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Victória Rossetti morre aos 93 anos

A engenheira agrônoma Victória Rossetti, reconhecida como uma das maiores pesquisadoras no mundo em doenças que atingem a citricultura, morreu na madrugada do domingo (26/12), de pneumonia, aos 93 anos. O velório e sepultamento foram realizados no Cemitério do Morumbi, no mesmo dia. Pioneira no estudo das doenças de plantas cítricas, pesquisadora do Instituto Biológico, deu o nome clorose variegada dos citros (CVC) à doença que identificou como causada pela bactéria Xylella fastidiosa.

“Em nome da Fapesp, é com grande pesar que lamentamos o falecimento da doutora Victória, pioneira no estudo das doenças que acometem as plantas cítricas, cientista de carreira belíssima e de grande importância, responsável por formar e apoiar gerações de pesquisadores brasileiros e que esteve ligada à Fapesp desde a sua fundação”, disse o Acadêmico Celso Lafer, presidente da Fapesp.

“Ela foi um das maiores autoridades em fitopatologia no país. Trabalhou com quase todas as doenças de laranjeiras, desde a “tristeza dos citros”, na década de 1940, doença provocada por vírus, passando pela leprose de citros, cancro cítrico e declínio dos citros”, disse o Acadêmico Elliot Watanabe Kitajima, professor aposentado da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), à Agência Fapesp.

Veridiana Victória Rossetti nasceu em Santa Cruz das Palmeiras (SP), em 15 de outubro de 1917, filha de imigrantes italianos – o pai, Thomaz, estudou agronomia. Viveu os primeiros meses na fazenda Santa Veridiana, de onde recebeu o primeiro nome, e cresceu na fazenda Paramirim, adquirida por seu pai, no município de Limeira.

Interessou-se pela fitopatologia já nesta época quando, com os irmãos e orientados pelo pai, colhia material para estudar o efeito das pragas e doenças que afetavam as plantas. Iniciou seus estudos no Collegio S. Vicenzo de Paula, na Itália, seguido pelo Colégio São José, em Limeira, e pelo Colégio Piracicabano.

Foi a primeira engenheira agrônoma formada pela Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo, em 1937. Em 1940, ingressou como estagiária no Instituto Biológico, onde desenvolveria toda a sua carreira.

Dedicou-se sempre à pesquisa das doenças dos citros. Iniciou seus trabalhos sob orientação de Agesilau Bitancourt, que a encaminhou para estudos do isolamento de fungos do gênero Phytophthora da gomose dos citros. Com o advento da tristeza dos citros, em 1947, tornou-se prioridade a necessidade de se adotar um porta-enxerto tolerante ou resistente às duas doenças.

Seguiu para os Estados Unidos, onde realizou, em 1947, curso de Estatística Experimental na Universidade da Carolina do Norte. Em 1951 e 1952, com bolsa da Fundação Guggenheim, estudou fisiologia de ficomicetos na Universidade da Califórnia em Berkeley, e fez especialização em fungos do gênero Phytophthora, com o professor J. Zentmyer, em Riverside.

Passou a integrar a Comissão Internacional de Phytophthora. Em 1960, com apoio da Fundação Rockefeller, visitou as estações de pesquisas em citros na Flórida e na Califórnia. A convite do governo da França e do Institut National de la Recherche Agronomique (Inra), desenvolveu programa de colaboração científica, trabalhando, em 1961, com Joseph Bové em estudos sobre viroides dos citros.

Capacitou-se nas técnicas de diagnóstico de vírus transmissores por enxertia, visando ao Programa de Registro de Matrizes de citros livres de vírus, implantado no Estado de São Paulo.

Em 1958, iniciou trabalhos sobre a leprose dos citros e experimentos para seu controle. Resultado relevante foi a comprovação do ácaro Brevipalpus phoenicis como vetor da leprose e, em 1965, também como vetor da clorose zonada.

Estudos sobre o cancro cítrico e sobre a clorose variegada dos citros (CVC) – nome sugerido pela pesquisadora em substituição ao popular “amarelinho” -, causada pela bactéria Xylella fastidiosa, motivaram vários trabalhos, com colegas de diversos institutos no Brasil e no exterior.

Foi presidente da Comissão Permanente de Cancro Cítrico de 1975 a 1977. Teve mais de 300 trabalhos publicados ou apresentados em congressos nacionais e internacionais e recebeu dezenas de prêmios e homenagens, entre os quais a Medalha Sigma Xi da Universidade da Califórnia (1952), o título de Engenheira-Agrônoma do Ano da Associação de Engenheiros Agrônomos do Estado de São Paulo (1982) e o de Professor Honorário da Universidade de Flórida (1987), o Prêmio Frederico de Menezes Veiga, da Embrapa (1993) e a Medalha Luiz de Queiroz (1999).

Membro da Academia Brasileira de Ciências, foi condecorada com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico pelo presidente da República em 2004.

No Instituto Biológico, assumiu a chefia da Seção de Fitopatologia Geral em 1957, tornando-se diretora da Divisão de Patologia Vegetal em 1968, cargo no qual se aposentou em 1987. Mesmo depois de aposentada continuou suas pesquisas junto ao instituto. O Herbário Uredinológico “Victória Rossetti” é parte do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Vegetal do instituto. Em 1988, recebeu o título de Servidora Emérita do Estado de São Paulo.

Descobertas e nomes

O nome Victória Rossetti estará sempre profundamente ligado às pesquisas das doenças que atingem as plantas cítricas. Se o Brasil se tornou o maior exportador mundial de suco de laranja, não foi sem vencer ou controlar uma série de doenças dos citros e a cientista se envolveu com boa parte delas.

Com a leprose dos citros, especificamente, começou a trabalhar em 1959. A doença foi descrita em 1935 e teve sua transmissão associada a um ácaro por Agesilau Bitancourt, seu mentor no Instituto Biológico.

“A leprose provoca manchas amarelas nas folhas e lesões escuras e deprimidas nos frutos. Os frutos terminam caindo em grande quantidade, o que resulta em perda de produtividade e de qualidade, principalmente da laranja doce”, explicou a pesquisadora anos depois. Em 1972, Kitajima constatou pela primeira vez, por microscopia eletrônica, um bastonete semelhante a vírus em lesões de leprose.

“Foi da doutora Vitória o primeiro avanço no conhecimento da leprose de citros, ao destacar a importância do controle do vetor da doença, transmitida pelo ácaro Brevipalpus phoenicis, que afeta principalmente as laranjeiras doces”, disse César Martins Chagas, pesquisador aposentado do Instituto Biológico, que trabalhou durante anos com a pesquisadora no estudo da leprose de citros.

Outra doença, o cancro cítrico, foi importante para a cientistas e para a própria FAPESP. Em 1963, quando a Fundação mal completara um ano de funcionamento, a doença se alastrava e ameaçava a jovem agroindústria da laranja no Estado de São Paulo.

Foi nesse momento que a Fapesp concedeu o primeiro auxílio para os estudos de controle do cancro, realizados no Instituto Biológico sob a direção de Victória. Desde então, a Fundação concedeu mais de dez outros auxílios às pesquisas feitas pela cientista.

Em 1987, foi convidada a identificar uma doença nova na Fazenda Ana Prata, na região de Bebedouro (SP). “Eu não sabia o que era”, diria anos mais tarde. Ninguém sabia. Aos poucos, a pesquisadora foi desvendando o mistério. Cobrindo algumas plantas com telas e comparando-as, depois, com as que estavam expostas, ela descobriu que o vetor da doença era um inseto: as plantas cobertas continuaram sãs.

Para testar a hipótese do entupimento dos vasos da planta, criou um equipamento tão simples quanto engenhoso: tubos transparentes por onde eram introduzidos galhos da planta. Depois, eles eram cheios com água. Nos tubos que continham galhos saudáveis, surgiam muitas bolhas, como resultado do ar que saía dos vasos da planta.

Nos tubos contendo plantas doentes, a água borbulhava bem menos, prova de que os vasos estavam entupidos. Para identificar a bactéria causadora da doença, Victória foi à França, onde teve a ajuda de Joseph Bové, especialista em fitopatologia.

No mesmo ano, a pesquisadora identificou a bactéria Xylella fastidiosa, causadora da doença a que deu o nome de clorose variegada dos citros. “Chamei-a assim porque as manchas amareladas na folha apresentam-se de forma variegada, não contínua”, disse. O sequenciamento do genoma da bactéria foi concluído treze anos depois, em um dos grandes momentos da história da ciência brasileira.

“A identificação do patógeno pela doutora Victória foi o ponto de partida do projeto de sequenciamento apoiado pela Fapesp. Outro ponto a se destacar é que ela soube fazer brilhantemente a mediação do conhecimento entre a academia, técnicos e produtores. A prova disso são os manuais que escreveu direcionado aos técnicos”, disse Kitajima.

“Ser visionário e ter extrema capacidade de desenvolver trabalhos são duas características muito difíceis de se encontrar em um pesquisador, mas que a doutora Vitória tinha de sobra”, disse Chagas.

Acadêmico Bernardo Beiguelman falece aos 78 anos

O geneticista Bernardo Beiguelman morreu na terça-feira (5/10), aos 78 anos. Foi fundador, em 1963, do Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), o primeiro do gênero na América Latina.

Graduado em História Natural pela Universidade de São Paulo (USP), Beiguelman se especializou em Genética e fez o doutorado na USP, obtendo o título de livre docente na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Foi um dos primeiros professores da Unicamp, tendo participado do processo de implantação da universidade e testemunhado o processo da escolha do terreno para a instalação do campus, realizado por Zeferino Vaz.

Na Unicamp, implantou o Ambulatório de Genética Clínica (1969) e foi um dos mentores do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG). Foi pró-reitor de Pós-Graduação da universidade entre 1986 e 1990 e se aposentou na mesma instituição, em 1997.

Depois de aposentado, manteve vínculo sem remuneração com a Unicamp colaborando com o curso de Pós-Graduação em Genética do Instituto de Biologia. Nesse período, também foi professor visitante do Programa de Pós-Graduação em Biologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e membro do Conselho de Pós-Graduação do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

De 1972 a 1992 foi consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS). Foi membro do corpo de revisores da nomenclatura internacional de doenças do Council for International Organization of Medical Sciences e da OMS, membro eleito da Comissão de Seleção da Academia de Ciências do Estado de São Paulo e presidente da Regional de Campinas dessa Academia.

Foi membro do Comitê Assessor de Genética do Conselho Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), tendo sido eleito por duas vezes para a Comissão Assessora do Programa Integrado de Genética do CNPq.

Entre 1970 e 1972, foi presidente da Sociedade Brasileira de Genética e da Associação Latino-americana de Genética. Era membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e foi conselheiro da SBPC em diversas gestões.

Foi assessor científico ad hoc da Fapesp e de outras instituições de fomento à pesquisa. Foi editor associado da revista Genetics and Molecular Biology e fazia parte de conselhos editoriais de diversas outras, como Hansenologia Internationalis, Revista da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e Medicina, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

Produziu mais de 400 trabalhos científicos entre livros, teses, capítulos, publicações em revistas e comunicações em congressos. Orientou cerca de cerca de 70 pesquisadores, muitos dos quais se tornaram expoentes na área de ensino e pesquisa em genética médica.

Seus trabalhos foram reconhecidos com diversos prêmios como a medalha do CNPq, em 1981, e a placa de prata da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, em 1982, instituição na qual também recebeu o título de professor emérito, em 2004.

Entre os seus trabalhos mais importantes estão estudos sobre a resistência e a suscetibilidade hereditária à hanseníase e pesquisas sobre genética antropológica. Recentemente estava se dedicando a investigações sobre a epidemiologia de gêmeos.

O corpo do professor Beiguelman foi velado no Hospital Albert Einstein e sepultado na manhã de quarta-feira (6/10) no Cemitério Israelita do Butantã, em Taboão da Serra, na Grande São Paulo.

Falecimento de Acadêmico

Geraldo Ávila
Geraldo Ávila

Faleceu, na madrugada de domingo (29/8), aos 77 anos, o Membro Titular da ABC Geraldo Ávila. Era membro do Departamento de Matemática e do Decanato de Assuntos Comunitários da Universidade de Brasília (UnB), onde chegou a ser reitor por seis dias em 1985, entre mandatos.

Mineiro de Alfenas, Geraldo Severo de Souza Ávila estudou na Universidade de São Paulo (USP), onde bacharelou-se em Matemática. Cursou o doutorado na New York University e pós-doutorado na Universidade de Wisconsin. Regressando ao Brasil, integrou a primeira turma de professores da recém-fundada Universidade de Brasília. Passou sete anos como professor na Universidade de Georgetown, mais quinze anos na UnB – onde dirigiu o Institutode CIências Exatas – e sete anos na Unicamp, onde se aposentou. Continuou trabalhando, porém, como professor visitante na Universidade Federal de Goiás.

Ávila é autor de vários trabalhos de pesquisa em equações diferenciais parciais e monografias especializadas ligadas a fenômenos ondulatórios e de vários textos universitários. Por vários anos se dedicou a problemas de ensino, exercendo atividade editorial e de autor junto às revistas de divulgação da Sociedade Brasileira de Matemática, entidade que presidiu entre 1983 e 1985. Recebeu o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro em 1994.

