Com o desaparecimento de Jayme Tiomno, registra-se o fim de toda uma época, caracterizada pela absoluta e total dedicação aos mais altos valores científicos. O seu período 1968-1969 no que então viria a ser o departamento de física matemática do IFUSP deixa grandes saudades, particularmente os memoráveis seminários de teoria de partículas e campos, de que participavam Tiomno, Swieca e diversos visitantes, como J.H.Lowenstein, B. Schroer e Samuel W. MacDowell.

Nesse período teria sido difícil achar em todo o mundo um grupo de nível comparável nesta área. Tanto nos seminários, como nas aulas, sentia-se a importância que Tiomno atribuia a certos valores, como o conhecimento da fenomenologia, e o seu desprezo pelo “conhecimento enciclopédico” de pessoas que afetavam grandes abstrações mas não eram capazes de resolver os exercícios de certos livros. Lembro-me de seu choque ao perguntar em uma aula a ordem de grandeza de um número corriqueiro, como o valor do campo magnético da Terra, sem receber resposta. A conclusão foi clara: “então os senhores não podem ser físicos teóricos.”

Tiomno não era de “dar tapinhas nas costas”. Lembro-me de episódio em que foi apresentado, na minha presença, pelo então chefe do departamento de física dos materiais a um físico a quem ele se referiu como “gênio da física do estado sólido”, ao que Tiomno retorquiu prontamente: “eu não sou jornalista”. Essa inflexibilidade em relação ao julgamento científico valeu-lhe diversas inimizades. A uma delas, na Universidade de Brasília, acreditava ele ter devido o seu afastamento compulsório das atividades acadêmicas pelo AI-5 em 1969, de que ele tomou conhecimento pelo jornal, em um momento (dia) que presenciei. Mais tarde, teve ele até mesmo dificuldade em obter o reconhecimento de sua tese de doutoramento (Princeton 1950, sob orientação de Eugene P. Wigner) para fins do CBPF, de que ele possuía apenas partes. Esse foi o único momento em que eu, como então chefe do departamento de física matemática, pude prestar-lhe modesta ajuda. Isso se devia à sua atitude “politicamente incorreta”, de “não fazer o jogo”, mas isso era justamente o que eu mais admirava na sua pessoa, e que me permanece até hoje como modelo absoluto.

Falarei aqui pouco do seu magnífico trabalho, que lhe deveu até uma justa indicação (por parte de J. Wheeler) ao prêmio Nobel de 1987: ele está, em parte, exposto em linhas gerais no artigo de J.M.F.Bassalo, e pode ser lido em http://www.bassalo.com.br/.

Mas há duas exceções: uma delas é o trabalho sobre causalidade e relações de dispersão com Walter Schuetzer em 1950, muito bem descrito no livro de H.M. Nussenzveig, Causality and Dispersion Relations, Academic Press, N.Y. 1972, p. 75. Marvin L. Goldberger afirmava que esse foi o primeiro trabalho sobre relações de dispersão em reações nucleares, que culminou com a prova geral das relações de dispersão em teoria quântica de campos por Gell-Mann, Goldberger e Thirring em Phys. Rev. 95, 1612 (1954).

A outra exceção diz respeito ao impacto do seu trabalho na teoria dos setores de superseleção. No seu último trabalho de revisão “Superselection Sectors-Old and New”, Nuovo Cimento B110, 751-769(1995), seu colega Arthur S. Wightman se refere à importância do trabalho de Yang-Tiomno Phys. Rev. 79, 495 (1950) que, juntamente com Zharkov, propuseram que se distinguissem quatro diferentes leis de transformação de spinores de Dirac pela operação de paridade. Na conferência de Chicago em setembro de 1951, Enrico Fermi colocou a questão de como distinguir essas quatro classes experimentalmente, e, de acordo com Wightman, isso teve grande importância no desenvolvimento da teoria dos setores de superseleção, que se originou com Wick, Wightman e Wigner naquela mesma conferência.

Finalmente, não se pode esquecer que Tiomno e Wheeler Rev. Mod. Phys. 21, 153-165 (1949) estiveram entre os que propuseram (com Nordheim, Pontecorvo e Puppi) que os neutrinos do eléctron e múon fossem distintos, originando assim duas regras de superseleção, às quais se juntaria mais tarde a do taon. Em correspondência com Raymond Streater, que escreveu com Wightman o famoso livro PCT, Spin and Statistics and All That, Benjamin, 1964, Streater revela ter conhecido Tiomno por ocasião de sua visita ao Imperial College quando ele era ainda estudante. Streater também fez importantes contribuições à teoria (com I.F. Wilde sobre setores de sólitons), e afirmou ainda acreditar, como eu também, na existência dessas três regras separadas, embora os experimentais afirmem, como é conhecido, que os três neutrinos se misturam no trajeto do Sol à Terra: o modelo usado nesse trabalho, relativo à taxa de produção de neutrinos do eléctron no interior do Sol, não pode, na nossa opinião, ser considerado como suficientemente bem estabelecido para uma afirmação categórica desse tipo. Mas só esse fato mostra o quão atual e emocionante permanece o trabalho de Jayme Tiomno!