“Estou tentando me lembrar porque na hora de marcar o X no papel do vestibular eu escolhi a Química”. Pierre Mothé Esteves pode não saber, ao certo, o que o levou a optar pela área, mas uma coisa é certa para o pesquisador: o seu amor pela ciência que estuda a transformação da matéria, como costuma definir. “Sou um apaixonado pelo que faço e a vontade de mexer com moléculas era muito presente dentro de mim”, recorda o cientista, que foi indicado para membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC) em 2007.
Nascido e criado no bairro da Penha, subúrbio carioca, Esteves conta que sempre valorizou o contato com a rua, a natureza e os animais. Características comuns do cientista ainda criança, já começavam a anunciar, segundo ele, o que estaria por vir. Dono de curiosidade e criatividade aguçadas, Pierre, que nas suas brincadeiras infantis ainda não possuía as ferramentas necessárias para o estudo da Química, fazia experimentos com frutas e seringas de remédio de seu avô. “Eu ia para a casa dele em Macaé e, além de explorar a natureza e mexer com os insetos, adorava dar injeção em laranjas”, rememora.
Esteves recorda de duas pessoas que foram determinantes para a escolha que fez: um amigo de turma do colégio, Alex Cavalcante, e um professor do ensino médio, Marco Aurélio. Cavalcante o introduziu nos clubinhos de ciência, onde ficava horas observando os potes de maionese com cobras, fetos e sapos, além de peixes em aquários. Mais tarde, o amigo teve outra participação importante: apresentou-lhe os laboratórios da Escola Técnica de Indústria Química e Têxtil do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), quando já estava apaixonado pela área.
A escolha pela Química no vestibular, no entanto, não aconteceu de imediato. Vindo de escolas públicas, Esteves optou pela faculdade de Meteorologia, que considerava mais fácil de passar. Depois de um ano, após cursar disciplinas do departamento de Química, não teve mais dúvidas: fez o vestibular novamente, só que dessa vez para Química, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Eu entrei e tive a certeza de que era o que, de fato, eu queria”, avalia.
No segundo período escolheu fazer uma iniciação científica no Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais (NPPN), onde permaneceu pelos quatro anos da graduação. Este período foi uma ponte para o estágio que faria mais tarde, no Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), situado na Ilha do Fundão (UFRJ). O trabalho requeria do estudante experiência em modelagem molecular, simulações de química no computador, facilidade em prever reatividade e outras atividades que conhecia bem, graças ao trabalho de pesquisa no NPPN.
Maravilhado, Esteves decidiu continuar na área e, em 1999, concluiu o doutorado em Química Orgânica na mesma universidade, o que lhe proporcionou um intercâmbio de seis meses na França. Em seguida, cursou o pós-doutorado com ênfase em hidrocarbonetos e petróleo, na Universidade do Sul da California (EUA), onde trabalhou sob supervisão dos professores G. K. Surya Prakash e George Olah, que recebeu o prêmio Nobel de Química em 1994. Tal vivência foi esclarecedora para o cientista, uma vez que ele pôde comprovar que a ciência brasileira é, na sua visão, tão competente quanto a americana ou francesa.
Esteves garante que a experiência internacional é importante para extinguir o complexo de vira-lata do brasileiro. “E também para comprovar a nossa capacidade de adaptação e flexibilidade em conseguir condições de trabalho quando muitas vezes não temos”, avalia. Para o químico, a estratégia deve ser conquistar terreno através da sagacidade e não da força bruta. “Não dá para tentar competir com realidades diferentes. Não podemos metralhar os problemas, temos que solucionar as questões com apenas um tiro certeiro”, arremata.
Professor Adjunto da UFRJ, Esteves realiza pesquisas relacionadas à energia e a conceitos gerais da Química. O foco do trabalho é o desenvolvimento de mecanismos das reações químicas com o objetivo de aproveitar ao máximo a energia de diversas fontes. Seus estudos envolvem modelos de ligações químicas e mecanismos de reações, além de processos de transferência de elétrons voltados para a geração de eletricidade e correntes elétricas.
As pesquisas aplicáveis de Esteves buscam desenvolver procedimentos químicos mais limpos e formas eficientes de utilizar o gás natural e outras fontes de hidrocarbonetos – compostos formados exclusivamente por carbono e hidrogênio que constituem a maior parte dos tipos de energia de origem mineral. Segundo o químico, o intuito é evitar grandes desperdícios e aproveitar melhor o potencial energético do combustível fóssil, que tem origem a partir da decomposição de matéria orgânica pré-histórica soterrada em grandes profundidades. “Quando compramos um carro zero e colocamos 100 reais de gasolina, apenas 20%, de fato, faz o carro andar, o resto vira poluição”, justifica.
Para o professor, se a ciência seguir o ritmo atual a tendência da área é crescer. Quando o tema é energia, até o lixo urbano vira objeto de pesquisa. Esteves esclarece que a reciclagem de garrafas PETs pode ser voltada para a produção de peneiras moleculares híbridas, cujos poros microscópicos têm o mesmo tamanho das moléculas. A sua utilização diminui o volume necessário para o armazenamento de substâncias gasosas, o que pode otimizar o transporte do gás natural em navios e reduzir o espaço destinado para os tanques do combustível nos automóveis, principal fonte de energia dos táxis.
Desenvolver inibidores de formação dos hidratos de metano, que entopem os tubos de exploração de petróleo em grandes profundidades é outra linha de pesquisa do cientista. Além desse estudo, Esteves utiliza os superácidos – mais fortes que o ácido sulfúrico puro – para atacar hidrocarbonetos do combustível e gerar cátions de carbono, envolvidos no seu processamento. O objetivo é formular processos de refino mais eficazes e menos danosos para o meio ambiente. Ele explica que as novidades provenientes do estudo resultam em produtos de interesse para a indústria agrícola e farmacêutica.
Esteves atribui à Química importantes conquistas da humanidade. A pílula anticoncepcional e o Viagra, por exemplo, foram identificados por ele como ferramentas essenciais para o processo de independência feminina e de melhoria da qualidade de vida. “As pessoas não compram moléculas ou átomos, elas adquirem propriedades. Todos desejam uma cola que cole, uma cor que não desbote e um hidratante que hidrate. Controlar as moléculas para atingir esses resultados de forma eficiente e sem agredir o ecossistema é a missão da Química”, reforça.
Apesar das inovações, o pesquisador acredita que a grande revolução ainda está por vir. “Nós vamos viver uma virada que vai produzir impactos profundos na sociedade contemporânea, através da chamada Nanociência”, afirma Esteves. A invenção de microscópios potentes tornou os cientistas capazes de visualizar e manipular um único átomo, o que, de acordo com o cientista, gerará novas concepções teóricas. “Parecemos avançados, mas, comparados com a natureza, que produz máquinas químicas que funcionam com perfeição – como a fotossíntese e o corpo humano – nós ainda somos toscos e temos muito a descobrir.”
De acordo com o pesquisador, um país economicamente forte não se estabelece sem boa Química, uma vez que o conhecimento científico desenvolvido pela ciência é aplicável e funciona como base para a invenção de importantes produtos. “O impacto na produção é central e imediato. Se eu descobrir alguma coisa nova sobre hidrocarbonetos, todas as empresas petrolíferas do mundo ficarão interessadas”, exemplifica. Esteves explica que a função primordial da Química é agregar valor a materiais brutos, como ocorre, por exemplo, no caso da transformação de biomassa em combustíveis. “Nós tornamos realidade uma nova perspectiva de vida, ao gerar fontes limpas de energia”, acentua.
O químico considera a interação com os estudantes um combustível fundamental para fazer pesquisa. Segundo ele, no início de carreira a mente não está contaminada com velhos paradigmas, o que torna mais fácil ter idéias inovadoras e criativas, livre de preconceitos. “É muito gratificante poder fomentar o ideário entusiasmado dos jovens, de modo que eles continuem a crer que é possível revolucionar o mundo”, destaca. Para Esteves, ensinar é uma atividade recompensadora, que rejuvenesce. “Quando estamos cansados, a juventude atiça em nós o fogo adolescente que achávamos estar perdido. Estamos sempre nos redescobrindo”, revela o professor, que considera essencial para o exercício da profissão a motivação e o brilho nos olhos.
“Ser nomeado membro afiliado da ABC é para um cientista o mesmo que ganhar um Oscar”, compara Esteves, que faz questão de ressaltar que fomentar conhecimento também é agregar riqueza. O professor afirma que o mais encantador de fazer estudos científicos é a liberdade intelectual e a ausência de mesmice – como ele mesmo define. “Para ser um bom cientista é necessário ter a curiosidade e o entusiasmo de uma criança, somados a persistência e paixão de um adulto”, garante o químico, que acredita que o segredo da boa pesquisa é a imersão.