A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) organizaram, no dia 27 de fevereiro, o primeiro webinário da série Fórum da Educação Superior ABC/SBPC. A proposta é trazer convidados para debater diferentes aspectos do ensino superior brasileiro, sempre na última terça-feira de cada mês. O tema deste primeiro encontro foi “Um resgate histórico sobre o ensino superior no Brasil”.

Participaram o cientista político Simon Schwartzman, doutor pela Universidade da Califórnia em Berkeley, EUA, pesquisador do Instituto de Estudos de Política Econômica do Rio de Janeiro e professor aposentado da UFMG; e o médico Naomar Monteiro de Almeida Filho, professor aposentado da UFBA, ex-coordenador do INCT Inovação, Tecnologia e Equidade em Saúde, e professor na Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica, da USP, onde estuda a relação entre universidade, educação, história e sociedade.

O mito de Humboldt

Naomar Monteiro abriu o debate com uma provocação. O barão prussiano Wilhelm von Humboldt (1767 – 1835) fundou a Universidade de Berlim, em 1810, e é até hoje conhecido como criador do modelo da universidade de pesquisa. “Mas essa ideia está sendo considerada por historiadores mais recentes como um mito, pois as reformas que introduzem essa ideia mais científica de universidade são posteriores à Humboldt”, avisou o pesquisador.

De toda forma, a Universidade de Berlim se tornou um modelo que é seguido inclusive no Brasil. Traços das ideias “Humboldtianas” podem ser vistos, por exemplo, na célebre frase “na universidade se ensina porque se pesquisa”, de Carlos Chagas Filho. Mas a esse modelo de ensino-pesquisa se contrapõe o modelo de ensino profissional, mais voltado à formação de profissionais para o mercado.

Para Simon Schwartzman, é um erro enxergar os dois modelos como mutuamente excludentes, e ambos devem existir dentro do sistema. Ele lembra que essa diferenciação é inerente do próprio processo de expansão do ensino superior.

“As universidades surgiram como ambientes pequenos e extremamente elitizados, preocupados com a ideia de uma hierarquia do conhecimento, que acabaram por monopolizar. Conforme o sistema cresceu, passando a abranger, digamos, 10% dos jovens, ele passou a se preocupar mais com formação profissional, o ingresso passou a se associar mais ao mérito, as profissões começaram a se organizar, isso criou uma dinâmica diferente no mundo inteiro”, avaliou.

Simon Schwartzman e Naomar Monteiro

O contexto brasileiro

Ao contrário do que pode parecer, essa é uma discussão muito viva no Brasil do século XXI. Hoje, 77% dos nossos estudantes de ensino superior estão em instituições privadas, mas 99% de nossa produção científica é feita em universidades públicas. Os números mostram uma divisão clara entre modelos muito distintos.

O modelo das Federais brasileiras remonta à reforma universitária de 1968. Desde então ele sofreu ajustes, mas seu cerne não mudou. A indissociabilidade entre ensino e pesquisa segue como característica central dessas instituições. “A ideia era formar universidades com forte conteúdo de pesquisa, com doutores, com tempo integral, para que tivéssemos universidades de primeiro mundo no Brasil”, explicou Schwartzman.

A ideia funcionou. Hoje, o Brasil conta com universidades públicas capazes de produzir pesquisa no fronteira do conhecimento. Entretanto, é preciso reconhecer que essas instituições sozinhas não são capazes de suprir a demanda cada vez mais universal por um curso superior, e o crescimento das instituições particulares é uma consequência disso. O problema se torna então garantir a qualidade do ensino, e nisso o Brasil ainda tropeça.

Os pesquisadores avaliaram que uma parte das universidades públicas evoluiu de um modelo de faculdades fragmentadas e mais voltadas à formação profissional, mas acabaram engessadas no modelo ensino-pesquisa. Eles defendem uma maior autonomia à essas instituições, orçamentária e curricular, para que cada uma possa descobrir sua verdadeira vocação.

“Existem formas de organização institucional que não são centralizadas no Estado e que nem por isso são privadas. A autonomia prevista na Constituição não se verifica de fato. Há uma imensa dificuldade, por exemplo, de captar e internalizar recursos, pois só se pode fazer o que está previsto na norma, e a norma é restritiva”, avaliou Naomar. “Outro problema é que o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinais) é concebido com uma lógica de modelo único, que não funciona. Outros países possuem sistemas de avaliação mais descentralizados, que deveríamos emular”, completou.

Boas avaliações são a chave para decidirmos sobre movimentos que vêm ocorrendo no ensino superior, como a proliferação do ensino à distância (EaD). “Minha impressão é de que se tornou uma alternativa imprescindível para quem não pode fazer um curso presencial. Precisamos agora de métricas que mostrem como estão os alunos formados no EaD, qual o impacto do modelo para o indivíduo e para a sociedade”, disse Schwartzman.

Em suma, os debatedores defendem um ecossistema diverso de ensino superior, capaz de responder às muitas demandas diferentes do país. “Precisamos direcionar recursos sabendo o que queremos. Se todos estiverem, em teoria, fazendo a mesma coisa, não conseguiremos diferenciar”, disse Schwartzman. “Precisamos de instituições distintas, que não necessariamente se diferenciem por serem públicas ou privadas”, finalizou.

Assista ao webinário na íntegra: