Leia artigo do Acadêmico Hernan Chaimovich, professor Emérito do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, ex-vice-presidente da ABC e e ex-presidente do CNPq, para o Jornal da Ciência:
Países que navegam sem sobressaltos no mar da era do conhecimento possuem sistemas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) compatíveis com essa condição. Celulares, telas planas de televisão, anticorpos monoclonais, entre muitas outras inovações radicais, modificam relações sociais e permitem sociedades sadias. Tudo isso é possível em sistemas de CT&I onde convivem harmonicamente políticas de Estado, universidades de pesquisa, institutos de investigação e empresas inovadoras. Países que oferecem serviços e produtos resultantes de inovações radicais estão mais aptos a ditar regras de mercado e a propiciar a seus habitantes condições de vida compatíveis com os potenciais deste século.
O Brasil chegou a construir um sistema de CT&I que prenunciava um país muito diferente do qual estamos vivendo hoje. O Ministério de Ciência, Tecnologia constituía um centro de reflexão e, sediando a secretaria do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, formulava a grande política estratégica para a CT&I nacional. A Empresa Brasileira de Inovação e Pesquisa (Finep) financiava grandes infraestruturas para instituições de pesquisa. Os Fundos Setoriais foram pensados para investir em projetos estratégicos de pesquisa dos setores econômicos de onde provinham seus recursos. A Capes, além de avaliar e credenciar os programas de pós-graduação, fornecia recursos para custear as bolsas dos alunos desses programas. O CNPq, instituição responsável pelo fomento à investigação científica em todo o território nacional, avaliava e financiava com competência projetos individuais de pesquisa. Fundações de apoio à pesquisa em cada Estado brasileiro investiam em formação de pessoal e em pesquisa de acordo as prioridades de cada unidade da federação.
Se esse sistema tivesse vingado, com as características descritas acima, o Brasil seria hoje um país desenvolvido. Resta o agronegócio, a exportação de minério, o gás e o petróleo. Com um parque industrial que se contrai aceleradamente, o País perde, cada dia mais, oportunidades e talentos. Quanto podem resistir os raros centros que ainda iluminam algumas esperanças? Porque a desesperança parece encobrir até os enormes ganhos do passado recente. O volume da produção científica do País, apesar de ter diminuído seu ritmo de crescimento, continua entre os 20 maiores do mundo. A percentagem de trabalhos científicos que indica a colaboração entre universidades e empresas é explosivamente ascendente. A criatividade dos brasileiros aparece também no número crescente de “start-ups” que não param de se transformar em unicórnios.
Neste universo distópico que se vive hoje no Brasil, presenciamos a morte anunciada de uma das instituições que propiciou a formação de uma comunidade científico-tecnológica que segue sendo um farol de esperança na América Latina: o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Quando o presidente do CNPq vem a público reconhecer que não é mais possível financiar novos projetos, tampouco bolsas de estudo e que, se não acontecer uma espécie de milagre, a agência deixará de honrar seus compromissos com os estudantes, a partir de setembro, a morte da instituição está anunciada.
Soma-se a isso a perda de servidores da casa, quadros altamente competentes, que faz com que as operações internas, até de manutenção, estejam parando. É difícil, senão impossível, acreditar que esta morte anunciada seja, simplesmente uma fatalidade em um país em crise econômica. Nos corredores de Brasília, onde andam muitos fantasmas bem como uma pletora de notícias plantadas (fake news) ouve-se que a morte anunciada do CNPq tem um propósito. Seria o de incorporar seus restos à Capes, terminando assim com a visão de Álvaro Alberto, o visionário almirante que iniciou a construção do sistema brasileiro de CT&I, há mais de meio século.
A bandeira da defesa do CNPq não pode ser empunhada somente por cientistas e estudantes. Esta luta não é, nem pode ser, corporativa. É o futuro do País que está em jogo, o sonho de soberania do almirante Álvaro Alberto e de tantos outros que está sendo destruído. Se a sociedade não apoiar esta luta, pouco poderá a reação irada dos cientistas fazer para que este anúncio de morte não seja publicado, em breve, nos jornais.