Dona de um pensamento lógico afiado, a engenheira química Leda dos Reis Castilho conta que sempre foi muito instigada pela atividade de planejamento, característica que ficava evidente, durante a infância, no gosto por montar quebra-cabeças. “Desde criança já se via que eu gostaria de ter uma profissão na área de Exatas e, mais tarde, acabei escolhendo a Engenharia Química”, relata.

Com graduação e mestrado em Engenharia Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutorado em Engenharia Bioquímica pela Technische Universitaet Braunschweig, Leda acredita na influência que seus familiares exerceram na escolha de sua profissão. “Eu venho de uma família de engenheiros e arquitetos. Minha avó estudou Engenharia na Universidade do Brasil (atual UFRJ) em uma época em que quase não havia mulheres nesta carreira”, empolga-se. Além de engenheira, a pesquisadora é também professora universitária, estrada na qual seguiram seu avô e bisavô. “Todos eles certamente influenciaram nas escolhas e nos passos do caminho que estou trilhando.”

A cientista observa que sempre teve interesse por muitas áreas, mas o que mais lhe chamou a atenção na Engenharia Química foram as variadas possibilidades de atuação da profissão, que se estendem desde a Biotecnologia até o projeto de equipamentos e a avaliação econômica de projetos. A professora da UFRJ conta que um outro fator de atração para ela foi o gosto pela Biologia. “Eu gostei muito da disciplina no ensino médio, então o fato de poder associar Engenharia Química com Biotecnologia me motivou muito”, declara.

O período de estágios ao longo da graduação foi fundamental para a escolha pela área de pesquisa. Após realizar iniciação científica na UFRJ, passar por um estágio no Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), onde trabalhou com pesquisa, e outro industrial na Petroflex, Leda não teve dúvidas sobre sua aptidão. “O fato de ter tido a vivência em diferentes estágios me fez ver que a minha vocação pessoal era mais para a pesquisa e que eu realmente deveria seguir na pós-graduação”, observa.

Após um doutorado de três anos na Alemanha, a pesquisadora afirma que a experiência foi essencial para confirmar a qualidade dos cursos de pós-graduação que existem no Brasil que, segundo ela, não deixam nada a dever aos cursos lá de fora. Contudo, a cientista destaca uma grande diferença: o método de ensino. “No Brasil, a metodologia das universidades não é muito distante daquele aplicado no ensino médio. Por outro lado, em outros países, como, por exemplo, na Alemanha, o estudante de graduação tem que recorrer mais fortemente às bibliotecas, buscar muitas informações por conta própria, enfim, tem que aprender a pescar o seu próprio peixe”. Para Leda, o processo educacional brasileiro tem como conseqüência o fato de que, ás vezes, parte dos estudantes concluem a universidade com baixo nível de autonomia e iniciativa. “No mercado de trabalho, você recebe um problema e tem que resolvê-lo e, para isso, é necessário que saiba se virar por conta própria”, avalia a professora.

Engenheira química com ênfase em Biotecnologia, Leda se dedica à análise do cultivo de células de mamíferos para o desenvolvimento de produtos biotecnológicos para a área da saúde humana. Em seu local de trabalho – o Laboratório de Engenharia de Cultivos Celulares do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da UFRJ – estuda processos de produção de biofármacos e vacinas, visando o desenvolvimento de tecnologias mais eficientes de obtenção de produtos biofarmacêuticos, para reduzir os custos de produção. Em colaboração com o grupo do professor Stevens Rehen, igualmente membro afiliado da ABC, a equipe da pesquisadora também estuda quais as condições ótimas para propagar células-tronco embrionárias e comenta o quanto é gratificante trabalhar nessas áreas. “O mais estimulante nas pesquisas é que usamos nosso conhecimento e trabalho para tentar trazer ganhos para a saúde das pessoas. Para mim, essa é a maior motivação”, garante a cientista

Leda conta que, a partir de 2011, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) começará a produzir os dois primeiros medicamentos biológicos que contêm o princípio ativo fabricado no Brasil. Entretanto, a tecnologia não foi desenvolvida no país, o que demonstra a necessidade de crescimento da pesquisa nesta área. “Espero que, no futuro, os biofármacos a serem produzidos aqui possam ser obtidos por tecnologias desenvolvidas no Brasil”, afirma a professora.

Com toda a gratificação que tem no trabalho, a engenheira química não deixa de apontar algumas dificuldades enfrentadas. “Um grande entrave para a realização de pesquisas no Brasil é no sentido operacional. Devido aos impostos e às formalidades de importação, o custo final de aquisição de um reagente importado no país é muito superior ao praticado em outras nações e o prazo de entrega é, geralmente, muito longo”, avalia. Segundo a cientista, isso acarreta no atraso do estudo, colocando o Brasil em desvantagem em relação aos outros países. “Algumas universidades no exterior possuem convênios com grandes empresas fornecedoras de insumos. Estas mantêm, nas próprias instituições, grandes almoxarifados que fornecem ao cientista o reagente necessário, imediatamente, quando ele precisa, bastando dar cem passos para buscá-lo”, comenta.

Leda compara o sistema com o cenário brasileiro, onde o pesquisador deve prever com, aproximadamente, três meses de antecedência que o reagente vai acabar e, ainda assim, não tem garantias de que a encomenda chegará no prazo estipulado. “Essa ainda é uma dificuldade muito grande que o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e os órgãos relacionados ao fomento e à pesquisa no Brasil devem priorizar e resolver”, alerta a engenheira química. Como uma possível alternativa, a professora sugere que as universidades sejam autorizadas a realizar importações livres de impostos quando forem utilizados serviços expressos de frete, como Fedex e DHL. Outra proposta é que o sistema de solicitação e pagamento da vistoria feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) nos produtos recebidos por sistema de frete expresso seja simplificado e acelerado. Segundo ela, atualmente, este trâmite referente à fiscalização da ANVISA estende em vários dias o prazo para recebimento dos reagentes importados pelos pesquisadores.

Em relação à questão do financiamento na área da Engenharia Química, Leda afirma que melhorou bastante, já que, hoje, os cientistas do setor podem contar com uma grande parceira, a Petrobras, que está viabilizando a construção de laboratórios e a aquisição de equipamentos. Para a cientista, o crescente aumento de parcerias entre empresas e laboratórios é extremamente positivo. “É interessante ver que as instituições empresariais – como a Petrobras – procuram as universidades. Assim, são obtidas verbas que se somam às do governo estadual e federal”, avalia.

Através de parcerias como essas foi que nasceu um projeto de pesquisa “bastante grande e desafiador”, como diz a engenheira química, objeto de parceria entre a Coppe/UFRJ, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), vinculada ao Ministério da Saúde. A iniciativa é voltada para o desenvolvimento de tecnologias para a produção de três biofármacos em território brasileiro. “A perspectiva é que daqui a, aproximadamente, dez anos a Hemobrás possa produzir no Brasil os biofármacos em questão, com tecnologia desenvolvida aqui, mais especificamente na Coppe/UFRJ.”

Leda encerrou a entrevista com uma reflexão sobre a sua indicação para membro afiliado no período de 2008 a 2013 e sobre o papel da Academia Brasileira de Ciências. “Ser indicado para fazer parte desse corpo científico é um reconhecimento ao trabalho que o pesquisador duramente desenvolve e um compromisso que firmamos em contribuir para o avanço da ciência”, observa. E acrescenta: “A Academia e cada um de seus membros poderiam levar adiante essa questão fundamental para a ciência brasileira – a melhoria da logística de fornecimento de insumos para a pesquisa no país”, finaliza.