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Ricardo Brentani, diretor-presidente da FAPESP, morre aos 74 anos

O Acadêmico Ricardo Renzo Brentani, diretor-presidente da FAPESP, morreu nesta terça-feira (29/11), vítima de infarto. O velório será nesta quarta-feira (30/11), a partir das 7h, no anfiteatro do Hospital A.C. Camargo, R. Tamandaré 766, São Paulo.

Professor emérito da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Brentani era presidente da Fundação Antônio Prudente, que mantém o Hospital A.C. Camargo, e coordenador do Centro Antonio Prudente para Pesquisa e Tratamento do Câncer, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da FAPESP. Foi diretor do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer.

“Lamento profundamente o inesperado falecimento do querido amigo professor Ricardo Brentani, presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP. Professor Brentani, professor emérito da FMUSP, liderança acadêmica e grande pesquisador com reconhecimento internacional, mobilizador de equipes e consolidador de instituições como o Hospital A.C. Camargo, deu, com sua forte personalidade e aguda inteligência, uma contribuição inestimável para a elevação do patamar de qualidade da FAPESP. Sua falta será sentida por todos nós, seus companheiros e colegas de trabalho”, disse Celso Lafer, presidente da FAPESP.

Membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Brentani recebeu diversos prêmios e condecorações, como a Ordem Nacional do Mérito Científico (Grã-Cruz), o Prêmio Costa Junior, da Academia Nacional de Medicina, e o Prêmio Ciência e Cultura da Fundação Conrado Wessel.

Em agosto, foi agraciado com o Prêmio Octavio Frias de Oliveira, na categoria “Personalidade de Destaque”. Promovido pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), em parceria com o Grupo Folha, o prêmio tem o objetivo de reconhecer a produção de conhecimento na prevenção e combate ao câncer.

“Se tenho algum mérito que justifique minha indicação para o prêmio, preciso dividi-lo com minha mulher, Maria Mitzi Brentani, com Isaias Raw, que me ensinou a gostar de estudar e crescer, e com um número enorme de jovens que acreditou em mim ao longo da minha carreira”, disse Brentani ao receber o prêmio.

Um dos principais nomes no mundo em pesquisa do câncer, Brentani atuava principalmente com estudos relacionados ao papel do nucléolo no processamento de mRNA, à caracterização de mRNAs de colágenos e à adesão celular e metástase.

Foi o primeiro professor titular da disciplina de Oncologia em uma universidade brasileira, como lembra Roger Chammas, professor da FMUSP e membro da Coordenação de Área de Saúde da FAPESP.

“Cada um de nós saberá identificar um traço da personalidade de Brentani, que se destacou como gestor, acadêmico, educador e formador de instituições. Como ex-orientando de Brentani, posso destacar sua posição de cientista ousado e à frente de seu tempo”, disse.

Segundo Chammas, na década de 1960, na FMUSP, Brentani já estudava a capacidade informacional do nucléolo, tema que ainda hoje é pouco explorado. “Nas décadas de 1960 e 1970, ele introduziu pesquisas pioneiras na área atualmente conhecida como biologia molecular, mas que ainda não tinha esse nome. Os estudos dessa época foram precursores da biotecnologia”, destacou.

No início dos anos 1980, Brentani foi indicado como a pessoa ideal para liderar a filial paulista do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer. A instituição se tornaria logo um centro de referência nacional e internacional de estudos na área de oncologia e um grande celeiro de lideranças científicas.

“Dessa forma, ele formou diferentes grupos de pesquisa, nas áreas de epidemiologia, imunologia, biologia celular, genética e genômica do câncer, bioinformática, neurobiologia, patologia molecular e um grupo muito forte de pesquisa clínica. A cada grupo formado, o professor Brentani conseguia se reinventar”, disse Chamas.

Brentani também idealizou e implementou o primeiro curso de pós-graduação em um hospital privado brasileiro, o Hospital do Câncer A.C. Camargo, instituição de referência em pesquisa, ensino e assistência oncológica.

“Ser o primeiro é sempre uma tarefa árdua. Ele deu início à carreira de oncologia na época em que o conceito era muito novo e nem sempre aceito na comunidade médica e universitária. Seus esforços tornaram possível a grande capacidade instalada que temos hoje na área e foi o embrião de tudo o que estamos vendo na USP em relação à pesquisa sobre câncer”, disse Paulo Hoff, diretor-geral do Icesp, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês e professor de Oncologia do Departamento de Radiologia da FMUSP.