O professor de matemática lutava contra um câncer de pulmão há cerca de 14 anos e passava por um longo tratamento que incluiu a realização de uma cirurgia. Ávila foi levado ao hospital na quinta-feira, onde permaneceu na unidade de tratamento intensivo devido a hemorragia pulmonar. Após dois dias de internação, o matemático sofreu uma parada cardíaca e não resistiu. O corpo de Geraldo Ávila foi velado na segunda-feira, 30/8, no Cemitério Boa Esperança. Após a cerimônia, o corpo foi removido para cremação.

Falecimento de Acadêmico

Leia o obituário enviado à ABC pelo Acadêmico Gerhard Jacob, com colaborações do Prof. Darcy Dillenburg e sugestões do Acadêmico Fernando Zawislak.

Theodor August Johannes Maris

“Faleceu, em 20 de agosto, o físico e Acadêmico Theodor August Johannes Maris – Theo, para os amigos.

Maris nasceu em Weert, Holanda, em 3 de janeiro de 1920 e realizou sua formação na Universidade de Munique (Luwig-Maximilians-Universität), obtendo seu doutorado summa cum laude em 1954, com tese sobre entropia em estados não-estacionários, sob a orientação de F. Bopp.

De Munique, Maris mudou-se para o Instituto Nobel, em Estocolmo e daí para o Instituto Gustaf Werner, em Uppsala. Nesse instituto iniciou pesquisa teórica e experimental nas chamadas reações quase-livres, [(p,2p)], importantes para a investigação da estrutura nuclear, especialmente do modelo de camadas. Os resultados dessas pesquisas tornaram Maris internacionalmente conhecido, além de mostrarem desde cedo sua maneira original de pensar a Física.

Após passar um ano no Instituto Niels Bohr em Copenhague, transferiu-se para a Universidade Estadual da Flórida, em Tallahassee; enquanto nessa Universidade, recebeu em 1959 um convite para orientar, por um ano, o início da pesquisa em Física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Observe-se desde já que ficou em Porto Alegre pelo resto da vida, salvo alguns sabáticos no hemisfério norte.

Nessa universidade havia sido fundado, em 1953, a partir de uma iniciativa de Antonio E. P. Cabral, um pequeno Centro de Pesquisas Físicas que, em 1959, deu origem a um novo Instituto de Física. A colaboração de um físico experiente era essencial para dar início à pesquisa, razão pela qual o mencionado convite foi formulado. Maris mostrou extrema competência não só para orientar estudantes, mas também para sugerir políticas científicas que garantissem um desenvolvimento harmônico, orgânico e qualificado, em nível internacional, para o Instituto como um todo.

No que diz respeito à pesquisa, inicialmente continuou, sempre em colaboração com estudantes locais, seus trabalhos em reações quase-livres. Entre esses estudantes eu me incluo, pois a ele devo praticamente toda a minha formação como físico.

Quase que simultaneamente, partindo de sua convicção de que, numa região do tamanho do Rio Grande do Sul, necessariamente deveria existir um Instituto de Física “completo” e de nível internacional, e que o “completo” incluía pesquisa em física experimental (e também em física aplicada), incentivou estudantes a iniciarem trabalhos em correlações angulares perturbadas.

Mesmo havendo sugestão de colegas de São Paulo e do Rio de Janeiro de preparar os físicos experimentais fora, ele insistiu que se iniciasse trabalho experimental com um grupo na Universidade em Porto Alegre, ao mesmo tempo em que o mais promissor dos estudantes – o hoje Acadêmico Fernando C. Zawislak – fosse estagiar na Universidade de São Paulo (USP), onde a pesquisa experimental à época já estava bastante desenvolvida. Isso baseado em uma de suas máximas: um fogo não se faz espalhando as brasas, mas reunindo-as.

E, coerente com sua atitude de participação ativa e não só a de sugerir o que deveria ser feito, ele se envolveu de imediato, juntamente com Darcy Dillenburg, em estudo teórico de efeitos de relaxação sobre correlações angulares.

Depois de em princípio sedimentadas essas áreas, Maris entendeu que era chegada a hora de começar a diversificar na área teórica. Aliás, mesmo antes de chegar ao Brasil, já começara a aprofundar-se em Teoria Quântica de Campos.

