Dra. Sonia Machado de Campos Dietrich, pesquisadora do Núcleode Pesquisa em Fisiologia e Bioquímica (antiga Seção de Fisiologia e Bioquímica de Plantas) do Instituto de Botânica, faleceudurante a madrugada de sexta-feira, 10 de agosto de 2012, enquanto dormia em suaresidência, no Brooklin Paulista, São Paulo, aos 77 anos.

Graduada em História Natural pela Universidade de São Paulo em 1957, fez vários cursos de especialização. Destaco os que a Dra. Sonia costumava mencionar nos seus dados biográficos como mais relevantes. No ano de 1963, realizou especialização em Química Biológica, realizado na Universidade de Buenos Aires (UBA), na Argentina, onde desenvolveu pesquisa sobre a purificação da celulase de caracol sob a orientação do Dr. Israel Algranati. Outro curso de especialização importante na sua formação foi em Bioquímica, realizado na University of Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos (1964-1966), com bolsa da Organização dos Estados Americanos (OEA). Neste estágio, a jovem Sonia estudou o efeito de substratos exógenos sobre a respiração endógena de bactérias sob a orientação do Dr. Robert Burris. Fez seu doutorado em Bioquímica desenvolvendo pesquisa sobre a biossíntese de alcaloides de Conium maculatum, orientada pelo professor Robert O. Martin, Universidade de Saskatchewan, Canadá (1969).

Durante sua trajetória, publicou mais de 102 artigos em periódicos com corpo editorial; editou sete capítulos de livros e proferiu conferências e seminários sobre suas pesquisas em todo o Brasil e outros países. Bolsista de produtividade acadêmica nível 1A (1986 até 2007), desde 2007 passou à categoria de bolsista Sênior do CNPq. Na tarde de quinta-feira (09/08), no Núcleo de Pesquisa em Fisiologia e Bioquímica onde trabalhava, estava radiante e entusiasmada por publicar um artigo que havia finalizado com uma doutoranda, além dos planos de pesquisa para seu grupo no Instituto de Botânica.

Participou de inúmeras comissões e coordenadorias em instituições nacionais e internacionais. Aqui, destaco sua atuação na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), onde foi secretária-geral e membro do Conselho Consultivo, com atuação destacada. Foi também assessora da Comissão Nacional de Biodiversidade.

Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências, recebeu vários prêmios e títulos, destaque para os Prêmios Schering – concedidos pela Sociedade Brasileira de Microbiologia por duas vezes, em 1978 e 1983, e ABIFARMA (Associação Brasileira de Indústrias Farmacêuticas), em 1979. Em 1998, foi condecorada como Comendadora da Ordem Nacional do Mérito Científico, concedida pela Presidência da República.

Pesquisadora brilhante, dedicou sua carreira às pesquisas em fisiologia vegetal. Se notabilizou pelas investigações sobre as relações bioquímicas entre fungos e plantas tropicais, foco em fitoalexinas, prospecção de plantas do cerrado com atividade biológica e polissacarídeos de parede celular, de reserva de sementes e órgãos subterrâneos de plantas nativas brasileiras.

Além de ter sido pioneira na bioquímica de plantas no país, sua competência, entusiasmo e espírito de liderança a tornaram reconhecida mundialmente, tendo participado de vários conselhos e comissões internacionais. Destaco sua atuação na National Geographic Society e International Foundation of Science, Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento (TWAS) e na Rede Latino-Americana de Botânica, da qual foi fundadora e coordenadora.

À frente de seu tempo, quando a internacionalização não era destaque nas pautas de ciência e tecnologia do país, Sonia trabalhou intensamente para projetar a botânica brasileira no cenário mundial. Com bom senso e sensibilidade, estimulou muitos estudantes e colegas a saírem do país para realizarem estágios em centros de excelência no exterior, pois reconhecia a importância das colaborações internacionais para a consolidação das pesquisas de vanguarda. Tinha muita clareza da necessidade de periódicos científicos nacionais de qualidade internacional para atrair publicações de trabalhos na área e com isso tornar a pesquisa em botânica do Brasil reconhecida no mundo inteiro.

Atuou continuamente na criação da Revista Brasileira de Botânica e da Sociedade Botânica de São Paulo (SBSP), sendo responsável pelo fortalecimento desse importante periódico na área de Botânica. Em 2010, ciente da possibilidade de extinção da SBSP e, portanto, do periódico da sociedade parar de ser editado, envolveu-se plenamente na luta para a manutenção de ambas, vindo a ser escolhida como presidente da SBSP e editora-chefe da revista a partir de julho de 2011. Assumindo o compromisso de regularizar a documentação da Sociedade, de organizar eventos de vanguarda para a comunidade científica brasileira e de internacionalização definitiva do periódico, reestruturou completamente a SBSP e as edições da revista. Em 2012, conseguiu realizar seu sonho e editou o primeiro fascículo em inglês da Brazilian Journal of Botany, bem como assinou contrato com uma editora internacional para sua publicação a partir de 2013. No dia anterior ao seu falecimento, estava extremamente feliz pois acabava de receber do cartório toda a documentação da SBSP regularizada e a confirmação do contrato de edição com a Springer.

A formação de recursos humanos em todos os níveis sempre foi uma enorme preocupação da pesquisadora Sonia Dietrich. Sabia que a excelência na área só se daria com multiplicação de cursos de pós-graduação de qualidade nas diversas áreas da botânica. Não lhe era confortável ver que a instituição onde trabalhava não tinha um curso de pós-graduação consolidado. Assim, atuou de forma brilhante e decisiva na criação e evolução do curso de pós-graduação do Instituto de Botânica, da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, sendo a pró-reitora deste curso por dois triênios consecutivos (2003 a 2007) e coordenadora geral do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Vegetal e Meio Ambiente. Graças ao competente trabalho realizado, em curto tempo, as categorias mestrado e doutorado deste programa foram elevadas ao nível 5 da Capes, contribuindo para a ampliação do aporte de recursos financeiros e bolsas em área científica de fronteira para a botânica, contribuindo de forma marcante para a sua internacionalização. Sonia partiu feliz. Seu trabalho não foi em vão. Durante este período foram titulados cerca de 120 discentes, sendo publicadas centenas de artigos científicos resultantes das dissertações e teses desses alunos.

Meu primeiro contato com a pesquisadora Sonia foi durante os seminários de grupo do IQ-USP, organizados pelo meu orientador, o professor Otto Gottlieb, visando estabelecer as bases da quimiotaxonomia com fins filogenéticos. Suas pesquisas com fitoalexinas de Rubiaceae nos aproximou ainda mais. Publicamos, em 1996, um artigo muito interessante – Chemosistematic Markers of Rubiaceae – publicado no Opera Botanica Belgica. Desde então, além da admiração pela cientista, uma grande amizade se estabeleceu entre nós. Teve uma atuação decisiva na participação de pesquisadores da química de produtos naturais, Programa Biota-FAPESP, criado em 1999.

O legado científico inestimável que deixou será sempre lembrado por todos aqueles que tiveram a felicidade de conhecê-la.

Vanderlan da Silva Bolzani, professora titular do IQ-UNESP e diretora da Agência de Inovação UNESP.