O vice-presidente da ABC para a Região Sul, Francisco Salzano, do Departamento de Genética do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), deu início ao Simpósio Como Mudou nossa Visão do Mundo – Darwin e a Origem das Espécies apresentando a visão do mundo na Idade Média, que em seu ponto de vista era bastante monótona.
O mundo teria sido criado por uma entidade divina numa versão fixa e, portanto, as condições presentes seriam exatamente as que existiam no início. O ato de criação, ocorrido em sete dias, teria sido relativamente recente e as palavras de Deus reproduzidas na Bíblia não poderiam ser questionadas. Qualquer opinião divergente era considerada uma heresia, sujeita ao tribunal da Inquisição.
“Tudo isso mudou com a publicação do livro de Charles Darwin, A Origem das Espécies, em 1859”, apontou Salzano. “A natureza, segundo o autor, não tinha sido criada para nos servir. Ao contrário, a espécie humana era apenas uma em um a multidão de outras entidades biológicas”.
Salzano remeteu-se ao filósofo Rasmus Winther, da Universidade de Santa Cruz, Califórnia, que analisou alguns aspectos das idéias de Darwin, como o padrão explicativo e os níveis de seleção – como, onde e de que maneira ocorre a seleção natural, ou seja, a eliminação dos menos aptos e a sobrevivência dos mais aptos.
Um dos aspectos abordados por Winther foi a contraposição entre lei e narrativa. “Nas ciências chamadas duras, como a Física e a Química, pode se formular leis. Já na Biologia, o problema fica muito mais complexo. O que encontramos no livro A Origem das Espécies é uma narrativa – muito bem documentada, mas uma narrativa”, destacou o geneticista.
Os níveis de seleção vêm sendo exaustivamente discutidos pela comunidade científica: se a ação da seleção natural se dá ao nível do organismo, como diz a teoria darwiniana ortodoxa; se ocorre em nível da própria unidade da herança, que são os genes ou ainda em nível populacional. “Isso ainda não está totalmente esclarecido”, observou Salzano. O grau de diferença, outro dos aspectos estudados por Winther, discute se a variação é contínua ou descontínua, ou se há um padrão típico que circula por todas as espécies, uma idéia de essencialidade do fenômeno biológico.
Winther desenvolveu o que chamou de darwinismo sistêmico, no qual ele integra uma pluralidade de teorias matemáticas e biológicas, envolvendo tanto a auto-organização da estrutura biológica como as relações de história e a genética evolucionária contra o que ocorre em nível individual, a função gênica. “Esse enfoque seria dialético e as dicotomias seriam, ao invés de totalmente distintas, polos interpenetrantes e complementares que poderiam explicar o processo evolucionário”, destacou Salzano.
O Acadêmico apresentou pesquisa que envolve a evolução nesse nível. Seu grupo vem trabalhando com a evolução de uma enzima – a álcool desidrogenase – relacionada a metabolização do álcool, da epinefrina e outras substâncias. “É uma proteína que ocorre em todos os domínios de vida e as relações entre elas seguem tipos específicos, que são classificados de acordo com sua estrutura, independente do organismo”, explicou o Acadêmico. O grupo desenvolveu o modelo da molécula e comparou esse modelo no reino animal, vegetal e nos fungos, tentando interpretar como essa evolução ocorreu. “Darwin não poderia ter chegado a essa visão biológica analítica, pois isso só é possível em função da revolução molecular e eletrônica”, observou o geneticista.
Encerrando sua palestra, Salzano afirmou que todo processo evolucionário pode ser sintetizado em duas palavras: organização ou liberdade.”Esses dois fatores estão numa relação dialética que sumariza todo esse processo”, destacou o cientista. Para ele, apenas um balanço equilibrado entre a organização, a estrutura e a liberdade de variar é que leva ao progresso. “As relações interindividuais e internacionais transcendem essa dicotomia. É um imperativo ético trabalhar para uma sociedade que ofereça o máximo de felicidade para um maior número de pessoas”, concluiu Francisco Salzano.