Iniciou então o desenvolvimento de uma antiga ideia sua, a de formular a eletrodinâmica quântica partindo de massas nulas para o elétron e o múon, atribuindo a origem das massa à interação eletromagnética. A ausência de unidade de massa em uma teoria dessa natureza implica que só fazem sentido razões entre massas; a relação entre a massa do elétron e do múon, em que Maris trabalhou pelo resto de sua vida, continua um problema aberto até hoje.

Na área experimental, deu o impulso inicial para que se realizassem trabalhos em Efeito Mössbauer e em Física de Laser, já com vistas a futuras aplicações, inclusive tecnológicas. Isso novamente dentro de sua ideia básica de que o único Instituto de Física em uma região do tamanho do Rio Grande do Sul deveria necessariamente contribuir também para o desenvolvimento sócio-econômico do estado e do país.

Na mesma linha, propôs a criação de um grupo de pesquisa em Física de Plasmas, por envolver forte componente de Física Clássica e amplo espectro de aplicações tecnológicas (soube-se depois que, nessa mesma época e de forma independente, iniciativa semelhante estava sendo tomada na Unicamp).

Outra característica de Maris era a de não ter interesse algum em cargos ligados a poder. Jamais pensaria em postular a direção do Instituto, sequer a chefia do departamento; isso deixava para os colaboradores. Mas, por outro lado, não abria mão de forma alguma de dar suas opiniões sobre a política científica geral do Instituto; a execução era atribuição de outros; a dele era fazer boa Física e orientar estudantes.

O Instituto cresceu na forma em que Maris sempre entendeu que deveria crescer: organicamente. E ele jamais perdeu a visão geral sobre todas as atividades que tinham lugar: teóricas e experimentais; em algumas dando sua opinião, sempre forte e pertinente, em outras somente acompanhando os progressos e se informando. Dito de outro modo: Maris jamais perdeu a visão global das atividades em desenvolvimento no Instituto, mesmo depois de se aposentar compulsoriamente em 1990. Por isso ele deve com justiça ser considerado o Pai da Física na UFRGS.

Deve ainda ser ressaltado que convites para cátedras no exterior não faltaram: para universidades da Alemanha, dos EUA, do Canadá; Maris recusou todos. Ele não só gostava da vida no Brasil, mas suas já mencionadas convicções contribuem para explicar as recusas: “no hemisfério norte sinto-me como uma rodinha na engrenagem, aqui tenho mais a sensação de participar do motor que move a engrenagem”.

Para que o presente texto não permaneça completamente fora dos padrões usuais das manifestações dessa natureza na Academia, adiciona-se o que segue.

Maris publicou perto de uma centena de artigos científicos em revistas indexadas, praticamente todos em colaboração com estudantes, autores juniores ou colegas, na grande maioria sendo ele o autor principal – apesar de sua insistência em que nas publicações a ordem dos nomes fosse alfabética, com raríssimas exceções. Orientou um grande número de estudantes, de mestrado e de doutorado: a primeira e a segunda geração de físicos do Instituto de Física da UFRGS foram por ele formados, total ou parcialmente. Parte de seus ex-alunos estão espalhados pelo Brasil.

Enquanto ainda estrangeiro, foi eleito em 1974 Membro Correspondente da Academia e, em 1989, depois de se naturalizar brasileiro, foi eleito (novamente) Membro Titular. Em 1996 foi admitido na Ordem Nacional do Mérito Científico, na categoria mais alta, Grã Cruz. Em 1990, a UFRGS concedeu-lhe o título de Professor Emérito e em 2007 foi agraciado com o título de Pesquisador Emérito pelo CNPq.

Resume-se assim a carreira de um físico brilhante e original, que recusou ao longo de décadas reiterados convites para assumir importantes cargos de pesquisa em instituições estrangeiras, preferindo contribuir para o crescimento científico e tecnológico de um país em desenvolvimento.”

Homenagem a Haity Moussatché

A Presidência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Diretoria do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e o Centro de Estudos do Instituto Oswaldo Cruz convidam a comunidade científica e amigos para a Sessão Solene comemorativa do centenário de nascimento do pesquisador Haity Moussatché.

A homenagem será no dia 17 de setembro, às 14:30h, no Auditório Emmanuel Dias, no Pavilhão Arthur Neiva, na Fiocruz, localizada na Av.Brasil, 4365. O diretor da ABC Jerson Lima representará a Academia no evento.

Confirmação de presença e mais informações pelos telefones (21) 2562-1216/15

Leia a seguir matéria sobre o homenageado publicada na revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos, em outubro de 1988.

