A primeira metade da 17ª Conferência Geral da TWAS buscou inspiração na rica história da Academia e em sua posição única como Academia global e voz da ciência do mundo em desenvolvimento para preparar o terreno para discussões fundamentais sobre os grandes temas científicos da atualidade.
A Conferência deste ano acontece no Rio de Janeiro, Brasil, com foco em como ciência, tecnologia e inovação podem ser alavancadas para promover o desenvolvimento sustentável em escala global. O evento reúne apresentações e painéis com alguns dos mais renomados especialistas científicos do Sul Global e é organizado em parceria pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela TWAS.
Durante a cerimônia de abertura, os mais de 300 participantes — a maioria cientistas de destaque de várias partes do mundo — ouviram discursos de boas-vindas de lideranças da TWAS e da ciência brasileira, com destaque para as mensagens do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, que ofereceram falas inspiradoras em favor da ciência para o desenvolvimento sustentável.
Após a cerimônia, houve uma sessão especial sobre tendências e perspectivas da ciência no Sul Global, com foco na ciência em países de baixa e média renda e no papel dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) na geografia em transformação da pesquisa. Em seguida, a palestra principal foi proferida por Karin Herrera, vice-presidente da Guatemala, química e acadêmica que assumiu o cargo em janeiro de 2024, tendo construído carreira científica em estudos sobre fungos e meio ambiente, além de doutorado em ciência política e sociologia.
Painel “Tendências e perspectivas da ciência no Sul Global”: Lidia Brito, diretora-geral adjunta de Ciências Naturais da Unesco; Luis Manuel Rebelo Fernandes, vice-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil; Akissa Bahri, vencedora da Palestra Medalha TWAS 2025 e ex-ministra da Agricultura, Recursos Hídricos e Pesca da Tunísia; e Mario Fresta, diretor-geral da Fundação de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Fundecit), Angola. | Foto: Mario Marques
“Hoje, mais do que nunca, precisamos de esforços conjuntos entre governos, academia, setor privado, sociedade civil e organismos internacionais para que ciência, inovação e tecnologia se tornem motores de progresso e transformação”, afirmou Herrera.
O primeiro dia terminou com a celebração dos 40 anos da TWAS, trazendo falas de diversas autoridades e lideranças que ajudaram a consolidar a Academia. A sessão contou ainda com homenagens ao fundador Abdus Salam e aos ex-presidentes brasileiros José I. Vargas e Jacob Palis, ambos falecidos em 2025. Também participou Ron Leger, ex-diretor de programas da Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional (CIDA). Na ocasião, foi lançado o livro “TWAS in the New Millennium: Building scientific capacity in a time of promise and peril”, celebrando quatro décadas de apoio à ciência no mundo em desenvolvimento.
Dia 2
O segundo dia do evento incluiu a cerimônia de posse dos novos Membros da TWAS eleitos entre 2023 e 2025, além de dois simpósios de grande relevância sobre os principais desafios da ciência contemporânea: a ética da inteligência artificial e os efeitos das mudanças climáticas na segurança alimentar.
Huadong Guo, co-presidente do Simpósio 2: Mudanças Climáticas e Segurança Alimentar | Foto: Mario Marques
O simpósio sobre inteligência artificial trouxe debates desafiadores: o uso governamental da IA em um contexto que exige regulações; regras para instituições de pesquisa; a falta de confiabilidade dos modelos de linguagem em transmitir informações factuais; e o papel das ideias filosóficas no entendimento dos impactos da tecnologia sobre o trabalho científico.
Um dos painelistas, Tshilidzi Marwala, da África do Sul — reitor da Universidade das Nações Unidas no Japão e subsecretário-geral da ONU — destacou que os referenciais éticos da IA devem derivar da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pois as decisões políticas frequentemente envolvem dilemas de valor.
Tshilidzi Marwala, no simpósio sobre Inteligência Artificial | Foto: Mario Marques
“A IA precisa ser transparente, precisa ser segura; mas o que não se conta é que a transparência vem às custas da segurança”, explicou Marwala. “Se você a torna transparente, ela fica menos segura. E decidir quanta transparência se pode sacrificar em prol da segurança é, na verdade, um problema de valores.”
O segundo simpósio abordou as conexões entre mudanças climáticas e segurança alimentar, destacando como as mudanças no clima estão ameaçando a Floresta Amazônica, que hoje enfrenta quatro vezes mais secas do que nos anos 1990. Foram discutidas ainda as alterações nos padrões de chuva, essenciais para a agricultura e produção de alimentos.
Destaques das apresentações do segundo dia da conferência | Foto: Mario Marques
O vínculo direto entre as duas questões foi ilustrado por Kaveh Zahedi, diretor do Escritório de Mudanças Climáticas, Biodiversidade e Meio Ambiente da FAO. Ele destacou que os extremos climáticos estão se tornando a principal causa da fome no mundo, e em apenas cinco anos o número de pessoas em insegurança alimentar aguda por conta desses extremos se multiplicou por seis. Isso significa que famílias não apenas comem menos, mas também pior, substituindo alimentos nutritivos por opções mais baratas e menos saudáveis.
“Trabalhadores rurais, na linha de frente das mudanças climáticas, têm 35 vezes mais chances de morrer por exposição ocupacional ao calor do que outros trabalhadores”, acrescentou. “Isso provoca também uma queda massiva de produtividade. A crise climática já está reescrevendo o nosso sistema alimentar.”