ABC participa de celebração dos 25 anos do Portal de Periódicos da Capes

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Em 2025, uma das inovações mais bem-sucedidas da ciência brasileira completa 25 anos. Trata-se do Portal de Periódicos da Capes, que permite acesso gratuito e ilimitado a mais de 48 mil revistas científicas para alunos de 448 instituições de ensino superior espalhadas por todo o Brasil. “O portal é uma iniciativa ousada e visionária que colocou a ciência brasileira em outro patamar de competitividade internacional. É um instrumento estratégico de política cientifica e um recurso para a soberania nacional”, afirmou a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, em evento comemorativo da data.

A celebração foi realizada no Centro Cultural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, no dia 29 de agosto, e contou com a presença dos grandes cientistas por trás da visão e do projeto que tornou o Portal possível. O evento foi dividido em três mesas de debate, que abordaram o passado, o presente e o futuro do Portal de Periódicos.

Uma revolução na ciência brasileira

O acesso à informação científica no Brasil antes da virada de século demandava esforços homéricos. Boas bibliotecas existiam nos grandes centros do Sul-Sudeste, mas mesmo estas não continham tudo o que era publicado em todas as áreas do conhecimento. Estar em dia com a literatura requeria do pesquisador muito tempo e muitos contatos, e não era incomum que cientistas viajassem periodicamente para visitar bibliotecas estrangeiras. Alternativas existiam: era possível requisitar artigos específicos nas bibliotecas, ou entrar em contato com os próprios autores. Às vezes, esperava-se meses por uma resposta, para que finalmente chegasse uma cópia, ou uma recusa.

Foi nesse cenário que, durante a presidência do Acadêmico Abílio Baeta Neves na Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], liderando um grupo visionário de cientistas dentre os quais estava o também Acadêmico Jorge Guimarães, surgiu a ideia de um portal online com acesso difundido por todo o Brasil. “Começou a surgir essa história de acesso digital. A Fapesp estava trabalhando com [computadores] servidores nos quais subiam alguns artigos recebidos em CDs. A ideia foi amadurecendo e queríamos colocá-la à prova. Era um risco suspender as assinaturas individuais de cada instituição para tentar unificar. Houve resistência da comunidade”, conta Abílio.

Numa época em que a internet ainda engatinhava, o apoio da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), que trabalhava na conectividade das instituições de ensino superior brasileiras, foi fundamental. Mas, além da infraestrutura, era preciso buscar os acordos com as editoras internacionais. Algumas nem sabiam como responder a uma demanda tão grande e centralizada. Para se ter uma ideia da ambição do projeto, sistemas nacionais semelhantes ainda são raros no mundo. A Índia, uma potência científica, só agora está trabalhando num sistema próprio, e toma o Brasil como referência.

A pesquisadora Elenara Chaves de Almeida, servidora histórica da Capes e coordenadora-geral do Portal, foi homenageada na cerimônia. Seu trabalho ao longo de duas décadas foi fundamental para manter e fortalecer o sistema. “Enfrentamos dificuldades enormes na aceitação e credibilidade, se falava que de uma hora para a outra os artigos iriam sumir. Precisávamos mostrar para a comunidade que aquilo era seguro”, lembrou.

Não eram apenas os pesquisadores que precisavam ser convencidos. As próprias autoridades e órgãos de controle marcavam em cima do que enxergavam ser uma explosão no gasto da Capes. O investimento para centralizar todas as assinaturas pesava no orçamento da agência, mas era preciso ter uma visão mais ampla. Quando comparado às assinaturas individuais, o Portal de Periódicos representou uma economia considerável para os cofres públicos. “Precisei ouvir de um ministro que cada acesso à artigo custava o preço de uma entrada de cinema. Por isso é necessário sempre alertar para o perigo de maus gestores”, lembrou Jorge Guimarães.

Ao longo de duas décadas, o sistema se consolidou e conseguiu suportar crises. Foi assim em 2016, quando o pagamento das assinaturas foi bloqueado temporariamente pela Controladoria Geral da União (CGU). A reputação construída junto às editoras permitiu que o acesso não fosse cortado, evitando prejuízo aos cientistas. “Em retrospecto, o grande sucesso não foi o nascimento do Portal, mas a sua permanência. O bonito foi termos conseguido sustentá-lo, apesar de tudo”, sumarizou Abílio Baeta Neves.

Abílio Baeta Neves, Claudia Wasserman, Jorge Guimarães, Luiz Valcov Loureiro, Denise Pires de Carvalho e Elenara Chaves de Almeida

A transição para o Acesso Aberto e a alta no custo de publicação

Em 2018, um consórcio de agências financiadoras de ciência de doze países europeus se juntou e elaborou o Plano S, uma ideia de transição para o Acesso Aberto, no qual exigia-se que todo pesquisador financiado pelas instituições publicasse em revistas que não colocassem os artigos atrás de uma paywall. À primeira vista, o impulso pela abertura parece inequivocadamente democrático, mas sua aplicação gerou efeitos colaterais que atingiram em cheio a ciência dos países emergentes, como é o caso do Brasil. Isso porque, uma vez eliminado o pagamento pela leitura, o preço das taxas de processamento de artigos (APCs) – valor pago exclusivamente pelos autores – subiu para níveis estratosféricos. Em 2020, 33 periódicos do grupo Nature anunciaram um novo modelo de publicação em Open Access (OA) que elevou as APCs para inacreditáveis US$11.390, algo em torno de R$60.000 na cotação da época.