“Haity Moussatché morreu de câncer aos 88 anos, dia 24 de julho, no Rio de Janeiro. Que perda foi para nós! Dos mais antigos e prestigiados cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pertenceu àquela geração formada pelos chamados discípulos de Oswaldo Cruz, o grupo pioneiro de Carlos Chagas, Arthur Neiva, Lauro Travassos, Henrique Aragão, entre outros.

Miguel Osório de Almeira, um dos grandes nomes da fisiologia brasileira, permaneceu pouco tempo no instituto, mas influenciou decisivamente a carreira do jovem judeu sefardita, emigrado de Smirna, que depois iria ser consagrado como um de seus mais talentosos sucessores. Fascinado pela biologia desde o curso secundário, rendeu-se completamente à carreira de pesquisador sob a influência das aulas teóricas de Álvaro Osório de Almeida e das aulas práticas ministradas por Thales Martins e Couto e Silva na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. A convite do primeiro, foi monitor de fisiologia até se formar, em 1933. No ano seguinte, iniciou estágio não-remunerado no laboratório de Miguel Osório, no Instituto Oswaldo Cruz (IOC), onde trabalhou alguns anos com o fenômeno da crio-epilepsia.

A necessidade de auferir alguma remuneração por seu trabalho levou-o a se transferir, em 1935, para a unidade que a Fundação Rockefeller mantinha no campus de Manguinhos, destinada à produção de vacina contra a febre amarela. Trabalhou com Wray Lloyd na cultura de vírus da doença. Dois anos depois pôde retornar ao laboratório de fisiologia, recebendo agora como extranumerário. Durante todo esse tempo nunca deixou de freqüentar o laboratório que os irmãos Osório de Almeida mantinham na residência particular da família, na rua Machado de Assis 45, bairro do Flamengo.

Em Manguinhos, em colaboração com Miguel Osório e Mário Vianna Dias, investigou vários aspectos das convulsões experimentais, e daí extraiu o tema de sua tese de livre-docência na Faculdade de Medicina, em 1948. A esta altura, já fazia parte do quadro permanente do IOC graças ao concurso aberto em 1941. Moussatché chefiou a seção de farmacodinâmica e, de 1958 a 1964, a de fisiologia. Nesse período, interessou-se pelas propriedades medicinais de substâncias extraídas de plantas nativas e, sobretudo, pelo estudo dos mediadores químicos na transmissão do impulso nervoso. Seus trabalhos sobre os choques anafilático e peptônico tiveram repercussão internacional, tanto que o convidaram a escrever o capítulo correspondente no volume 18(1): 645-59 da nova série do Handbook of Experimental Pharmacology (Berlim, Spinger Verlag, 1966).

Um dos fundadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 1948, participou intensamente dos movimentos e negociações visando fortalecer a área científica no contexto do desenvolvimentismo brasileiro. A convite de Darcy Ribeiro, integrou a comissão que planejou a Universidade de Brasília (UnB), em 1959 e 1960. Socialista e humanista, encarava a ciência como arma poderosa para a superação do subdesenvolvimento e a criação de uma sociedade mais justa e independente. Tal convicção levou-o a engajar-se na Associação para a Criação do Parlamento Mundial (1990), saudável utopia iluminista reavivada por homens de ciência renomados que se congregaram com o fim de conceber e difundir uma constituição universal, capaz de promover o entendimento entre as nações.

Apesar de aderir entusiasticamente à fé na positividade da ciência enquanto força social, Moussatché não aceitava o utilitarismo que sempre presidira, no Brasil, à relação de governos e, mesmo, de dirigentes de instituições com a ciência. Nas poucas conjunturas e nas restritas ilhas de excelência em que ela fora valorizada, valorizaram-na tão-somente como ciência aplicada, isto é, capaz de render benefícios imediatos, facilmente discerníveis, relegando-se a segundo plano o esforço estratégico de pesquisa básica.

Após o golpe de 1964, respondeu a inquérito policial-militar e, em 1970, quando a ditadura recrudesceu, ele e outros pesquisadores tiveram os seus direitos políticos cassados e foram aposentados compulsoriamente pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5). O chamado Massacre de Manguinhos não foi um episódio isolado na conjuntura política. O conflito entre os defensores da ciência pura e da ciência aplicada tornou o IOC mais vulnerável às pressões do Estado, que se aproveitou da cisão para suprimir de vez a sua autonomia e para colocá-la sob sua égide.

