“Pai, você me dá um barco com controle remoto como aqueles que meus amigos tem?” – “Por que não fazemos um?” Este foi um dos muitos diálogos de pai e filho vividos por Paulo Sérgio Boggio que influenciaram muito o seu futuro. Seu pai é engenheiro eletrônico e continua trabalhando ativamente, sendo diretor de Tecnologia aplicada à Educação em São Paulo. Por isso, ele cresceu ouvindo sobre o ambiente escolar e sobre abordagens educacionais. O pai mantinha no sítio da família uma espécie de laboratório de inovação tecnológica voltado aos processos de aprendizagem. A infância e adolescência de Paulo foram permeadas por descobertas nesse laboratório, já que ele ficava durante a semana em São Paulo e, nos finais de semana, no sítio da família. em Pirapora do Bom Jesus.

Sua mãe teve uma escola voltada para a educação infantil, mas, em função dos filhos, decidiu dedicar-se integralmente a família. Paulo recorda que ela sempre o incentivou a ler e estudar, além de ter contribuído para o desenvolvimento do seu gosto pela botânica, pois havia cursado paisagismo e praticava junto com os filhos – Paulo, um irmão mais velho e uma irmã mais nova.
Na escola gostava mais de matemática, ciências, física e geometria. Para ele é difícil precisar o que exatamente despertou seu interesse para a ciência, embora reconheça que a influência paterna tenha sido decisiva. “Tenho muitas lembranças da infância no sítio, nas quais várias brincadeiras eram verdadeiras aulas no estilo mão na massa, como preconiza Georges Charpak, prêmio Nobel de Física de 1992, Pierre Léna e Yves Quéré”, ele recorda. Aquela ideia de construir um barco, por exemplo, virou um aprendizado conjunto durante as férias de verão no sítio com a família. “O barco não ficou perfeito, mas a intensidade de envolvimento com o projeto garantiu o aprendizado de forma natural, espontânea e duradoura de conceitos importantes da física, incluindo aí o teorema de Arquimedes a respeito do empuxo”, comenta.
Ele acredita que sua atração pelo mundo acadêmico guarde relações com o mundo das perguntas e descobertas em um ambiente lúdico e de mão na massa, sem ter recebido, no entanto, uma orientação explícita para seguir a carreira acadêmica. Tanto que, no ultimo ano escolar, ele estava indeciso quanto ao curso universitário que iria seguir, até porque seus interesses eram bastante extensos. “Devo admitir que fui cursar psicologia sem ter muita clareza do que aquilo significava. Decidir a profissão aos 17 anos, ainda mais nos moldes em que as universidades brasileiras estão constituídas, é algo muito complicado”, explica. O fato é que ele ingressou no curso de psicologia da Universidade de São Paulo e, durante toda a graduação, trabalhou dando aulas particulares de matemática, física, geometria e estatística. Isso o leva a crer que possua uma visão mais objetiva e lógica da psicologia e dos processos psicológicos voltados para áreas da psicologia fisiológica, neurociências e uso de técnicas como a eletroencefalografia e a neuromodulação para compreensão do comportamento e da cognição humana.

Hoje ele considera uma infelicidade não ter realizado iniciação científica, mas sua meta naquele momento era ser psicólogo clinico. Apesar disso, no entanto, ele teve a oportunidade de cursar disciplinas voltadas para pesquisa e aprender por observação com professores importantes para sua formação, como Emma Otta. Paulo também menciona a oportunidade de ter sido aluno da Acadêmica Dora Fix Ventura, uma pioneira nas Neurociências no Brasil, além de César Ades.

Na USP, ele cursou mestrado e doutorado em psicologia, respectivamente nas áreas de psicologia experimental e em neurociências e comportamento. Ele considera uma honra ter sido orientado nessa fase por Maria Teresa Araujo Silva: neste convívio, Boggio aprendeu muito observando a forma dela resolver problemas, de raciocinar e, não menos importante, sua forma de se relacionar com alunos e docentes. “Esse foi um período de muito crescimento técnico, científico, mas também pessoal. Boa parte do que aprendi e que acredito ser importante em um cientista vem dessa época”, afirma. Também foi muito importante para seu crescimento o convívio e o acompanhamento de Dora Fix Ventura, que esteve presente em momentos cruciais, tendo sido membro da banca nas fases de qualificação e de defesa dos dois trabalhos.