Atualmente, a maior parte das editoras se assentou numa espécie de modelo híbrido, em que algumas revistas transicionaram para o acesso aberto enquanto outras mantiveram o modelo por assinatura. Nesse cenário, foi necessário que o Portal de Periódicos renegociasse contratos, buscando acordos transformativos com as editoras que permitissem cobrir o pagamento das APCs. Quatro desses acordos já estão vigentes, com a Royal Society Publishing (RSP), a editora Wiley, o Institute of Electrical and Electronic Engineers Incorporated (IEEE) e, mais recentemente, a American Chemical Society (ACS).

Em abril de 2024, a Capes lançou a Portaria nº120/2024, definindo as regras para o pagamento das APCs no âmbito desses acordos. Desde então, já foram mais de 2.500 publicações pagas pela agência. “As editoras que assinaram acordos conosco observaram um crescimento de mais de 100% na submissão de artigos brasileiros. Temos um grande poder de barganha quando negociamos de forma centralizada”, afirmou a Acadêmica Denise Pires de Carvalho, atual presidente da Capes.

Parte do público presente na celebração dos 25 anos do Portal de Periódicos Capes.

 

Novos modelos são possíveis?

Essa transição desnuda um problema no modelo de negócio das revistas científicas. Elas se consolidaram como publicações impressas e suas estratégias sempre foram voltadas à venda de assinaturas. Mas, para a ciência, o grande serviço que as revistas prestam é a curadoria. Suas reputações residem na confiança de que o conteúdo passou por um processo robusto de análise por pares. A transição para o online barateou o custo para colocar um estudo no ar, eliminou a necessidade do papel impresso e criou novos nichos de publicação, gerando uma verdadeira explosão de cadernos cada vez mais especializados, muitos dos quais dispensam a circulação física.

Nesse novo cenário, e considerando a alta nos preços dos APCs, é relevante pensare m novas alternativas que mantenham a qualidade da revisão por pares. A presidente da ABC defendeu a valorização das revistas nacionais como forma de combater o monopólio exercido por poucas editoras do exterior. Para isso, é necessário que a Capes selecione as revistas nacionais de qualidade em cada área, colocando um prêmio maior nas avaliações para pesquisadores e programas que nelas publiquem. “Isso já está na mesa. Na próxima avaliação quadrienal a publicação em revistas ‘predatórias’ não será levada em consideração. Não adianta publicar por publicar. O Qualis vai ser reformulado”, alertou a presidente da Capes.

Outra alternativa é a chamada “via verde”, onde o autor publica seu artigo numa revista, mas retém o direito de depositá-lo em outros locais, como repositórios institucionais. Esse modelo tem a vantagem de garantir a autonomia das instituições sobre o conhecimento por elas produzido. Entretanto, visando garantir a exclusividade, muitas revistas liberam apenas o depósito de pré-prints, quando o artigo ainda não passou por revisão por pares, o que pode difundir informações equivocadas. “Na época da pandemia, os artigos todos apareciam antes na internet, antes da revisão por pares, e o resultado foi que muita informação ruim se espalhou”, alertou Helena Nader.

De toda forma, esses dois horizontes estão no radar do Portal de Periódicos, de acordo com sua coordenadora-geral, Andrea Carvalho Vieira. Segundo ela, outra iniciativa que já está avançada é a institucionalização da SciELO, biblioteca científica eletrônica criada em 1997 pela Fapesp que, de muitas maneiras, precedeu em duas décadas o impulso ao Acesso Aberto. Hoje, a SciELO é mantida por instituições de toda a América Latina e também da África do Sul, Espanha e Portugal, oferecendo um espaço gratuito de depósito e leitura de artigos. “Finalmente a SciELO vai ter um CNPJ”, comemorou Andrea.

Mas o Acesso Aberto é apenas uma das faces da Ciência Aberta. O movimento defende não apenas o livre acesso aos trabalhos finalizados, mas às bases de dados, metodologias, algoritmos e todas as demais etapas da pesquisa científica. Com as novas tecnologias digitais, sobretudo a inteligência artificial (IA), criar esses espaços está se tornando cada vez mais factível, mas requer ainda capacidade de padronização de dados e metodologias, e muito treinamento para os cientistas se adaptarem a esse novo ecossistema. Esse é um trabalho que vai além do escopo do Portal de Periódicos, ou mesmo da Capes, e vai requerer muito debate e coordenação entre as agências, instituições e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). No momento, comemoremos o sucesso do Portal de Periódicos, sabendo que ainda há muito trabalho por vir nos próximos 25 anos.

(Marcos Torres para ABC, 04/09/2025 | Fotos: Pietro Scopel/UFRGS)