“Todo esse trabalho na área de oncologia na FMUSP e no Hospital das Clínicas teve início com a atividade desenvolvida por Brentani, que teve o grande mérito de levar adiante uma missão que era quase impossível: articular as diferentes especialidades clínicas e cirúrgicas existentes para a constituição de um núcleo oncológico, que foi evoluindo até desencadear o programa piloto que deu origem ao Icesp”, afirmou Hoff.

Nascido em 21 de julho de 1937, em Trieste, Itália, filho de Segismundo e Gerda, Brentani cursou o secundário no Instituto Mackenzie de 1949 a 1955. Graduou-se pela FMUSP em 1962. Doutorou-se em 1966 pelo Departamento de Química Fisiológica e Físicoquímica da FMUSP, tendo como orientador Isaias Raw.

Em outubro, Brentani participou da FAPESP Week, em Washington, quando falou sobre o tema “Molecular genomics and genetics in the management of cancer”. Era diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP desde 2004.

Ciência, Tecnologia e Inovação

Leia o artigo enviado para as Notícias da ABC pelo Acadêmico Sérgio Mascarenhas, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP-São Carlos:

“Recentemente, o Ministério de Ciência e Tecnologia passou a denominar-se Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. A mudança foi adequada? Embora o ministro anterior – um dos melhores que o Brasil já teve, Sergio Machado Rezende – tivesse prestigiado fortemente a inovação, criando inclusive uma Secretaria especial e indicado para ela um grande cientista, Ronaldo Mota (que, aliás, continua nessa função com o presente Ministro), acho que a mudança do nome foi oportuna e gostaria de aproveitar para discutir o tema, da maior importância para o desenvolvimento não só da ciência e tecnologia mas da educação em geral.

Para isso vou me valer de dois símbolos da sociedade global: Einstein e Bill Gates, que ladeiam a figura de Janus, o único deus romano não copiado da mitologia grega, com seus dois instigantes e filosóficos olhares, um para o passado outro para o futuro. Começo pelo cenário da história da ciência e tecnologia: a convergência temporal das duas é a característica principal dos tempos atuais. Enquanto as leis da eletricidade e magnetismo foram estabelecidas por Faraday e Maxwell, nas quais se baseia o funcionamento do motor elétrico, cerca de quatro décadas foram necessárias para o seu pleno desenvolvimento tecnológico. Mas o tempo entre a descoberta das ondas eletromagnéticas e suas aplicações já foi mais curto: apenas duas décadas. Entretanto, no mesmo ano que o laser, essa fabulosa fonte de luz, foi inventado já houve aplicações tecnológicas para o mesmo!

Hoje a característica de nossa era, o séc. XXI, é a vida curta de produtos, processos e serviços -característica da economia globalizada, impulsionada pelos negócios que exigem competitividade acelerada. O cerne dessa convergência, a sua força motora é a inovação tornada permanente, necessária, característica fundamental do dinamismo dessa interação entre ciência e tecnologia.

Mas na nossa sociedade, ou melhor, na cultura brasileira, temos características de inovação? Claro que temos: no futebol, no carnaval, certamente. Ocorre, entretanto, que os nossos jovens talentos não foram educados para a cultura dinâmica da ciência, tecnologia e inovação. Uma razão óbvia pode ser encontrada por uma simples visão da nossa sociedade: campos de pelada em todo o Brasil, nas cidades, nas periferias, em qualquer esquina desocupada. Carnaval começa logo depois que acaba pela continuidade das escolas e sociedades carnavalescas. Há até um sinergismo entre futebol e carnaval – as torcidas, tipo Gaviões da Fiel, são também transformadas em escolas de samba no carnaval. Mas nas escolas com e minúsculo, isto é, do sistema educacional, a ciência e a tecnologia são poucas e a inovação – quer seja nos métodos, quer nos processos de ensino-aprendizagem, que só recentemente despontam, tímida.

Temos uma infraestrutura de escolas de curto tempo – não a Escola Parque sonhada por Anísio Teixeira, mas a escola mínima cartorial, da violência e bullying na sala de aula , sem tecnologia educacional moderna. Seus professores são portadores do que chamo Síndrome dos Quatro Medos: medo do aluno, medo do seu desamparo em técnicas e conteúdos didático-pedagógicos, medo do conhecimento avassalador que jorra pela internet e medo de seu futuro social como carreira, desprezada que foi não somente pelo Estado mas até pelos sistemas privados, que os escravizam com salários irrisórios e cargas didáticas intensas.

