A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulgam a Declaração do Workshop de Integração e Fortalecimento da Ciência na Agenda Climática Brasileira. Realizado na última sexta-feira, 3 de outubro, na sede da Finep, no Rio de Janeiro, o encontro reuniu 72 pesquisadores e gestores de 49 instituições para debater o papel da ciência nas políticas climáticas do País.
No documento, as entidades destacam que, embora o Brasil possua “capacidade científica de excelência internacional, infraestrutura de pesquisa consolidada e soluções inovadoras de enfrentamento à emergência climática”, ainda enfrenta “desafios estruturais que exigem ação imediata e coordenada para fortalecer o protagonismo da ciência na formulação e implementação de políticas climáticas em âmbito nacional e internacional”.
São reforçadas na declaração as prioridades urgentes que devem ser tratas na COP 30 – “assegurar uma nova matriz energética na próxima década com fontes limpas e renováveis, zerar o desmatamento de florestas tropicais e garantir financiamento climático internacional que permita aos países em desenvolvimento realizarem suas transições”.
Entre as recomendações na carta, estão a proposta de criação de uma estrutura pública autônoma dedicada à governança climática e a institucionalização permanente da relação entre ciência e política. “Precisamos de painéis permanentes de especialistas e processos sistemáticos de interação para sustentar as transformações que o Brasil e o mundo precisam realizar”, afirmam no texto.
O workshop foi organizado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a ABC e a SBPC, e suas conclusões servirão de subsídio para a participação brasileira na COP30, em Belém.
Leia a declaração na íntegra:
DECLARAÇÃO DO WORKSHOP INTEGRAÇÃO E FORTALECIMENTO DA CIÊNCIA NA AGENDA CLIMÁTICA BRASILEIRA
O Workshop de Integração e Fortalecimento da Ciência na Agenda Climática Brasileira foi organizado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Academia Brasileira de Ciências (ABC) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), com o objetivo de debater a integração entre ciência, tecnologia e política climática no Brasil, promovendo o diálogo entre diferentes setores e identificando caminhos para fortalecer a resposta brasileira às mudanças climáticas.
Reunidos na sede da Finep no dia 3 de outubro de 2025, 72 cientistas, pesquisadores e gestores representando 49 instituições, expressam nesta declaração o posicionamento coletivo da comunidade científica presente no workshop, contemplando a diversidade de campos do conhecimento, perspectivas regionais, e setores acadêmicos e da sociedade brasileira comprometidos com o enfrentamento da crise climática. As considerações e recomendações refletem o consenso construído ao longo da reunião e constituem uma contribuição para o fortalecimento das políticas climáticas nacionais.
Ao longo dos debates, reconhecemos os avanços significativos do atual governo em sua política científica e ambiental, que têm estabelecido bases importantes para uma atuação mais efetiva no enfrentamento da crise climática. O Brasil possui capacidade científica de excelência internacional, infraestrutura de pesquisa consolidada e soluções inovadoras de enfrentamento à emergência climática.
No entanto, identificamos desafios estruturais que exigem ação imediata e coordenada para fortalecer o protagonismo da ciência na formulação e implementação de políticas climáticas em âmbito nacional e internacional.
A ciência é clara: não há volta automática após ultrapassarmos os limites climáticos. O sistema climático é não-linear, e os feedbacks já em curso dificultam ou impossibilitam reversões. Atingimos 1,5°C de aquecimento entre 2022 e 2024, e a janela de ação está se fechando rapidamente. O Brasil, por sua localização continental, enfrentará amplificação térmica de 4 a 4,5°C nos cenários atuais, tornando-nos um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas, com impactos severos na saúde, segurança alimentar e habitabilidade de nossas regiões.
Diante dessa realidade, reafirmamos três prioridades fundamentais: assegurar uma nova matriz energética na próxima década com fontes limpas e renováveis, zerar o desmatamento de florestas tropicais e garantir financiamento climático internacional que permita aos países em desenvolvimento realizarem suas transições.
Para a Amazônia, região em ponto crítico, urge implementar um modelo de desenvolvimento que concilie sociobioeconomia, segurança alimentar e proteção dos povos tradicionais, combatendo a exploração ilegal de recursos, que hoje é mais competitiva que a atividade legal, e antecipando políticas de enfrentamento às novas demandas de segmentos econômicos com alto potencial de poluição.
Reconhecemos que as desigualdades regionais persistem e se agravam com a crise climática, impactando de forma especial as populações mais vulneráveis. A centralização de recursos de ciência e tecnologia no Sul-Sudeste perpetua assimetrias históricas que precisam ser urgentemente superadas.
A região amazônica, que abrange aproximadamente 60% do território brasileiro, demanda urgentemente a reversão do histórico padrão de subinvestimento em infraestrutura e o fortalecimento de políticas públicas que promovam um modelo de desenvolvimento sustentável, capaz de conciliar conservação ambiental, justiça social e bioeconomia. Estudos recentes revelam que 98% dos cursos d’água da região apresentam contaminação por microplásticos, enquanto a bacia amazônica registra o maior fluxo de mercúrio do mundo, resultado principalmente da atividade garimpeira ilegal. Essa dupla contaminação representa uma ameaça direta e crescente à segurança alimentar e à saúde pública das comunidades tradicionais, ribeirinhas e indígenas que habitam a região, que dependem diretamente dos ecossistemas aquáticos amazônicos para sua alimentação e sobrevivência.
A integração de dados e a transparência são fundamentais. O Sistema Nacional de Transparência Climática, que será lançado na COP30, deve consolidar as plataformas existentes e integrar dados climáticos com indicadores socioeconômicos, territoriais e de vulnerabilidade. Precisamos padronizar métricas entre setores e medir impacto real – redução efetiva de emissões e aumento de resiliência – não apenas processos. A publicação completa das metodologias da Contribuição Nacionalmente Determinada- NDC brasileira é essencial para validação científica e fortalecimento da confiança internacional nas metas climáticas do país.
Em consonância com o desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação, destacamos o papel central da Educação em todos os níveis para a promoção do letramento climático e científico. As nossas instituições de nível superior abrigam, além da pesquisa científica, o potencial de formação de profissionais de todas as áreas que estejam preparados para atuar em um mundo em mudança e na busca de novos paradigmas de desenvolvimento inclusivo e equitativo.
No plano institucional, reconhecemos os avanços representados pela formulação do Plano Clima, que estabelece uma agenda climática abrangente e integrada, demonstrando o comprometimento do governo brasileiro com as metas nacionais e internacionais. No entanto, identificamos a necessidade urgente de fortalecer ainda mais a governança climática, articulando de forma mais efetiva as diferentes esferas e níveis de governo. A comunidade científica propõe ao governo a criação de uma estrutura organizacional específica, preferencialmente uma autarquia pública, com autonomia para atuar na gestão e governança da agenda climática. É fundamental que a ciência esteja no centro das políticas públicas de todos os ministérios, assegurando que decisões relacionadas à crise climática sejam embasadas em evidências científicas robustas e atualizadas.
Por tudo isso, conclamamos que a relação entre ciência e política climática seja institucionalizada permanentemente. Precisamos de painéis permanentes de especialistas, processos sistemáticos de interação, e capacidade governamental de dialogar em alto nível técnico com nossos centros de excelência.
Saímos deste evento com a convicção de que temos os instrumentos, o conhecimento e as pessoas necessárias. Precisamos reforçar as políticas climáticas brasileiras, em um sistema integrado, permanente e sólido que sustente as transformações que o Brasil e o mundo precisam realizar.
A COP30 em Belém será nossa oportunidade de demonstrar que isso é possível. Nosso desafio é garantir que os avanços iniciados se consolidem em políticas estruturantes e permanentes, que entreguem resultados tangíveis e posicionem o país como protagonista na construção de um futuro sustentável.
Rio de Janeiro, 3 de outubro e 2025.
Academia Brasileira de Ciências (ABC)
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)