Não há nada de novo em dizer que a poluição do ar causa danos à saúde dos animais expostos a ela, sejam eles racionais ou não. Ainda assim, existem países que, como o Brasil, contam com sistemas de transporte baseados na utilização de automóveis. Possuir um carro, aliás, é motivo de status para muitos brasileiros. Ignorando a quantidade de gases poluentes emitida por eles, a sociedade aproveita os incentivos governamentais à compra de veículos e, cada vez mais, sobrecarrega o trânsito das grandes cidades. Inconscientemente, todos contribuem para efeitos prejudiciais à sua própria saúde. Para tentar explicar o risco provocado por esse costume, a bióloga Mariana Veras, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), construiu um modelo animal capaz de evidenciar algumas de suas graves consequências.

O estudo teve início com a divisão de uma linhagem saudável de camundongos em duas câmaras diferentes: uma recebendo ar filtrado e, portanto, limpo, e outra em contato direto com o ar do centro de São Paulo, onde se localiza o jardim da USP. Após acompanhar o desenvolvimento desses animais durante três gerações, algumas coisas despertaram a atenção de Mariana, dentre elas as mudanças reprodutivas dos camundongos adultos, incluindo prejuízo aos fetos cujas mães estiveram em contato com o ar poluído. A fim de apresentar as conclusões de seus estudos, Mariana esteve presente, entre os dias 17 e 19 de março deste ano, no evento “Brazil-U.S. Frontiers of Science and Engineering”. Ela é graduada em biologia, com mestrado em anatomia dos animais domésticos e silvestres pela USP, com especialização em histologia pela Unifesp e em biologia do desenvolvimento, pela USP, onde cursou, ainda, o doutorado em fisiopatologia experimental. Atualmente, Mariana é pesquisadora do Hospital das Clínicas da USP.

Participante da primeira sessão de pôsteres do encontro, ela levou uma peça (mostrada na foto abaixo) que resumia cada uma das etapas de seu trabalho.

Mariana é doutora em fisiopatologia experimental pela USP

Em função da dificuldade de realizar estudos em humanos, por questões éticas e outras, o grupo de Mariana Veras optou pelos camundongos. Apesar das diferenças fisiológicas entre ambos, ela diz acreditar que o uso consciente dos animais ainda é imprescindível nesse tipo de atividade. “Seria maravilhoso poder fazer tudo in vitro [expressão latina que designa os processos biológicos conduzidos fora dos sistemas vivos, no ambiente controlado de laboratório], mas infelizmente ainda não é possível”, comenta. Os roedores costumam ser escolhidos por sua fácil manutenção e baixo custo. Já existem no mercado, inclusive, inúmeros anticorpos e testes disponíveis para o acompanhamento cuidadoso desses animais. “Minhas camundongas fazem até exame pré-natal”, brinca a pesquisadora.

Humanos, no entanto, contam com mais variáveis do que a simples poluição atmosférica. O uso de medicamentos, a interferência de fatores emocionais e deficiências alimentares foram apenas algumas dessas variáveis citadas por Mariana. “Nesse caso, o efeito da poluição pode ser muito sutil e de difícil detecção”, explica. Por exemplo: na primeira geração de camundongos, observou-se, além de decréscimo nas taxas de fertilidade, uma pequena perda na implantação dos embriões. Em contrapartida, a partir da segunda geração, o ciclo estral das fêmeas – mecanismo correspondente ao ciclo menstrual das mulheres – começa a sofrer alterações e o número de folículos no ovário diminui, causando uma perda de fertilidade expressivamente maior. Isso não significa que elas fiquem estéreis, apenas demoram mais tempo para engravidar. “Por ser uma espécie extremamente fértil, essa diminuição é quase irrelevante. Mas, se pensarmos que o ser humano é bem menos fértil, o impacto da poluição pode ser bem mais grave”, compara.

No caso do acompanhamento de casais de camundongos em que ambos foram expostos à poluição, a queda de fertilidade foi de aproximadamente 45%, desvio esse que também provém dos machos, cujas alterações apareceram na quantidade de espermatozoides. Ainda nesta geração, os bebês nasceram com o peso um pouco reduzido. Analisando a placenta, os pesquisadores do grupo de Mariana encontraram alterações funcionais que ficariam ainda mais significativas na terceira mostra de animais analisados. No caso desses fetos, já bem menores do que o normal, foi identificado um desenvolvimento não pleno de alguns órgãos. Os pulmões dos fetos apresentavam um número menor de alvéolos e seus rins tinham menos glomérulos, além de uma considerável diminuição dos compartimentos cerebrais. Segundo Mariana, ainda não se sabe quais as consequências disso para a memória e o aprendizado dos camundongos afetados. “Em humanos, no entanto, há estudos que sugerem uma relação com o autismo e outras doenças sérias. E esse é o próximo passo de nossa investigação”, explica.

Como haviam previsto os cientistas envolvidos no projeto, o período de exposição gestacional pode ter consequências duradouras na vida adulta do camundongo. Mesmo que tenha se provado eficaz, Mariana Veras alerta que seu o modelo animal só começa a ser interessante e compatível com a realidade humana a partir da terceira geração. Antes disso, ela explica que os efeitos são muito sutis. Seu objetivo, entretanto, continua firme: “Eu quero alertar as pessoas sobre os riscos da poluição para a saúde.”