Mas nosso tema é a inovação! Como inovar em um ambiente desses sem qualquer motivação, seja para Einsteins ou Bill Gates? Recentemente, a Universidade Rockefeller recebeu o seu 26º Prêmio Nobel, dessa vez em medicina – uma única universidade em Nova Iorque com 26 prêmios Nobel! O Brasil não tem sequer um Nobel, nem mesmo em humanidades – a menos que se considere a Copa do Mundo equivalente ao Nobel e os festejos carnavalescos como tal! Falta mesmo é educação para ciência, tecnologia e inovação, uma nova cultura, diferente dessa que recebemos de nossos colonos machistas, escravagistas e exploradores de nossas riquezas naturais, sem lhes agregar quaisquer inovações. A Embrapa, em tempos recentes, acordou para essa visão e o fez pela ciência, tecnologia e inovação, provando que sem Einsteins inovadores não teremos os Bill Gates empresariais – pelo menos em número e qualidade suficientes para uma inserção virtuosa no mundo globalizado.

Estou há tempos propondo uma Rede de Agências Multimídia, associada a uma Rede de Centros e Museus de Ciências e Tecnologia com centrais de produção nas cinco regiões do Brasil para difusão da ciência, tecnologia, inovação tanto na educação como nas empresas para sairmos desse atraso histórico. Quem sabe a angustiada solicitação da Academia Brasileira de Ciências e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência por uma participação no pré-sal possa ser ouvida para essa finalidade? Seria um grande momento na história do Brasil, mas teria que ser ouvido no meio da gritaria dos estados produtores e não produtores sem explicitações de missões como essa que discutimos em prol da ciência, tecnologia, inovação na educação. Esperemos que, desprezada pelos ilustres senadores, a sugestão da SBPC-ABC possa ser atendida pela Câmara Federal, o que se constituirá numa decisão histórica tão importante como a da Independência brasileira, desta vez dos grilhões do subdesenvolvimento.”

Steve Jobs e a Terceira Cultura

Leiam artigo que o Acadêmico Sérgio Mascarenhas, coordenador do Instituto de Estudos Avançados da USP de São Carlos, enviou para as Notícias da ABC em 13/10:

O século XX trouxe grandes revoluções na ciência, na tecnologia e também na cultura, para a humanidade em geral. Mas, sobretudo, preparou as outras grandes revoluções que explodiram logo no começo do séc.XXI, uma das quais estamos vivendo plenamente agora: a globalização do conhecimento, a democratização, embora imperfeita, das comunicações entre os seis bilhões de seres humanos que habitam o planeta Terra. Pensem que, só no Brasil, temos milhões de celulares, computadores e TVs. Claro que há lixo misturado com coisas lindas, como o mar azul que permanece depois que a multidão de banhistas deixa a praia suja. Mas se verdadeiramente amamos o belo, sozinhos na praia, no meio do lixo, miramos o mar e guardamos aquele momento de pura beleza. E começamos a pensar e a ligar os pontos do passado, como cansou de dizer Steve Jobs, para entender o presente e imaginar o futuro. Outro grande pensador e cientista do século XX, C.P.Snow, viu o futuro no que chamou a Terceira Cultura. Ele começou por descrever o presente, que chamou das Duas Culturas, separadas, distantes e às vezes até conflitantes. Essa duas culturas eram a ciência e tecnologia de um lado e as humanidades e artes do outro lado .

Depois, Snow sonhou com um futuro, no qual as duas culturas convergiriam magnificamente para o que chamou a Terceira Cultura: a convergência entre os saberes, a sua inter-fertilização criativa e inovadora: razão e emoção, lógica e intuição, praticidade e serendipitia, ambição e generosidade, todos se completando.

A vida e a morte de Steve Jobs nos ensinam tudo isso: ele foi cientista, tecnólogo embora sem diplomas, mas também artista do design, poeta, filósofo do cotidiano, com suas frases impressionantes já em face da morte iminente: “a morte nos deixa nus”, disse ele, “portanto faça o que o seu coração quer, siga o seu coração, amando o que faz e os outros”. Foi um ser humano que encarnou a Terceira Cultura e enriqueceu a humanidade, permitindo que bilhões usufruíssem da beleza da inovação, espalhando imagens, músicas, textos, e-books e a mágica da comunicação global das redes sociais, da engenharia de sistemas – agora chamada de “sistemas complexos”, cujo melhor exemplo é a própria internet, a web onde navegam as redes sociais, o ensino a distância , como navegaram antes pelos oceanos desconhecidos e aterrorizantes os antigos navegantes, dos gregos aos portugueses, ou no espaço extra-terrestre, como os atuais astronautas.