Moussatché foi acolhido pela recém-criada Universidade Centro-Ocidental Lisandro Alvarado, na cidade venezuelana de Barquisimetro. Começou em 1971 como professor contratado, responsável pela docência em fisiologia e farmacologia. No ano seguinte, era chefe da unidade de pesquisa em ciências fisiológicas da Escola de Veterinária. Em 1975, tornou-se professor titular e, até 1985, exerceu a presidência do Consejo Asesor de Investigación y Servicios (CADIS). Desenvolveu investigações farmacológicas, fez estudos sobre o fígado gordo e iniciou experimentos visando esclarecer o mecanismo de resistência que certos marsupiais (o gambá, por exemplo) apresentavam ao veneno da Bothrops jararaca.

Ao retornar ao Brasil, em 1985, nos albores da Nova República, já com Sérgio Arouca à frente da Fiocruz, foi convidado a reorganizar o Departamento de Fisiologia e Farmacodinâmica, áreas que tinham sido destroçadas na gestão de Francisco de Paula da Rocha Lagoa, primeiro como interventor em Manguinhos, depois como ministro da Saúde. Em 1986, aos 76 anos, Moussatché reassumiu seu lugar junto com outros cientistas banidos pela ditadura militar. Retomou o estudo que vinha desenvolvendo na Venezuela sobre o mecanismo de resistência de animais ao veneno de cobras, tendo em mira obter soro antiofídico mais eficiente do que o fabricado hoje.

Ao longo de sua vida científica publicou e apresentou mais de duzentos trabalhos. Foi membro fundador da Sociedade de Biologia do Brasil (1941) e da International Society of Toxicology (1953). Pertenceu à Academia Brasileira de Ciências (1953), à Academia de Ciências de Nova York (1959), à Federação Mundial de Trabalhadores Científicos (1959), aos conselhos científicos da Revista Brasileira de Biologia (1953) e da Acta Fisiológica Latino-Americana (1955), à Associação Venezuelana para o Progresso da Ciência (1974) e à Academia de Ciencias da América Latina. Em 1986, recebeu o prêmio Golfinho de Ouro do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Em 1993, foi condecorado na Venezuela e, um ano depois, o governo brasileiro agraciou-o com a Ordem Nacional do Mérito Científico, na classe Grã-Cruz.

Em ambos os países, Haity Moussatché formou numerosos pesquisadores que hoje dão à área de fisiologia e farmacodinâmica uma consistência muito superior à que tinha à época em que iniciou a brilhante carreira de investigador.

Deixou dois filhos do primeiro casamento – Ana Helena e Mendel – e foi casado em segundas núpcias com Cadem Moussatché. Os que tiveram o privilégio de conviver com ele guardam a lembrança de um homem sincero, ético, generoso, combativo, intransigente com os medíocres mas completamente dedicado aos familiares, amigos e discípulos. Não era pesquisador que se isolasse no laboratório. Otimista inveterado, amava a vida, o convívio com as pessoas, a leitura, a música, o balé, o cinema.

Manguinhos tem as suas lendas. Oswaldo Cruz já foi visto por muita gente a passear entre os velhos tomos guardados no castelo mourisco. Nós haveremos de rever sempre a figura simpática de Haity, olhos doces, cabelos e bigodes prateados, bengalinha e guarda-pó, a fazer-nos companhia no bandejão, todos os dias…”

Acadêmico Padre Moure faleceu em São Paulo

O padre e cientista Jesus Santiago Moure faleceu na manhã de sábado, dia 10, em Batatais, interior de São Paulo, aos 97 anos de idade. Padre Moure trabalhou na área de entomologia, especializando-se no estudo de abelhas. Além disso, dedicou-se ao desenvolvimento e expansão da ciência no Brasil, tendo participado da criação da SBPC, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Foi também um dos fundadores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Curitiba, que mais tarde seria integrada à Universidade do Paraná, federalizada em 1950. Trabalhou no Museu Paranaense, instituição mantida pelo governo do Estado do Paraná, do qual seria diretor.

Em 1961, ingressou na Academia Brasileira de Ciências (ABC), da qual recebeu o Prêmio Costa Lima, em 1970. Também recebeu as condecorações de Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico, em 1995, e da Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, em 1998.

Em 2006, recebeu também o Diploma de Pesquisador Emérito, como parte das comemorações dos 55 anos do CNPq, entidade que ajudou a fundar.

A Academia lamenta a perda do cientista e cumprimenta a família.

