A política de cotas para ingresso nas universidades e escolas técnicas federais foi aprovada pelo Plenário do Senado na noite desta terça-feira (7). O Projeto de Lei da Câmara (PLC) 180/2008, que assegura metade das vagas por curso e turno dessas instituições a estudantes que tenham feito o ensino médio em escolas da rede pública, foi aprovado em votação simbólica e agora segue para sanção presidencial.
Pelo projeto, pelo menos 50% das vagas devem ser reservadas para quem tenha feito o ensino médio integralmente em escola pública. Além disso, para tornar obrigatórios e uniformizar modelos de políticas de cotas já aplicados na maioria das universidades federais, o projeto também estabelece critérios complementares de renda familiar e étnico-raciais.
Dentro da cota mínima de 50%, haverá a distribuição entre negros, pardos e indígenas, proporcional à composição da população em cada estado, tendo como base as estatísticas mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As universidades terão quatro anos, após a publicação da lei, para implementar o novo sistema.
O tema tramitava havia 13 anos no Congresso, mas, por ser polêmico, só foi aprovado depois que o governo mobilizou aliados. A expectativa era que fosse votado hoje, mas o governo aproveitou o plenário cheio ontem à noite para concluir a tramitação.
O projeto prevê que as cotas irão vigorar por dez anos a contar de sua publicação Depois disso, haverá revisão do tema com o objetivo de verificar se o modelo deu certo. “É um período de transição para garantir a igualdade na seleção”, disse a senadora Ana Rita (PT-ES), uma das relatoras do texto.
Veto – Um trecho aprovado ontem deve ser vetado pela presidente Dilma Rousseff. Ele estabelece que o ingresso por meio de cotas deve ocorrer pela média das notas do aluno no ensino médio, sem vestibular ou sistema similar. Para facilitar a aprovação no Senado, o Palácio do Planalto prometeu vetar essa mudança.
Defesa – O PLC 180/2008 foi defendido pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que informou que, de cada dez alunos do País, apenas um estuda em escola privada. Ou seja, o projeto beneficiaria a ampla maioria dos estudantes brasileiros. A senadora Ana Rita (PT-ES) também saiu em defesa da proposta, garantindo que o projeto faz “justiça social com a maioria da população brasileira”.
Já o senador Pedro Taques (PDT-MT) citou os Estados Unidos como exemplo bem-sucedido da política de cotas nas universidades. Ele disse que o país, que era extremamente racista em um passado próximo, após adotar a política de cotas raciais nas universidades, tem agora um presidente negro. Para o senador, no Brasil é preciso adotar ações afirmativas para assegurar oportunidade a todos.
Único voto contrário – O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) reprovou a iniciativa sob o argumento de que “impõe camisa de força” a todas as universidades federais brasileiras, ao ferir sua autonomia de gestão. Além disso, argumentou o senador, para que o ensino superior seja de qualidade, é preciso adotar um critério de proficiência, ou seja, que os alunos que ingressem na instituição tenham notas altas.
Outra crítica do senador ao projeto é a exigência de que as vagas para cotas raciais, por exemplo, sejam proporcionais ao contingente de negros ou índios existentes no estado onde se localiza a instituição de ensino.
Aloysio Nunes observou que um negro inscrito em uma universidade de Santa Catarina disputaria um número menor de vagas do que outro estudante, também negro, mas inscrito em uma instituição da Bahia. Aloysio Nunes foi o único senador a votar contrariamente ao projeto em Plenário.
Lei fere autonomia universitária, diz diretor da Fapesp
O projeto de lei aprovado que prevê metade das vagas de universidades federais para alunos oriundos da rede pública é visto com reservas por educadores. Para o diretor da Fapesp e ex-reitor da Unicamp, o Acadêmico Carlos Henrique de Brito Cruz, a proposta é ruim porque fere a autonomia. “É uma usurpação da autonomia universitária, porque viola o direito de que cada instituição decida o modelo mais adequado, que tenha mais relação com a sua tradição de avaliar o mérito acadêmico”, argumenta.
Para o professor Ocimar Alavarse, da Faculdade de Educação da USP, o estabelecimento de cotas sociais é importante uma vez que pode facilitar o acesso de estudantes de escolas públicas a cursos mais concorridos. “Basta ver os cursos mais disputados de qualquer universidade pública, para ver como é raríssimo encontrar algum estudante oriundo do sistema público”, diz. Segundo ele, isso perpetua a disparidade social, já que os estudantes do sistema público tendem a ter um nível socioeconômico mais baixo.
Uma boa implementação da política, no entanto, depende de estudos prévios. “É preciso pegar os dados do Sistema de Avaliação Básica (Saeb), para entender as particularidades desses estudantes de escolas públicas. Eles não são todos iguais”, avalia. “Não dá para fazer políticas genéricas.” Quanto às cotas raciais, ele é contrário. “Acho que isso não funciona, porque vai muito da autodefinição e os detalhes e diferenças são todos muito sutis”, explica Alavarse.
Segundo o projeto de lei, nas vagas reservadas a cotas sociais ocorrerá um ajuste racial, feito com base nos porcentuais dos perfis étnicos em cada estado. Por exemplo, a reserva de vagas para negros em Santa Catarina será menor que na Bahia.
Nas universidades estaduais paulistas, a discussão sobre cotas raciais está fora da pauta. Assim que o Supremo Tribunal Federal (STF) votou pela constitucionalidade das cotas raciais, em abril deste ano, USP, Unesp e Unicamp se disseram contrárias à medida. Elas defendem a prevalência do mérito na seleção, embora tenham ações de inclusão – sem, no entanto, reservar vagas.
Atualmente, a USP mantém o Programa de Inclusão Social (Inclusp), que dá bônus no vestibular a estudantes da rede pública. Neste ano, 28% dos novos alunos vieram de escolas públicas.
Mesmo sem reservar vagas, a Unicamp é a única que tem benefício específico para pretos, pardos e indígenas. Eles chegam a receber 7% de bônus na nota, cerca de 2 pontos porcentuais a mais que alunos de escola pública – também beneficiados. No último vestibular, 8,9% dos matriculados na Unicamp vieram do grupo de pretos, pardos e indígenas.
Das três, a Unesp foi a que mais incluiu alunos vindos de escolas públicas: 41%.