Mas o que mais nos ensina na sua morte pelo câncer é a bravura da lição que a própria morte lhe deu, aconselhando a vida plena e entusiasmada aos jovens ainda em plena vida. Uma lição de Terceira Cultura no século XXI, sonhada por C.P. Snow no século XX. Como dizia Steve Jobs, “o passado serve para você aprender a ver os pontos se unirem no futuro.”

Os 4 Is da Inovação

Leia a crônica enviada às Notícias da ABC pelo Acadêmico Sérgio Mascarenhas de Oliveira, físico fundador da Embrapa Instrumentação e Agronegócio, em São Carlos e coordenador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), também em São Carlos:

“O mecanismo do processo inovativo tem uma estrutura que está ligada à dinâmica do funcionamento da própria inovação. É o que procuraremos discutir nesta crônica.

Em primeiro lugar, chamamos atenção para a conceituação que todos os sistemas, por mais complexos que sejam, terão sempre duas grandes sub-estruturas: sua anatomia e sua fisiologia. Usando o conceito de que todos os processos podem sempre ser bio-modelados, essa divisão é óbvia.

Chegando a essa rota conceitual, é obrigatória a introdução da evolução como um processo vinculado necessariamente ao modelo epistemológico a ser introduzido para discussão da inovação até aqui. O cenário nos parece bem construído, mas surgem de imediato as questões mais duras e difíceis: como fazer essa análise tanto da anatomia como da fisiologia da inovação? Minha proposta: a própria anatomia requer e induz a uma fisiologia! Parece uma resposta tautológica? Mostrarei que não, de uma maneira muito simples: usando uma metáfora linguística. A estrutura compõe-se de 4 letras iguais, conotando ao mesmo tempo a anatomia e a fisiologia. Tomo quatro letras I maiúsculas, indicativas dos seguintes processos: I de invenção; I de imitação; I de interdisciplinaridade e I de imperfeição.

Essa estrutura (anatomia) contem interações que são a própria fisiologia subjacente ao processo global da inovação! E contém também, forçosamente, a natureza evolutiva da inovação. Invenção é o primeiro salto para o universo inovativo. Pensem num feto humano, por exemplo. Constituído o embrião, ele se reinventa continuamente, apesar de altamente vinculado pela sua genômica; esta, também através de interações com o ambiente externo, recebe continuamente estresses evolutivos e, assim, cria-se um sinergismo evolutivo.

Imitação é fundamental como uma fonte de conhecimentos e informações muito econômicas, sob o ponto de vista de gasto energético, isto é, da termodinâmica do processo de aprendizagem e aquisição de conhecimentos que o alimentam. Todos nós sabemos da sociologia a tremenda importância da imitação no processo evolutivo. Mas as várias fontes disponíveis de informação e conhecimentos exigem que a diversidade dessas mesmas fontes ocasionem vantagens comparativas entre os processos evolutivos: quanto mais ricas as disciplinas, áreas, fontes de conhecimento, sua interdisciplinaridade, maior será tanto a taxa como a quantidade e, mesmo, a qualidade da inovação!

Chegamos agora ao que considero o componente mais importante dos Is: o que está ligado à imperfeição. É esse fundamental elemento que introduz a complexidade nos sistemas inovativos! Suas bifurcações conduzem a processos de enorme não-linearidade, através das incertezas inerentes à sua própria natureza intrínseca; isso leva à complexidade, conceito fundamental que afeta tanto a anatomia como a fisiologia, obrigando-as a varrer o espaço das fases das suas configurações em um riquíssimo processo espaço-temporal. As inovações funcionam como atratores caóticos, das quais o próprio sistema pode gerar novas inovações!

A perfeição é estagnante, mas a imperfeição gera novas trajetórias continuamente. O mundo das incertezas é o mais rico e inovativo dos disponíveis para qualquer sistema, seja um grupo social, uma estrutura econômico-financeira ou qualquer outro sistema material. Faço então uma paráfrase à Descartes: ERRO, logo, existo!”

Mais uma vez Sérgio Mascarenhas tem razão

Leia artigo do Acadêmico Constantino Tsallis, comentando entrevista do Acadêmico Sérgio Mascarenhas para a Fapesp:

Em entrevista no dia 2 de setembro à Agência Fapesp, o Acadêmico Sérgio Mascarenhas focaliza os sistemas complexos ou, equivalentemente, o fenômeno da complexidade. Ele faz, mais precisamente, a distinção entre a ciência dos sistemas complexos e a ciência de suas consequências práticas.