Morre um dos maiores virologistas brasileiros

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) informou o falecimento do virologista e Acadêmico Hermann Gonçalves Schatzmayr, aos 75 anos. Hermann estudou a pandemia de gripe de 1957-1958 no Rio de Janeiro e participou dos esforços de erradicação da varíola e de combate à poliomielite no País. Também foi o responsável pelo isolamento dos vírus do dengue 1, 2 e 3 no Brasil. Hermann morreu por falência múltipla dos órgãos, no Rio de Janeiro.

Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz por quase meio século, Hermann ingressou na Fiocruz em 1961, onde atuou desde então, afastando-se apenas durante períodos no exterior para estudos. Por 30 anos esteve à frente do Departamento de Virologia no Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que deu origem a diversos centros de referência nacionais e internacionais.

Ocupou o cargo de presidente da instituição entre 1990 e 1992. Membro da Academia Brasileira de Medicina Veterinária e da Academia Brasileira de Ciências, integrou vários comitês internacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em 1961, passou a integrar a equipe do recém-montado Laboratório de Poliomielite do Instituto Oswaldo Cruz, em Manguninhos. Na época único pesquisador da área de virologia na instituição, desenvolvia pesquisas que incluíam o isolamento e identificação do vírus da pólio e o estudo de surtos.

Pouco depois, liderou a equipe responsável pela diluição e distribuição da vacina Sabin – que acabara de ser adotada pelo Brasil e era importada na forma concentrada para o País.

Durante três décadas, atuou como coordenador da área de Virologia do Instituto Oswaldo Cruz e esteve à frente de projetos de pesquisas relacionados, além de poliomielite, varíola e rubéola, entre outros vírus.

Na década de 80, quando a epidemia de dengue já preocupava em alguns países da América Latina, dedicou-se ao estudo do vírus, isolando pela primeira os tipos 1, 2 e 3.

Nesta época já contava com o companheirismo, também no laboratório, da esposa Ortrud Monika Barth, pesquisadora da Fiocruz, com quem foi casado durante 49 anos.

Hermann Schatzmayr deixa esposa, dois filhos, cinco netos.

A Academia cumprimenta a família e lamenta o falecimento de tão ilustre Membro.

Oswaldo Frota-Pessoa morre aos 93 anos

Morreu em 24 de março, aos 93 anos de idade, em São Paulo, o geneticista e Acadêmico Oswaldo Frota-Pessoa. Nascido no subúrbio do Rio de Janeiro em 1917, ele foi pioneiro no estudo da genética humana do Brasil. Entre outros prêmios, recebeu o Kalinga, da Unesco, em 1982. Recebeu também o prêmio José Reis de Divulgação Científica (1980) e tornou-se professor emérito do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo.

O Professor Emérito da Unicamp e Acadêmico Bernardo Beiguelman enviou artigo ao “JC e-mail” homenagenado o recém-falecido Acadêmico Oswaldo Frota-Pessoa. Leia o artigo na íntegra.

“O Frota foi meu orientador, era uma pessoa absolutamente fantástica, não só como pesquisador, mas como educador, que tratava todos com muito carinho, conseguia motivar muito os alunos”, afirmou a geneticista da USP e Acadêmica Mayana Zatz. “Eu o conheci assim que entrei na faculdade, com 17 anos. Frota formou todos os geneticistas médicos da minha geração e da que me antecedeu. Formou uma escola.”

Seu pai, José Getulio da Frota-Pessoa, foi um importante educador, tendo participado do movimento de renovação do ensino que ocorreu na década de 1930, informa Rodrigo V. Mendes da Silveira, da Faculdade de Educação da USP. Segundo Mendes da Silveira, o cientista gostava de se definir como um “racionalista empedernido”.

Frota-Pessoa formou-se em História Natural pela Escola de Ciências da Universidade do Distrito Federal (1938) e na Faculdade de Medicina da então denominada Universidade do Brasil (1941), hoje Federal do Rio de Janeiro. No mesmo ano, cursou técnicas de pesquisa biológica no Instituto Oswaldo Cruz e doutorou-se em História Natural na Faculdade Nacional de Filosofia, também no Rio. Membro da Sociedade Brasileira de Botânica e de Genética e da Academia Brasileira de Ciências, Frota-Pessoa escreveu diversos livros nos campos da genética humana e citogenética.

Era casado com a Acadêmica Elisa Frota-Pessoa, pioneira entre as brasileiras nos estudos de Física e fundadora, em 1948, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, do qual foi afastada em 1969 em decorrência do Ato Institucional número 5 (AI-5).

A Academia Brasileira de Ciências solidariza-se com a família e lamenta a perda do brilhante cientista brasileiro.

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