A primeira sessão do VI Seminário Nacional ABC na Educação Científica foi conduzida pelo coordenador do Reuni na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf ), Manoel Messias e intitulada O Ensino de Ciência no Brasil. Participaram da mesa-redonda o reitor da Univasf José Weber Freire Macedo e, via Skype, o Acadêmico Ernst Hamburger, coordenador do pólo do Programa ABC na Educação Científica na Estação Ciência, da Universidade de São Paulo (USP).

“O pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar…”

Citando a frase da música de Lupicínio Rodrigues, Hamburger referiu-se a Sir Ken Robinson, arte-educador inglês especializado em criatividade. “Ele diz que o modelo de educação universal é uma ideia recente que trabalha com a padronização e não estimula o pensamento divergente, que é relacionado à criatividade”, explicou o Acadêmico. Embora as últimas gerações estejam expostas a muitos estímulos de informação, isso não se reflete sobre a educação. “A educação científica é uma pequena parte de um todo”, ressaltou Hamburger, “que infelizmente ainda está muito ruim no nosso país.”

A vantagem do Brasil sobre os países desenvolvidos, segundo o cientista, é que neles os sistemas educacionais são mais antigos, mais cristalizados, mais difíceis de mudar. “Precisamos modificar a formação do professor, a gestão da escola, o número de horas de aula, as instalações escolares”. Com relação ao ensino de Ciências, Hamburger considera que ele tem que partir da pesquisa porque o conhecimento nasce da pesquisa. “E o processo de aprendizagem através da pesquisa e experimentação é comprovadamente bem sucedido, podendo ser utilizado em diversas outras áreas.”

O novo professor

Para Hamburger, o professor deve ser capaz de ensinar múltiplas ciências e metodologias, a crianças de habilidades e culturas variadas, adaptando o ensino às concepções iniciais dos alunos e às condições da escola. “Ele precisa conhecer e aplicar ciências cognitivas e pedagogia, pesquisar literatura e montar demonstrações.”

Para tanto, o professor precisa estudar. Hamburger defende que os professores do ensino básico tenham mestrado e acha que as novas licenciaturas precisam alcançar um alto nível de competência. “As formações em serviço do nosso programa busca alcançar um patamar mais alto, são três anos para preparar um professor. Os futuros professores precisam adquirir autonomia para desenvolver suas aulas de acordo com as exigências curriculares e os interesses dos alunos.”

Investindo na sua formação, o novo professor brasileiro vai, na opinião do especialista -alcançar o prestígio e o nível socioeconômico de profissões valorizadas na sociedade do conhecimento, como médicos, engenheiros, economistas, professores universitários. “É uma demanda dessa sociedade”, esclareceu Hamburger.

Um exemplo de atividde investigativa

O Acadêmico apresentou uma avaliação da parceria da Estação Ciência com a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo em 2007 e 2008. Foram 70 escolas envolvidas, com 1800 alunos no total.”A avaliação diagnóstica avalia o método, e não o aluno ou o professor. É feita para motivar o aluno, infundir a auto-confiança e não para mostrar que ele não sabe nada”, destacou Hamburger.

O pesquisador descreveu uma situação de investigação. A questão era: “Como derreter um pedaço de gelo? Derreta o máximo em 15 minutos”. Os alunos fizeram registros individuais inicialmente e então partiram para a vivência em grupo, formulando suas hipóteses. Alguns embrulharam o gelo em jornal e lã, outros colocaram fogo sob o recipiente em que estava o gelo, e todos fizeram seus relatórios comunicando suas observações e conclusões. O grupo que envolveu o gelo em lã constatou que, após os 15 minutos passados, o gelo havia derretido muito pouco. Chegaram então à conclusão coletiva de que alguns materiais como a vela, lâmpada, ventilador e o calor das mãos ajudaram o gelo a derreter mais rápido e outros materiais como o jornal, plástico, lã, o papel alumínio, o papel filme e o pano, conservam o gelo.

O método de ensino por investigação, segundo Hamburger, é exatamente esse. O aluno confronta suas hipóteses com os resultados obtidos e fornece explicação para o fenômeno estudado. Expressa suas idéias e observações por escrito e participa da elaboração do registro coletivo. “Ele relaciona fenômenos observados com seu cotidiano e assim se apropria de um conceito mais real de ciência.”

De acordo com a avaliação dos professores envolvidos com a metodologia, ela torna o aprendizado mais atraente para os alunos, favorece a aprendizagem dos conteúdos e
ajuda a observar, argumentar e organizar. “O papel do professor é conduzir o trabalho na sala, intervir e auxiliar na discussão coletiva e na aquisição de conhecimento”. Eles consideraram que embora esse tipo de aula seja mais trabalhosa, já que exige mais preparação, os resultados certamente aumentam o prazer de ensinar ciências”, concluiu o Acadêmico.

Educação é projeto apartidário e de longo prazo

O reitor da Univasf José Weber Freire Macedo apreciou a apresentação de Hamburger que, a seu ver, demonstrou claramente o que é o processo de ensino de ciências através da investigação. Destacou então a ação da Univasf na região, voltada para a interiorização do ensino superior. “O sertão nordestino é considerada uma região difícil de se trabalhar e nossa universidade se apresenta de forma ousada e inovadora, com três campus em dois estados diferentes – em Juazeiro e Senhor do Bonfim, na Bahia, e em São Raimundo Nonato, no Piauí.

A educação de forma geral, assim como a estrutura de saúde, segundo Weber, são muito precárias na região e esse desequilíbrio fortalece a grande desigualdade. “Por isso a Univasf tem investido muito nos cursos na área da saúde e nos cursos de formação de professores, com um curso de licenciatura em Ciências da Natureza revolucionário”, ressaltou o reitor.

Aberto o debate, diversos professores colocaram a dificuldade de acesso imposta pelos diretores das escolas da região aos poucos laboratórios existentes. “O acesso dos alunos é limitadíssimo, pois a maior preocupação é não quebrar nenhum material”, comentou um professor. Hamburger respondeu que isso é uma realidade antiga, desde sua época de estudante havia esse problema. Ele sugeriu que os professores busquem assumir a responsabilidade pelos laboratórios e fiquem com a chave, para que possam fazer o uso de que necessitarem. ” É uma questão de prioridade: o laboratório existe para ser preservado ou para ser útil aos alunos e professores? E uma coisa não exclui a outra, se o professor se comprometer a cuidar.”

Outro professor perguntou como, efetivamente, a universidade pode colaborar com as escolas de ensino básico do interior. O coordenador da mesa, Manoel Messias, deu como exemplo o próprio evento em curso. “Esta parceria coma a Academia Brasileira de Ciências é uma demonstração do compromisso da Universidade em apoiar os professores e criar oportunidades para que eles tenham contato com pesquisadores de ponta, com experiências novas e interessantes em suas áreas de atuação”. Mas apontou um obstáculo recorrente para alcançar as escolas do interior, que é o fato da universidade ter que passar pelas prefeituras. “Quando as prefeituras resolvem usar esse vínculo para ganhos políticos, o acesso fica prejudicado, pois por princípio o trabalho de educação tem que ser apartidário.”

Após as discussões, o reitor encerrou a mesa-redonda fazendo um agradecimento especial ao Prof. Dietrich Schiel do Centro de Divulgação Científica e Cultural da USP-São Carlos (CDCC/SC), por seu trabalho de toda uma vida voltada para a educação em ciência e por sua presença no evento.