O estudo dos fundamentos da complexidade é, além de fascinante, necessário quando o que se deseja é a compreensão profunda dos fenômenos envolvidos, suas causas, suas conseqüências. Necessário, sim, mas não suficiente quando o que se deseja é atingir a sociedade como um todo, e não somente sua atávica procura de universalidade, de satisfação de sua curiosidade — o Homo sapiens é sapiens porque é curioso, o mais curioso dos animais! Se não é suficiente, de que mais precisa?

Exatamente aquilo do qual fala Sérgio Mascarenhas, isto é, a ponte que conecta esses conhecimentos a suas aplicações. A ciência é necessária à engenharia, mas nao é suficiente. O tipo de saber envolvido nas ciências é primo irmão do saber envolvido nas suas aplicações, mas é certamente diferente. Como disse muitos anos atrás o notável físico Anatole Abragam, em sessão inaugural do Institut de France, na presença do presidente Valéry Giscard dEstaing e seus ministros, o cientista aplicado é aquele que, se a coisa funciona, não lhe interessa primordialmente o porquê, enquanto que o cientista puro, se ele sabe o porquê, não lhe interessa primordialmente como, mesmo se não funciona. No rio do saber humano, o cientista puro – o físico, o químico, o biólogo, o astrônomo, o linguista – procura as fontes, de onde a água vem, enquanto o cientista aplicado – o engenheiro, o médico – olha para onde as águas vão. É a simbiose de ambos os saberes que tem propulsado a humanidade ao longo da sua história, para o melhor e para o pior.

Muitas décadas atrás, Sérgio Mascarenhas criou, na qualidade de reitor, a Engenharia de Materiais na Universidade Federal de São Carlos. Esta disciplina se beneficiou enormemente do gabarito de muitos cientistas dos materiais provenientes da USP de São Carlos, ali ao lado, e da Unicamp, de Campinas. Mas seu conteúdo foi, como não poderia deixar de ser, diferente do da ciência dos materiais. A atual proposta de Sérgio Mascarenhas de incentivar, de criar no Brasil cursos de Engenharia de Sistemas Complexos, corre em via totalmente paralela, e, se implementada, não tenho dúvidas de que terá também um grande sucesso, como de fato acontece hoje com as Engenharias de Materiais. A comparação é muito eloquente e é a que percorre o mundo desenvolvido de hoje, levando os conhecimentos das nanociências para as nanotecnologias e destas para os celulares, para a internet, para a medicina a cada dia menos invasiva, para somente citar alguns exemplos conhecidos de todos.

E o que seria mais exatamente esta Engenharia de Sistemas Complexos? Ela deve consistir no domínio das características práticas dos sistemas complexos – feitos de muitos elementos relativamente simples interconectados em geometrias frequentemente hierárquicas, fractais, irregulares. O comportamento coletivo de tais sistemas, suas estruturas e dinâmicas sofisticadas, originam-se em elementos que interagem através de dinâmicas de grande simplicidade. É na interminável repetição, nos grandes números, que nascem os fenômenos macroscópicos que o homem observa e nos quais está imerso. É isto que ocorre nas complexas dinâmicas ecológicas, nos desastres naturais, como tsunamis, terremotos, furacões, na complexa evolução de nosso meio ambiente, nas profundas modificações que o homem – querendo ou sem querer – vai provocando na fauna e na flora, na agricultura. É assim também no plasma do vento solar, intensamente estudado pela NASA, ESA e outros organismos internacionais, acompanhados pelas Nações Unidas.

É isto que ocorre na evolução das línguas e das culturas, dos mercados, na camada de ozônio, nos surtos epidêmicos da doença de Chagas, do dengue, da tuberculose. É isto que ocorre nas turbulências da nossa atmosfera, das galáxias, das multidões e da fusão nuclear no tokamak, que talvez venha a representar uma das mais importantes fontes de energia para uso humano para nossos filhos, nossos netos. É talvez isto que ocorra nas profundezas das sopas de quarks e glúons que se formam após as formidáveis colisões entre prótons e outras partículas elementares, que são provocadas no poderoso LHC em Genebra, ou em Brookhaven, nos Estados Unidos, ou nos fluxos de raios cósmicos, observados pelo observatório Auger. Todas essas manifestações da natureza, dos sistemas artificiais e dos sistemas sociais têm surpreendentes elementos em comum. É isto que estuda a ciência dos sistemas complexos – razão de ser do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Sistemas Complexos, criado três anos atrás e congregando atividades de 36 cientistas de 18 instituições do Brasil.

