Criado em família católica, Marcelo Vallinoto sempre foi curioso a respeito dos aspectos fundamentais da existência. A perplexidade na infância quanto às versões contraditórias da Ciência e do catolicismo incentivou o menino a buscar por conta própria as respostas para as questões que se fazia. Foi o despertar da veia de cientista de Marcelo Vallinoto, hoje Membro Afiliado da Academia Brasileira de Ciências. “A problemática de Deus foi meu primeiro desafio para fazer ciência”, revela Vallinoto. “Eu vinha de família religiosa mas tinha muitos amigos que eram completamente ateus, então eu tentava me localizar nessa confusão”.

Quando criança, Marcelo queria ser aviador. No colégio, pretendia ser dentista, mas as atividades que experimentou em laboratório de análise clínica o fascinaram e o encaminharam para a pesquisa. Optou pela Biomedicina, aconselhado por um primo que fazia o curso. “Quando comecei não gostei do curso e dei sorte de começar logo a iniciação científica”, lembra o pesquisador. “Se o tempo voltasse eu faria Biologia, porque hoje trabalho com genética e, às vezes, com ecologia”. O arrependimento não se justifica, dados os sucessos obtidos na carreira escolhida.

Graduado em Biomedicina pela Universidade do Pará, Vallinoto cursou lá o mestrado. Estudando os primatas, a pesquisa logo evoluiu graças à iniciativa da professora Paula Schneider e um novo grupo se formou para estudar búfalos, animais tradicionais da ilha de Marajó. “O Estado do Pará é o maior criador de búfalos do Brasil, então nós tínhamos uma mina de outro nos esperando”, acrescenta Vallinoto.

Terminado o mestrado, iniciou seu doutorado na Universidade do Pará, completando-o na Alemanha. Ele procurava genes de interesse econômico para a criação de búfalos. “Encontrei algumas mutações que poderiam ser interessantes, mas com o pouco tempo de pesquisa na Alemanha e a revolução que ocorria diariamente no laboratório, não consegui fazer a expressão gênica”, relata.

O tempo de doutorado permitiu ao pesquisador formular novas perguntas, que buscou responder em Bragança, no interior do Pará. O Acadêmico Horácio Schneider e sua esposa Paula o convidaram a prestar concurso para um grande grupo de pesquisa local. “Participei e passei no concurso. Chegando em Bragança, porém, me deparei com a vida aquática, que me atraiu muito”, lembra. Mas ele nunca abandonou suas primeiras pesquisas, tanto que seu primeiro artigo após ingressar no grupo teve como tema o primata que estudou no mestrado.

A paixão pela Amazônia deu-lhe incentivo para manter-se no grupo e aos poucos se desviou do universo dos peixes para estudar diversos outros tipos de organismos, aos quais se dedica até hoje. Seu estudo gira principalmente em torno da filogeografia. “Tratamos de classificar as populações, encontrando relações entre seu padrão genético e sua localização geográfica”, explica. “Por exemplo, um rio separando populações nos permite ver a diferença entre as populações de cada margem, porque o rio é uma barreira”. Outro objetivo é descrever a biodiversidade da Amazônia, as potenciais novas espécies. “Muito da diversidade da Amazônia está escondida na forma de espécies chamadas crípticas. São espécies aparentemente muito similares, mas que escondem sua diversidade no código genético”.

Para Vallinoto, há urgência na pesquisa sobre a biodiversidade amazônica. “Se os brasileiros não tiverem a curiosidade, alguém vai ter. Como já está existem pesquisadores estrangeiros atuando em colaboração com brasileiros, além da notória biopirataria”, alerta. O pesquisador considera que dominar esse conhecimento é uma forma de proteger o país, visto que são estudos básicos da genômica e proteômica os alicerces das demais áreas do conhecimento.

A vida em Bragança tem sido agradável para Vallinoto. Vive com sua mulher e convive com os alunos que orienta. Uma das maiores satisfações do professor é ver os alunos se formarem. “Hámuitos estudantes carentes que passam no vestibular, às vezes por não ser tão concorrido. Esses estudantes, apesar de carentes, são muito conscientes do que querem, e compartilhamos nossos dias de trabalho com eles. São alunos se sustentam apenas com a bolsa. Então, ver eles se formarem é maravilhoso”, emociona-se.

A indicação para a Membro Afiliado da Academia Brasileira de Ciências surpreendeu Vallinoto, que considera que a filiação o ajudará a intensificar seus trabalhos. “A visibilidade dada pela Academia, se eu mantiver meu nível de produção, permitirá aprovar mais projetos, principalmente em uma área na qual conseguir dinheiro é muito difícil para quem está começando”, comemora. “As empresas apoiam só quem tem nome, aos outros não dão a oportunidade de crescer e vir a ser um nome”, observa. “A maior parte das empresas quer lucro imediato, uma patente”, continua, “elas ainda não têm a consciência de que o simples ato de patrocinar uma pesquisa já é lucro”.