“A paixão é inerente a muitos cientistas. E eu nãoescapo disso”, disse o matemático Jacob Palis durante um encontro na Casa do Saber, na Lagoa, no Rio de Janeiro, na noite de 11 de abril. A interlocutora foi a editora de Ciência & Saúde doJornal O Globo, Ana Lúcia Azevedo (na foto abaixo com Palis). A aula aberta, intitulada”As muitas incertezas de um matemático nota 10″, lotou o auditório e foi uma conversa bem-humorada sobre a atuaçãoprofissional do cientista, sua linha de pesquisa e alguns aspectos da ciênciabrasileira. Confira abaixo as questões que foram abordadas.

Sistemas dinâmicos eevolutivos

A área tem sido o foco do trabalho de Palis desde odoutorado realizado na Universidade da California, nos Estados Unidos, soborientação do cientista Stephen Smale, Membro Correspondente da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Segundo ele, desde a época de HenriPoincaré – físico e matemático parisiense nascido no século XIX – a questãodos sistemas dinâmicos despontou. “É, na verdade, um campo com grandeutilidade para a previsão de sistemas que pressupõem uma enorme quantidade dedados”, explica.

De acordo com o presidente da ABC, um sistema dinâmico é um espaçoonde acontecem deslocamentos de informações de forma contínua ou através de saltosde um ponto para o outro. “Na época do doutorado, o meu orientador tentavadefinir o que eles são e o que se podia dizer sobre o comportamentodessas trajetórias ao passar do tempo”, acentua.

O entendimento e a aplicação desses sistemas ficaram maisevidentes com a evolução da tecnologia. Como consequência, o acúmulo de dadossobre modelos de mudanças climáticas, doenças e economia mundial, por exemplo,aumentou consideravelmente. “Nesses sistemas dinâmicos, a tendência é observarque as informações se acumulam em determinados pontos. Matematicamente, essaspartes mais significativas, chamadas de atratores, possibilitam cálculos deprevisões que não estão livres de sofrer incertezas”.

“A curiosidade e aousadia são fundamentais”

Palis diz que cresceu com o hábito de perguntar e questionaros professores, o que, segundo ele, nem sempre era bem recebido. “Muitas vezeseu não sei o que estou fazendo, mas sei perfeitamente aonde quero chegar”, avalia.”Ao entrar no mestrado, eu tomei a iniciativa de enviar uma carta para odepartamento de matemática da Universidade da California para ser aceito, sem conhecer ninguém. Ocientista nunca pode deixar a ousadia de lado”.

Experiência nosEstados Unidos

Por ter realizado a pós-graduação no exterior, em Berkeley, o matemático observou que os alunos de outros países eram muito bem-vindos. Segundo ele, oespírito é dar oportunidade aos bons estudantes, não importando de ondeeles vêm. “Vamos aceitar os estrangeiros! O Instituto de Matemática Pura eAplicada (IMPA) tem mais da metade de seu corpo discente formada apenas pornão-brasileiros. Temos muito a mostrar a eles, bem como aprender e acrescentarà nossa experiência o conhecimento e força de vontade deles”.

Matemática e Ciênciano Brasil

Para Palis, a matemática democratizou-se bastante nosúltimos anos, tendo evoluído em qualidade e quantidade em diversas regiões do Brasil.”Nossas pesquisas ganharam espaço internacionalmente e temos dois pesquisadoresno IMPA que podem vir a conquistar a Medalha Fields”.

Em 2002, o matemático assumiu a coordenação do Instituto doMilênio – Avanço Global e Integrado da Matemática Brasileira, uma iniciativaque surgiu naquele ano com o intuito de fortalecer a área pelo país e no âmbitoda América Latina. “Hoje, a Olimpíada Brasileira de Matemática atinge 20milhões de crianças. O país precisa crescer no quesito educação, mas sem aparticipação de estudiosos e pessoas capazes de estimular e levar isso parafrente fica mais difícil”.

Gestão na Academia

A inovação, de acordo com Palis, tem sido amplamentepromovida dentro do campo acadêmico. No entanto, ele alerta para o fato de queos produtos precisam ser feitos na indústria, senão não hácompetitividade. “Qualquer indústria instalada no país tem que ter espíritoinovador, seja ela nacional ou estrangeira. Precisamos colocar em prática nossacriatividade e não somente pensá-la dentro de um laboratório”.

Palis lembrou que a ABC tem estimulado essa discussãocom os Simpósios Academia-Empresa, que já acontecem anualmente em estados comoRio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Bahia. “A ideia é estender a açãopara todas as regiões brasileiras. Esses encontros mostram excelentes casos deparceria entre empresas e universidades, como é o caso da Petrobras, Embrapa, Vale,Fibria Celulose, entre outras”.

Nova sede

Por último, Palis lembrou que o prédio situado no Centro dacidade do Rio de Janeiro, cedido à Academia pelo Governo do Estado,vai aumentar a circulação de cientistas e, principalmente, da sociedade. “Teremosespaço para exposições e amplos debates enriquecedores. As Academias da Américado Sul têm sedes grandiosas e precisamos de um prédio que esteja à altura danossa Ciência, que está crescendo cada vez mais no Brasil e no exterior”.