E qual é o foco proposto para uma Engenharia de Sistemas Complexos? As aplicações práticas desses conceitos no processamento de sinais (eletrocardiogramas, eletroencefalogramas, temperaturas de El Niño, perfis ao longo dos acessos a reservatórios de petróleo), no processamento de imagens (de mamografias, de tomografia computadorizada, de visão noturna, das placas -ocasionalmente sujas, ou enferrujadas – dos carros que atravessam sinais em vermelho ou que viajam a velocidades proibidas), da classificação automática de centenas e milhares de células normais ou cancerosas. As aplicações práticas para a otimização das rápidas e numerosíssimas operações financeiras do mundo de hoje, dos algoritmos computacionais que regulam procedimentos de praxe nas indústrias química e farmacêutica, do tráfego de sinais na internet e outras redes computacionais, e no de carros e motocicletas nas grandes cidades. A lista é simplesmente interminável.

Mais uma vez, como quando patrocinou a criação da Engenharia de Materiais em São Carlos e o Departamento de Física de Recife, ou quando, durante um seminário na UnB, 35 anos atrás, disse: “Nos países subdesenvolvidos, temos que estar sempre atentos, pois até quando a gente tem razão, dizem que a gente está errado”, Sérgio Mascarenhas está coberto de razão.

Por uma nova engenharia

Leia entrevista do Acadêmico Sérgio Mascarenhas para a Agência Fapesp, publicada em 2 de setembro:

O Brasil está ficando para trás em uma área de fronteira do conhecimento, denominada “sistemas complexos”, que é tão importante como a nanotecnologia e as terapias com células-tronco, nas quais o país tem investido e em que a nova área também se aplica.

O alerta é de Sérgio Mascarenhas, professor e coordenador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP).

No início da década de 1970, quando foi reitor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Mascarenhas idealizou e lançou o curso de engenharia de materiais, pioneiro na América Latina.

Segundo ele, o país deve investir agora na criação da engenharia de sistemas que interagem entre si e que são de alta complexidade, como são definidos os sistemas complexos. Ou, caso contrário, poderá ficar muito atrás de países como os Estados Unidos, que lideram nas pesquisas nessa nova área que reúne física, química, biologia, educação e economia, entre outras especialidades.

Em 2008, Mascarenhas fundou no IEA de São Carlos, juntamente com o professor do Instituto de Química da USP de São Carlos Hamilton Brandão Varela de Albuquerque e a professora do Instituto de Física Yvonne Primerano Mascarenhas, um grupo de trabalho em sistemas complexos para contribuir para o desenvolvimento de pesquisas na área no país.

Por meio de uma associação com o Nobel de Química de 2007, Gerhard Ertl, premiado por suas pesquisas em sistemas complexos, e com um aluno do cientista alemão na Coreia do Sul, os pesquisadores brasileiros estabeleceram uma rede internacional de pesquisas na área conectando os três países.

Agora, a proposta de Mascarenhas é fomentar no Brasil a criação de um programa de pós-graduação em engenharia de sistemas complexos para diminuir o atraso do país nessa área.

Professor aposentado da USP, Mascarenhas contribuiu para a criação da área de pesquisa em física da matéria condensada no campus de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), no fim dos anos 1950; da Embrapa Instrumentação Agropecuária, no final da década seguinte, na mesma cidade, e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no começo dos anos 60.

Em 2007, Mascarenhas ganhou o prêmio Conrado Wessel de Ciência Geral e, em 2002, a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico.

Professor visitante de diversas universidades estrangeiras, em suas pesquisas Mascarenhas tratou de assuntos diversos, como os eletretos, corpos permanentemente polarizados que produzem um campo elétrico e que seriam utilizados mundialmente na fabricação de microfones e aparelhos telefônicos.

No início da carreira, o pesquisador se dedicou ao estudo do efeito termo-dielétrico. Mais tarde, também realizou trabalhos na área de dosimetria de radiações (processo de monitoramento de radiação emitida), o que lhe permitiu, por exemplo, medir a quantidade de radiação existente em ossos de vítimas de Hiroshima.

Recentemente, Mascarenhas desenvolveu um método minimamente invasivo para medir pressão intracraniana que recebeu apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) para ser difundido no Brasil e em toda a América Latina. O projeto foi desenvolvido com apoio do Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE).

Agência FAPESP – O que é a engenharia de sistemas complexos?

