo o país. Enquanto a sociedade brasileira, enquanto os habitantes da região Norte não entrarem em consenso e decidirem por um modelo de desenvolvimento sustentável, os cientistas vão poder contribuir muito pouco. É preciso saber o que se quer para chegar a um fim.”

A importância dos INCTs para a região Norte, na visão de Siqueira, está clara. Mas ele diz que, quando se pensou em INCTs, pensou-se em algo mais do que o que já era feito nas universidades, nos departamentos, nos grupos de pesquisas e instituições. ”A concepção original é de que seriam centros de excelência diferenciados, que desenvolvessem uma ciência de alta qualidade, mas diferenciada, que pudesse ter mais impacto na sociedade – seja nas tribos de índios, seja na indústria moderna. É preciso avaliar os impactos – porque há impactos – mas é necessário explorá-los.”

Exemplificando, Siqueira afirmou que não conhecemos 10% da biodiversidade amazônica. ”No ritmo em que estamos indo, em termos de competência e de atividade, levaríamos 300 anos para ter um conhecimento razoável dessa biodiversidade. Vai ser tarde demais para definir estratégias de conservação e de exploração sustentável para todo esse potencial.”

Sobre a questão dos recursos financeiros, Siqueira diz que falta representatividade política da região. ”A única maneira de obter recursos é pressionando os representantes políticos da região Norte. Somente essas autoridades podem contribuir de maneira mais decisiva, através de emendas parlamentares. Talvez seja esse o caminho.”