A convite do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável (CDESS), vinculado à Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República (SRI/PR), a Academia Brasileira de Ciência foi representada pela Acadêmica Maria Teresa Fernandez Piedade (INPA) em encontro com o presidente da COP30 no Brasil, embaixador André Aranha Corrêa do Lago,
O objetivo da reunião foi a entrega de documento com contribuições da comunidade científica e tecnológica da Amazônia para a implementação da NDC 2025-2035, sigla em inglês para “Contribuição Nacionalmente Determinada”, A NDC brasileira é o compromisso do Brasil com o Acordo de Paris para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Ela reflete a ambição do país em relação à mitigação das mudanças climáticas e à transição para uma economia de baixo carbono.
O encontro ocorreu nos dias 19 e 20 de agosto, no campus da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), em Manaus. A mesa de abertura contou com a presença e pronunciamento de representantes de IEs e Institutos de Pesquisa da Amazônia, como também de representantes de órgãos de fomento (FAPs) e políticas públicas correlatas.
Após a abertura, os participantes se integraram a algum dos seis eixos temáticos componentes do documento:
- Eixo I: Transição nos Setores de Energia, Indústria e Transporte
- Eixo II: Gestão Sustentável de Florestas, Oceanos e Biodiversidade
- Eixo III: Transformação da Agricultura e Sistemas Alimentares
- Eixo IV: Resiliência em Cidades, Infraestrutura e Água
- Eixo V: Desenvolvimento Humano e Social
- Eixo VI: Objetivos Transversais – Financiamento, Inovação e Governança
Os membros da ABC presentes ao encontro – Neusa Hamada, Philip Fearnside, Adriano Quaresma e Layon Demarchi – optaram por participar do Eixo II, cujas questões se afinavam mais com suas áreas de atuação.
Foi informado aos presentes que o documento que estava ali sendo apresentado e discutido não poderia ser alterado no momento, dada a premência de entregá-lo ao presidente da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas no Brasil, embaixador André Corrêa do Lago. Deveria ser um documento compacto, juntamente com uma carta de reforço à posição científica da Amazônia para subsidiar a COP30. A proposta é que as discussões e resultados dos ricos debates nos eixos temáticos venham a ser incorporados a um documento mais amplo, resultante da reunião de Manaus.
Diante disso, uma das ações foi a de buscar lacunas e propor complementos ao documento em questão. Para fomentar essa discussão, dentro do eixo temático II (Gestão Sustentável de Florestas, Oceanos e Biodiversidade), foram feitas apresentações de diversos atores envolvidos em pesquisa, gestão e grupos da sociedade para fundamentar o debate.
Foi enfatizada a necessidade de uma maior inclusão e governança da sociedade civil e das comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais nas decisões envolvendo o uso da terra. Nesse sentido, foi destacada a relação entre a perda de biodiversidade, da segurança alimentar e até mesmo da preservação física dessas comunidades. Piedade destacou que “a falta de agentes em campo para controle das imensas áreas amazônicas, bem como os conflitos por uso da terra e a dificuldade de controle de territórios em Unidades de Conservação foram amplamente discutidos, além do desafio das terras não designadas”. A falta de inclusão de recomendações científicas em agendas econômicas e políticas públicas foi também um aspecto ressaltado por vários Acadêmicos.
Ecóloga, Maria Teresa Piedade registrou uma lacuna evidente: a não inclusão neste eixo das águas doces continentais. A água foi colocada no eixo temático IV (Resiliência em cidades, infraestrutura e água), em uma abordagem mais urbana. Nesse sentido, solicitou a inclusão da água do ponto de vista ecossistêmico, considerando que o funcionamento das florestas em pé (biodiversidade) assegura a bomba de água dos rios voadores que alimentam o Pantanal, o agronegócio do Sudeste, e além, pois quase 50% da água na bacia resulta da evapotranspiração da floresta.
“Cerca de 20% da água doce que chega aos oceanos vem do rio Amazonas, passando pelas áreas alagáveis. Cheias e secas extremas, alterando essa dinâmica, irão comprometer a integridade ecossistêmica, com efeitos em cadeia em toda a estrutura vital”, apontou Piedade. Nesse sentido, ela afirmou a relação íntima entre as mudanças climáticas, biodiversidade, incêndios e a água.
Em sua percepção, a parte litorânea foi pouco contemplada nas discussões. “Pode ser que esteja mais presente, e espero que sim, no documento final. Os manguezais e sua relevância fazem parte desse complexo indissociável”, afirmou a cientista, que atualmente preside o Conselho de Administração do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM e é comendadora da Ordem Nacional do Mérito Científico (MCTI, 2023).
Após as discussões, foram elencados os pontos principais resultantes das discussões do eixo temático II e lidos em uma reunião plenária, juntamente com as sínteses dos demais eixos temáticos. “Foi um momento riquíssimo, que mostrou a força da ciência e de diversos grupos sociais atuantes na região. São múltiplas as cooperações e colaborações existentes, que podem e devem ser intensificadas”, apontou Piedade.
A Acadêmica destacou que será fundamental a elaboração desse documento expandido, incluindo as intervenções vitais que foram feitas. “Isso permitirá abordar em maior profundidade a questão social e ambiental da Amazônia, que deverá ser considerada em associação com ações e interesses econômicos”, declarou.
No dia 20 de agosto, o documento final, que resultou da compilação de contribuições de mais de 60 instituições, foi entregue em solenidade ao embaixador André Corrêa do Lago, à enviada especial para Mulheres da COP30, Rosângela Lula da Silva (Janja), e à ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos.