17ª Conferência Geral da TWAS: “Lutem pelos direitos da humanidade”

Compartilhar
Compartilhar
Compartilhar
Compartilhar

A 17ª Conferência Geral da Academia Mundial de Ciências (TWAS) foi realizada no Rio de Janeiro, em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC), entre 29 de setembro e 2 de outubro de 2025.  Foram mais de 300 cientistas de todo o mundo, reunidos para discutir o papel da ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento sustentável. A abertura foi feita pela presidente da TWAS, Quarraisha Abdool Karim, e a vice-presidente da TWAS para América Latina e Caribe, Helena Bonciani Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Leia as matérias sobre a Abertura e o primeiro dia:

 

Regulação de algoritmos e sistemas de IA

No dia 30 de setembro, foram realizados dois simpósios, com a participação de dois Acadêmicos. No primeiro simpósio estavam o reitor da Universidade das Nações Unidas no Japão e subsecretário-geral da ONU, Tshilidzi Marwala, que frisou que qualquer regulação digital deve ser embasada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos; o físico Sunil Mukhi, professor da do Instituto Indiano de Educação Científica e Pesquisa, que apontou como questão mais importante o levantamento dos benefícios que a IA pode trazerpara as populações mais vulneráveis; e o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Virgílio Almeida, membro da ABC e da TWAS.

Almeida defendeu a regulação de algoritmos e sistemas de IA com base em justiça, transparência, responsabilidade e inclusão. “Nós temos emoções da idade da pedra, instituições medievais e tecnologia dos deuses”, apontou Almeida. “Precisamos construir estruturas de governança digital. Algoritmos são sistemas sociotecnológicos, interconectando tecnologia e atores sociais, como os sistemas de Uber, algoritmos de recomendação e até tecnologias de guerra. Só que a tecnologia evolui mais rápido que governos e regulações”, destacou.

Virgilio Almeida | Foto: Mario Marques

Ele aponta que os impactos da IA são imprevisíveis, o que gera muita incerteza. “Ninguém poderia imaginar o impacto das redes sociais nas eleições, quando elas começaram a explodir. Hoje vemos os danos espalhados, afetando a saúde mental das pessoas e aguçando a polarização política.”

Além disso, há o fato de que a IA é monopolizada por cinco ou seis empresas. “Isso aumenta o abismo da desigualdade global”, destacou Almeida. Para ele, o desafio é equilibrar inovação e risco, e, particularmente no Sul Global, garantir a soberania de países que não são protagonistas. A seu ver, a solução passa por investimento em pesquisa tecnológica aliada às humanidades. “Os cientistas da computação não têm essa formação. IA é treinada com dados de humanos. Pesquisadores precisam estudar comportamento coletivo humano mediado por algoritmos”, destacou o Acadêmico.

A crise conjunta das mudanças climáticas e da segurança alimentar global

De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), se seguirmos no ritmo atual das mudanças climáticas, um terço das áreas cultiváveis do planeta estarão inviáveis até o fim do século. A cada 1°C de aumento, há uma perda de 6% na produção de trigo, e de 3% na produção de arroz e milho. O diretor de Mudanças Climáticas, Biodiversidade e Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Kaveh Zahedi, e a professora da Universidade de Gana e membra do IPCC, Nana Ama Browne Klutse, defenderam soluções integradas para as crises ambientais, no segundo simpósio do dia 3o de setembro.

Referência internacional no estudo do clima, o Acadêmico Carlos Nobre, membro das duas Academias,  participou da sessão. Ele falou sobre a Amazônia e o papel central que o bioma cumpre no equilíbrio planetário. “A floresta é responsável pelos ‘rios voadores’ que abastecem de chuva o Cone Sul, mas ameaça entrar num caminho irreversível de degradação devido aos ciclos viciosos de desmatamento e aquecimento climático”, alertou.

A região detém 13% das espécies do mundo em apenas 0,5% da área. Acrescentando números significativos, ele relatou que 70% do aumento nas secas é devido ao desmatamento e que 35% da chuva na Amazônia depende de reciclagem de água da floresta. Nobre defendeu a criação de um fundo voltado às florestas tropicais, iniciativa que o Brasil pretende lançar na COP 30, em novembro.

Carlos Nobre | Foto: Mario Marques

Lançamento do livro da ABC sobre Segurança Alimentar em inglês

Foi disponibilizada ao público a versão em inglês do livro organizado pela Acadêmica Mariângela Hungria, ganhadora do Prêmio Mundial de Alimentação (World Food Prize), conhecido como o “Nobel” da agricultura.

As descobertas de Mariângela ajudaram o Brasil a se tornar uma potência agrícola global. Com mais de 40 anos dedicados a pesquisas, a Acadêmica é reconhecida pelo desenvolvimento de tecnologias inovadoras em microbiologia do solo. “Substituir o uso de produtos químicos por produtos biológicos na agricultura tem sido a luta da minha vida. Tenho muito orgulho de contribuir para a produção de alimentos e, ao mesmo tempo, diminuir o impacto ambiental. A meta era aumentar a produtividade com o menor uso possível de produtos químicos, e conseguimos isso com mais produtos biológicos”, afirmou Hungria.

“Com este lançamento, a Academia Brasileira de Ciências estende um convite aos cientistas de todo o mundo: vamos fortalecer colaborações entre disciplinas e continentes e, juntos, construir uma nova visão de segurança alimentar e nutricional — enraizada na paz, na equidade, na dignidade humana e fundamentada na excelência científica.”

Acesse aqui o livro Food and Nutrition Security: The Role of Brazilian Science in Fighting Hunger.

O grande premiado

O físico Luiz Davidovich, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeio (UFRJ) e ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências (2016-2022), ganhou o Prêmio TWAS Apex, que consiste numa medalha de ouro,um diploma e um valor de U$ 100 mil. Em 2024, ele havia recebido a Medalha TWAS, sendo o único cientista em toda a história da Academia Mundial de Ciências a receber os dois prêmios.

Leia a matéria de Mauricio Thuswohl para Carta Capital e saiba mais sobre a história e a ciência do premiado: Um brasileiro no Olimpo

Lê Tuân Hoa, membro do Conselho da TWAS, Luiz Davidovich, laureado com o Prêmio TWAS Apex, e Quarraisha Abdool Karim, presidente da TWAS, durante a cerimônia de premiação | Foto: Mario Marques

Acadêmicos eleitos para a TWAS em 2023, 2024 e 2025

Leia as matérias sobre os grupos de brasileiros diplomados na Conferência no Rio:

Onze brasileiros foram eleitos para a TWAS
Os membros eleitos no final de 2024  foram diplomados em 2025, durante a 17ª Conferência realizada no Rio de Janeiro.

Dez Acadêmicos estão entre os novos membros da TWAS
Academia Mundial de Ciências para o avanço da ciência em países em desenvolvimento anunciou seus novos membros no dia 14 de novembro de 2024.

Conheça os sete novos membros brasileiros da TWAS
Dentre os 47 cientistas eleitos para a Academia Mundial de Ciências em 2023, sete brasileiros foram escolhidos. Saiba mais!

Saúde no Sul Global

A sessão marcou o início dos trabalhos do dia 2 de outubro, último dia da Conferência Geral da TWAS, com apresentações do diretor-geral do Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças, George Fu Gao, que abordou a questão da desinformação científica, defendendo que vivemos em uma “infodemia”, na qual a educação científica funciona como uma “vacina social”, e da vice-presidente da Academia de Ciências do Uzbequistão, Shahlo Turdikulova, que apresentou o rápido desenvolvimento, em seu país, de um complexo industrial em saúde como resposta aos gargalos enfrentados durante a pandemia. Já o diretor do Centro de Pesquisa em AIDS da África do Sul, Salim Abdool Karim, destacou que, enquanto as doenças crônicas associadas ao envelhecimento predominam no Norte Global, na África prevalecem as doenças infecciosas. Ele explicou que um dos grandes avanços das últimas décadas foi a descrição do ciclo social do HIV em seu país, no qual a doença se perpetua por meio de um circuito de contaminação entre homens mais velhos e mulheres mais jovens, que posteriormente transmitem o vírus aos homens de sua geração. 

A ex-ministra da Saúde e ex-presidente da Fiocruz, a Acadêmica Nísia Trindade, fez sua apresentação nessa sessão. Ela lembrou a assimetria na distribuição global de vacinas e insumos no auge da pandemia, reforçando a necessidade de fortalecer os sistemas de saúde e as cadeias de produção regionais para garantir soberania aos países do Sul Global. “No G20 do ano passado, o Brasil incluiu na declaração a criação de uma coalizão pela produção local de vacinas, e ela deve ser reforçada no G20 deste ano, na África do Sul.”

A pesquisadora da Fiocruz Nísia Trindade Lima | Foto: Mario Marques

Workshops sobre ética científica e inteligência artificial

Na tarde de 2 de outubro, foram realizados os dois workshops, sobre temas prementes no mundo da ciência. A cientista da computação e Acadêmica Claudia Bauzer-Medeiros, professora titular do Instituto de Computação da Universidade de Campinas (Unicamp) e membro da TWAS, afirmou que a IA pode contribuir significativamente para o trabalho científico, mas, para isso, deve ser sempre devidamente referenciada, inclusive com a data de uso, já que os programas estão em constante evolução.

Bauzer também destacou que dados e softwares precisam ser cada vez mais considerados como “publicações” e receber o mesmo cuidado ético dado à divulgação de artigos.

Claudia Bauzer-Medeiros, da Unicamp, entre Sunil Mukhi, professor titular do Instituto Indiano de Educação e Pesquisa em Ciência, Pune, Índia (à esquerda) e o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Makerere, em Uganda, Emmanuel Kasimbazi. | Foto: André Noboa

O astrônomo e Acadêmico Clécio Roque de Bom, professor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), onde lidera o Laboratório de Inteligência Artificial Aplicada (Labia), apresentou aplicações promissoras da IA em dados espaciais, bem como na predição de novas conformações proteicas, na biotecnologia, e de novos cristais, na engenharia de materiais.

Entretanto, ele expressou preocupações quanto à confiança acrítica na ferramenta, citando algumas “ilusões” do uso da IA — todas relacionadas à crença equivocada de que a IA realmente “entende” o que faz. “Nós não nos tornamos menos inteligentes depois de criarmos as calculadoras, porque continuamos ensinando a calcular. Precisamos continuar ensinando a pensar e a usar a ferramenta de forma crítica”, refletiu.

O membro afiliado da ABC Clécio de Bom, um dos ganhadores do Prêmio Jacob Palis 2025 da ABC e Comissão Fulbright Brasil  | Foto: Mário Marques

Encerramento

As presidentes Quarraisha Abdool Karim, da TWAS, e Helena Bonciani Nader, da ABC, encerraram a 17ª Conferência Geral da TWAS com discursos emocionantes.

Karim recordou sua participação na luta contra o apartheid na África do Sul, em uma época em que a conquista da igualdade de direitos parecia algo distante. “Nunca pensei que veria a democracia no meu país, mas eu vi, graças à solidariedade global.”

Ela presenteou a ABC com uma medalha comemorativa, cunhada por ocasião da outorga do Prêmio Nobel da Paz a Nelson Mandela. Representando a Academia, Nader agradeceu aos presentes e às instituições que tornaram a realização da reunião possível.

A presidente da TWAS, Quarrisha Abdool Karim, abraça a presidente da ABC, Helena Nader, após entregar-lhe a medalha comemorativa da 17a Conferência Geral da Academia Mundial de Ciências | Foto: André Noboa

“Falamos muito sobre a desigualdade, mas também somos privilegiados no Sul Global, dentro de nossos países. Temos a obrigação de defender o desenvolvimento e a democracia. Agradeço a cada um de vocês e peço que levem essa mensagem para casa: ‘Lutem pelos direitos da humanidade’”, apelou Nader.

A presidente da ABC Helena Nader, que é também vice-presidente da TWAS para América Latina e Caribe, encerrando a Conferência Geral | Foto: André Noboa

Declaração do Rio da TWAS

A 17a Conferência Geral da TWAS gerou um documento importante: a DECLARAÇÃO DO RIO DA TWAS. Ela foi discutida e ajustada na 32a Reunião Anual da TWAS, que ocorreu em paralelo à Conferência Geral.

————————————————————————————————

 

Leia outras notícias sobre a Conferência!

Subsecretário da ONU: explorar dado de um país é extrair petróleo sem pagar

Professora de Gaza destaca esforço para manter ensino em meio à guerra

Declaração do Rio da TWAS

Ciência em Gaza

Um brasileiro no Olimpo

ABC assina memorando de entendimento com a Academia do Senegal

 

A cientista que há mais de 30 anos está na vanguarda da proteção de meninas africanas contra o HIV

Uma ocasião para ciência, história e visão

TWAS e o Brasil: uma história entrelaçada

Começou a 17ª Conferência Geral da Academia Mundial de Ciências no RJ

Líderes científicos globais reúnem-se no Brasil para abertura da 17ª Conferência Geral da TWAS

(Marcos Torres e Elisa Oswaldo-Cruz para ABC)