Sérgio Mascarenhas – É uma engenharia de sistemas de sistemas. O que já existe é a engenharia de sistemas, que é aplicada em logística, em transporte e em sistemas construtivos, entre outras áreas. O que não existe é uma engenharia de sistemas que interagem entre si e que são complexos. O melhor exemplo de um sistema de sistemas é a internet, onde há desde pornografia até o Wikileaks e o Google.

Agência FAPESP – Em quais áreas a engenharia de sistemas complexos pode ser aplicada?

Mascarenhas – Ela se aplica não só a materiais mas em operações financeiras e no agronegócio, por exemplo, em que há uma série de problemas que influenciam a produção agrícola. Há o problema do solo, de defensivos e insumos agrícolas, de estocagem e transporte, por exemplo, para que toda a produção da região Centro-Oeste do Brasil seja exportada.

Agência FAPESP – São sistemas que envolvem muitas variáveis?

Mascarenhas – Exatamente. Todo sistema que apresenta muitas variáveis é um sistema complexo. E isso pode se agravar se a interação entre essas variáveis for não linear. Por exemplo, no agronegócio, se dobrar a produção de milho, se quadruplicar o preço do transporte do sistema logístico frente às dificuldades das estradas brasileiras, aí aparecem as chamadas não linearidades. Então, quando se tem um sistema complexo, as variáveis podem interagir não linearmente. Elas podem se multiplicar até exponencialmente.

Agência FAPESP – O que o motivou a encampar a criação no Brasil dessa nova área?

Mascarenhas – Neste ano se comemoram 40 anos da criação do curso de graduação em engenharia de materiais na UFSCar, que idealizei quando era reitor da universidade e que é um sucesso. Agora, achei que deveria propor algo mais moderno, voltado para o século 21. A engenharia de sistemas complexos é uma área nova e muito interessante e para qual não está sendo dada a devida atenção no Brasil. Se fala bastante no país em pesquisa em áreas como a nanotecnologia e células-tronco, mas não sobre a engenharia de sistemas complexos, que se aplica a todas essas áreas e na qual não estamos formando gente.

Agência FAPESP – Como essa nova engenharia poderia ser implementada no país?

Mascarenhas – A ideia seria criar um programa de pós-graduação em engenharia de sistemas para formar professores e pesquisadores nessa área. Não existe engenharia de sistemas complexos no Brasil e não há pesquisadores no país nessas áreas nem em faculdades tradicionais, como a Escola Politécnica da USP e as Faculdades de Engenharia da USP de São Carlos e da UFSCar. O que já existe no Brasil é engenharia de sistemas, mas não uma engenharia de sistemas que interagem entre si e que são de alta complexidade.

Agência FAPESP – Por que essa nova engenharia ainda não existe no Brasil?

Mascarenhas – Porque é uma área muito nova e no Brasil há uma preocupação em “tapar o buraco” de uma porção de outras engenharias, como a de materiais, de sistemas elétricos e até de meio ambiente, e se perde o futuro tratando do passado. É um atraso muito grande da engenharia brasileira ainda não atuar em sistemas complexos. Além disso, o problema dessas áreas novas é que é preciso ter bons contatos internacionais e políticas de Estado – e não de governo – para enfrentar algo que representa um risco.

Agência FAPESP – De que modo as pesquisas nessa área no Brasil poderiam ser articuladas?

Mascarenhas – Teríamos que ter uma rede. Hoje não se faz nada, se se quer ter impacto, sem falar em rede de pesquisa. Mesmo porque ainda somos tão poucos no Brasil que se não nos juntarmos em rede conseguiremos muita pouca coisa, por falta de massa crítica. Um centro de pesquisa nessa área não pode ser sediado só em São Carlos. Outras universidades também estão interessadas.

Agência FAPESP – Há algum grupo de pesquisa nessa área no Brasil?

Mascarenhas – No Instituto de Estudos Avançados da USP, em São Carlos, temos um grupo de trabalho sobre sistemas complexos. Essa é uma história interessante porque quem ganhou o prêmio Nobel de Química em 2007 foi um cientista alemão, chamado Gerhard Ertl, por suas pesquisas sobre sistemas complexos. E nós, no IEA, fizemos uma associação com o Ertl, na Alemanha, e com um aluno dele na Coreia do Sul. Então, agora temos em São Carlos uma rede de pesquisa sobre sistemas complexos integrando Berlim, São Carlos e a Coreia do Sul.

Agência FAPESP – Quais os países que lideram nas pesquisas em sistemas complexos?

Mascarenhas – O país que está na vanguarda nessa área são os Estados Unidos, com o MIT [Massachusetts Institute of Technology], com um centro que lida muito com questões bélicas. A própria guerra é um sistema complexo, porque nela há uma série de sistemas interagindo, como o de transportes, ofensivo, estratégico e de logística, para alimentar os soldados e transportar equipamentos e armamentos. Os militares lidam com sistemas de sistemas. Aliás, se olharmos para o passado, vemos que muitas aplicações de engenharia foram motivadas pelo poder bélico, como a internet, a robótica e bombas atômica e de fusão. O grande problema da humanidade hoje é criar instituições motivadoras de inovação que não sejam estimuladas apenas pela guerra militar, porque temos outras guerras para vencer. Tem a guerra da saúde, da educação, da violência urbana e muitas outras. E a engenharia de sistemas complexos pode ser aplicada para acabar com essas guerras sociais. Se o Brasil não aproveitar essa chance para ingressar nessa área, vamos ficar muito para trás em relação a outros países.

Falece José Marques Correia Neves

Morreu nesta terça-feira, 9, aos 82 anos, o professor José Marques Correia Neves, aposentado do Departamento de Geologia do Instituto de Geociências (IGC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Professor Emérito da UFMG, era membro da Academia Brasileira de Ciências. Foi agraciado com a Ordem do Mérito Científico do CNPq. Fundou, em 1981, o Centro de Pesquisa Professor Manoel Teixeira da Costa (CPMTC), “sua mais importante criação para institucionalização da pesquisa em geologia na UFMG”, segundo o professor Antônio Carlos Pedrosa Soares, que teve Correia como primeiro orientador e inspirador científico.

Pedrosa afirma que José Marques Correia Neves “desde Coimbra, aprendeu, exercitou e disseminou, por muitas terras, o valor da Ciência na formação das pessoas e desenvolvimento dos povos”.

Em documento endereçado a amigos e pesquisadores de vários países que conviveram com Correia Neves, Pedrosa expressa seu “profundo agradecimento pelos ensinamentos e pela criação do CPMTC”.

Leia homenagem prestada a Correia Neves prestada em 2000, na revista Geonomos, do IGC.

Membro Correspondente Morris Pollard falece aos 95 anos

Faleceu, no dia 18 de junho, o Membro Correspondente da ABC Morris Pollard. O norte-americano de 95 anos era professor emérito de Ciências Biológicas e diretor do Laboratório Lobund da Universidade de Notre Dame, em Indiana, nos Estados Unidos.

Nascido em 1916, o patologista experimental graduou-se na Universidade do Estado de Ohio em 1938, concluiu o mestrado no Instituto Politécnico de Virginia em 1939 e o doutorado na Universidade de Berkeley, na Califórnia, em 1950. O Membro Correspondente pesquisou sobre doenças virais e descobriu o primeiro retrovírus em 1938. Pollard pesquisava sobre a leucemia aviária para o Departamento de Agricultura dos EUA quando começou a Segunda Guerra Mundial, em 1939.

Durante quatro anos, ele serviu ao US Army Veterinary Corps, que visa apoiar a estratégia militar nacional oferecendo ajuda médica veterinária. Lá, ele pesquisou e testou vacinas para doenças exóticas que atingiam soldados no Pacífico, como Tifo e Pneumonia Atípica Primária. A exposição a esse trabalho perigoso, que chegou a matar dois colegas de Pollard e deixou outros com deficiências permanentes, levou o cientista a receber a Medalha do Exército e as mais altas honras militares por heroísmo fora de combate.

Após a guerra, o cientista ingressou na Universidade do Texas, onde sua pesquisa pioneira o levou ao desenvolvimento do primeiro teste sorológico para a hepatite A. Em 1961, Pollard foi convidado para assumir o Laboratório Lobund, uma instalação para pesquisas biológicas da Universidade de Notre Dame que estava então em declínio. Como diretor do laboratório, ele fez com que a pesquisa e o ensino se desenvolvessem, supervisionando o mais longo programa de pesquisa médica da universidade por quase 50 anos e publicando mais de 300 artigos científicos.

Pollard estudou continuamente os vírus e o câncer, contribuindo com avanços à pesquisa sobre transplantes de medula óssea para tratar a leucemia, o que o levou a ser agraciado com o Prêmio Hope da American Cancer Society. O cientista havia afirmado, recentemente, que “não poderia se imaginar fazendo outra coisa”: “Eu acho que, se você estiver fazendo algo significativo e importante e de repente para, você sempre vai olhar para trás com arrependimento”.

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