Durante esta fase de estudante de pós-graduação, ele também conheceu Felipe Fregni, que atualmente leciona na Harvard Medical School e que se tornou parceiro de pesquisa de Boggio em projetos, no intercâmbio de orientandos entre os laboratórios e em eventos internacionais de neuromodulação realizados anualmente na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Nesta universidade, ele conheceu outro professor, Elizeu Coutinho de Macedo, com quem discute suas novas idéias, além de co-dirigirem o Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social que já conta com estudantes de graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado em diferentes tecnologias em neurociências.
Atualmente, Boggio é coordenador de Pesquisa do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), coordenador do Núcleo de Neurociências do Comportamento e professor do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da UPM. Além disso, é pesquisador colaborador do Center for Non Invasive Brain Stimulation, do Beth Israel Deaconess Medical Center e do Laboratory of Neuromodulation, em Harvard.

As suas pesquisas estão voltadas para a compreensão da cognição e comportamento humano, utilizando diferentes medidas de investigação, que vão desde o comportamento e funções cognitivas avaliadas por procedimentos típicos da psicologia até o estudo das bases neurobiológicas subjacentes a eles. Ele estuda como se dá a interação social por meio de medidas de observação e, ao mesmo tempo, por meio de medidas da atividade cerebral. No laboratório que ele coordena, por exemplo, um dos objetos de estudo é a memória, demonstrando que é possível aprimorá-la através de técnicas de estímulo cerebral não-invasivas e que isto pode impactar positivamente pacientes com prejuízo de memória, como portadores da doença de Alzheimer. Também tem mostrado o papel crucial de algumas estruturas cerebrais em aspectos semânticos da memória, abrindo novas portas para a compreensão das falhas de processamento semântico da informação em patologias como o autismo.

O conjunto de suas pesquisas tem se concentrado na área de estudos de neurociência cognitiva e social que investiga funções cognitivas como memória, linguagem e atenção até como estas funções se dão em cenários sociais complexos envolvendo interação humana.”Temos realizado muitos experimentos na área de processos decisórios, demonstrando a possibilidade de interferir em comportamentos de decisão envolvendo risco e, com base nisto, realizamos uma série de investigações mostrando novas opções de modulação de processos decisórios subjacentes a quadros relativos à compulsão por alimentos, por álcool, ou por tabaco”, relata Boggio. A isto estão sendo acrescentados aspectos sociais, demonstrando, por exemplo, que a amizade pode modular decisões face a situações injustas, tanto no que diz respeito ao comportamento observado, quanto em relação as estruturas cerebrais envolvidas. Seu grupo de pesquisa também está analisando a manipulação da atividade cerebral por meio de tarefas de observação e mentalização motora, algo que pode trazer importantes benefícios para pacientes com danos no sistema nervoso.

“É fascinante o momento em que estamos vivendo, no qual há integração entre ambiente e a
parato biológico na explicação dos fenômenos humanos, ultrapassando dogmas antigos e ainda muitas vezes propagados”, observa. Boggio também vê no próprio trabalho científico um grande prazer. “Não consigo ver profissão melhor. Na ciência o desafio está diretamente relacionado com a curiosidade, com o constante surgimento de novas perguntas e busca por outras tantas respostas”, afirma.

Para ser um bom cientista, Boggio avalia que humildade é fundamental, principalmente pelo fato de que os modelos e explicações de hoje não serão os de amanhã. Além de humildade, curiosidade, dedicação intensa e com prazer são necessárias ao cientista. Para jovens interessados em se tornar cientistas, ele afirma que não há monotonia nesta carreira, sendo uma vida de muitos desafios intelectuais, técnicos e pessoais. Ele acredita que o interesse por ciência deva se iniciar na primeira infância. “Fica difícil imaginar desenvolver o espírito científico com o modelo educacional vigente, que segue moldes tradicionais de ensino”, questiona. E acredita que é uma boa ajuda propor aos estudantes alternativas que agucem e estimulem a curiosidade e a capacidade de solução de problemas de forma criativa.

“O título de membro afiliado da ABC tem um significado ímpar. Foi um reforço, uma recompensa de valor intangível com relação às minhas escolhas na ciência. Ganhei energia para seguir nesse caminho e, em particular, em disseminar a ciência como um caminho possível de escolha profissional em nosso país”, enfatiza. Ele quer contribuir no esforço da Academia Brasileira de Ciências em levar conhecimento científico a todas as camadas da sociedade, evidenciando cada vez mais o papel da ciência no desenvolvimento de uma nação.