No primeiro dia da 17ª Conferência Geral da Academia Mundial de Ciências (TWAS), realizada em 2025 no Rio de Janeiro, aos cuidados da Academia Brasileira de Ciências, ocorreua a sessão de abertura, com a presidente da Academia Mundial de CIências (TWAS), Quarraisha Abdool Karim, e a vice-presidente para da TWAS para a América Latina e Caribe, Helena Bonciani Nader, presidente da ABC.
Karim abriu a conferência lembrando que o mundo atravessa múltiplas crises que, mais do que nunca, reforçam o caráter político da ciência. “A ciência é inerentemente global e atravessa fronteiras geopoliticas. É hora de reforçar velhas amizades e criar novas, pois há ainda muito que precisa ser feito para realizar o potencial da ciência para o desenvolvimento social.”
Nader reforçou a mensagem de colaboração. “Por quatro décadas a TWAS incentivou a excelência através de fronteiras, em particular no Sul Global. Esse deve ser o pilar de nossa atuação e devemos desenvolver soluções que são adaptadas às nossas realidades. Nenhum país deve ser deixado para trás.”
A abertura contou com uma fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por vídeo, que destacou a disposição do Brasil ao multilateralismo. “Aqui estão as mulheres e os homens que podem nos ajudar a transformar dificuldades em soluções. Somente somando talento e solidariedade — e, sobretudo, valorizando as vozes do Sul Global — poderemos construir um mundo mais justo, sustentável e multipolar.”
Veja abaixo os vídeos do presidente Lula e da ministra de Ciência e Tecnologia, Luciana Santos!
Representando o Governo brasileiro, o diretor de Inovação da agência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Elias Ramos, recebeu uma placa comemorativa do evento das mãos da presidente e da vice-presidente da TWAS.
Tendências e Perspectivas para a Ciência do Sul Global
Na tarde de 29/9, o diretor-executivo da TWAS e Acadêmico Marcelo Knobel apresentou números que mostram o crescimento na competitividade científica dos países de renda média. “O número de autores cresce exponencialmente e com eles o número de artigos, mesmo se desconsiderarmos a China, que lidera o Sul Global nessa tendência. Nesse contexto, a colaboração Sul-Sul deixou de ser um fenômeno esporádico e se tornou uma necessidade. Temos problemas em comum e precisamos liderar a construção de agendas.”
A diretora-geral adjunta para Ciências Naturais da Unesco, Lidia Brito, defendeu que nossos países não podem ficar preso à mesma estrutura científica do passado, devendo investir em sistemas mais abertos e integrados de pesquisa. Nesse sentido, a ex-ministra de Agricultura da Tunísia, Akiça Bahri, vencedora da Medalha TWAS 2025, defendeu que países se unam para receber datacenters de IA, ao invés de competirem por eles.
O secretário-executivo do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luis Fernandes, avaliou que a mudança na geografia da ciência acompanha uma mudança mais profunda na economia global, uma tendência de crescimento econômico nos países de renda média em relação aos países ricos e pobres. “Mas essa nova geopolítica ameaça dificultar o acesso aos frutos da ciência, por isso precisamos fortalecer a colaboração horizontal Sul-Sul.”
A presidente da ABC, Helena Nader, trouxe uma provocação. “Há algo que os países do Sul Global têm que o Norte não tem: a juventude. Ainda estamos na nossa janela demográfica e temos que aproveitá-la.”
Palestra Magna: Karin Herrera, vice-presidente da Guatemala
Doutora em biologia, sociologia e ciência política, Karin Herrera é vice-presidente da Guatemala. Construiu sua carreira na Universidade de San Carlos de Guatemala antes de se tornar vice-presidente, em 2024, sendo um exemplo de sucesso para acadêmicos interessados em ingressar na política institucional.
Herrera apresentou os desafios e as oportunidades no país no campo científico, destacando iniciativas que buscam aproximar a ciência da sociedade. Em particular, destacou programas que visam usar da diáspora científica para trazer retorno ao país. “Bolsas de intercâmbio incluem contrapartidas para colaboração com a ciência guatemalteca. Entendemos a mobilidade como uma oportunidade para criação de redes e a diáspora como ‘cérebros em circulação’”, argumentou.
Os desafios, no entanto, ainda são muitos: investimento baixo, infraestrutura limitada nos laboratórios, abismos digitais em comunidades rurais e indígenas, fuga de cérebros e fragmentação institucional. “Mas temos uma juventude talentosa e criativa, temos herança cultural e natural, ciência cidadã e inovação social rural, transformação digital e ética em IA como motores de inovação, em cooperação com entidades internacionais”, apontou Herrera.
40 anos da TWAS
Ao fim do primeiro dia de conferência, a TWAS celebrou seu 40º aniversário com homenagens à memória daqueles que já não estão mais entre nós. Entre os homenageados estavam dois ex-presidentes da ABC, José Israel Vargas e Jacob Palis Júnior, que presidiram a TWAS entre 1996 e 2000, e entre 2007 e 2012, respectivamente.
O químico e físico José Israel Vargas foi um expoente e firme defensor da energia nuclear brasileira. Durante a ditadura, Vargas foi afastado de suas posições acadêmicas e buscou exílio por sete anos na França. De volta ao Brasil, foi presidente da ABC entre 1991 e 1993. Sua filha Maria Vargas, também química e Acadêmica, falou em sua homenagem. “Durante sua gestão, meu pai dedicou-se a aumentar a visibilidade internacional da TWAS, que ele considerava ‘uma ideia cintilante que continuará a iluminar o caminho das próximas décadas’.”
O matemático Jacob Palis Júnior foi uma liderança global na área de sistemas dinâmicos e sua herança científica se mostra nas centenas de cientistas que ajudou a formar. Foi presidente da ABC entre 2007 e 2016. Em sua homenagem falou o Acadêmico e diretor do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), Marcelo Viana, que foi seu aluno. “Jacob deixou sua marca em todas as instituições que liderou. Destaco seu compromisso inflexível com a qualidade cientifica e sua abertura à juventude. Não é coincidência que a categoria de membro afiliado, jovens até 40 anos com destaque e excelência em suas áreas, tenha sido criada por ele, tanto na ABC quanto na TWAS.”
No jantar, Marcelo Knobel conduziu um brinde ao aniversário da Academia Mundial de Ciências. Vida longa à TWAS.
