A revista Pesquisa Fapesp entrevistou a membra titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Ima Célia Vieira, confira!

Quando vai a uma reserva extrativista da região de Santarém, no Pará, a ecóloga Ima Célia Guimarães Vieira conversa com os moradores das comunidades de etnia Tupinambá para, em conjunto, encontrarem formas de restaurar áreas de florestas degradadas por incêndios. Ela oferece sugestões e ouve, embora tenha muito a contar, já que começou a estudar os mecanismos de recuperação da vegetação nativa há quase 40 anos. Com seus estudos, mostrou que muitas vezes é possível apenas deixar a mata se recuperar sozinha, ainda que em outras, quando o uso da terra foi intenso, seja necessário plantar espécies nativas para acelerar a recuperação das áreas degradadas.

Paraense nascida em Belém, cresceu entre as cidades, os campos e as florestas da ilha de Marajó, onde passava temporadas ao lado dos pais, ambos juízes, e dos cinco irmãos. Divorciada, tem dois filhos: Murilo, 29 anos, historiador e produtor musical, e Tomás, 26, baterista e estudante de música na Universidade do Estado do Pará. A nova geração herdou o pendor musical da família. Sua avó tocava quatro instrumentos, a irmã é cantora lírica e diretora de ópera, o irmão é violonista e professor universitário.

A toada de Vieira é outra, mas sempre em um tom firme e sereno. Seu conhecimento e sua habilidade como conciliadora a levaram em 2019 ao Vaticano, para ajudar 185 bispos a aprimorar suas visões sobre a maior floresta tropical do planeta e, desde o início deste ano, ao Rio de Janeiro, para assessorar a presidência da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Mas ela também tem opiniões fortes sobre as possibilidades de ocupação da Amazônia, expressas na entrevista a seguir, concedida por plataforma de vídeo, dias antes de ela viajar de Belém para outras reuniões na sede da Finep.

Que forças regem o desmatamento na Amazônia?

A Amazônia é um território em disputa. De um lado, você tem um modelo socioambiental, que se fortaleceu a partir da conferência Eco92 e defende a conservação e manejo da floresta e, de outro, um modelo desenvolvimentista, que lança mão inclusive de recursos ilegais para converter a floresta em áreas economicamente produtivas. O modelo desenvolvimentista, que tem predominado, levou a essa situação de altas taxas de desmatamento, com o apoio do Estado brasileiro, por meio de crédito e incentivo à expansão da agropecuária em larga escala. Um colega antropólogo aqui do Goeldi, Roberto Araújo (ver Pesquisa FAPESP nº 309), lançou o conceito de pós-ambientalismo, que procura tornar o modelo desenvolvimentista mais verde, mais amigável, com as certificações ambientais e a mercantilização do carbono. Outro colega, o economista Francisco Costa, da Universidade Federal do Pará (ver Pesquisa FAPESP no 277), argumenta, com dados muito profundos, que a intensidade do desmatamento varia de acordo com a maior ou menor procura por terras para usar como pastagens ou agricultura. Quando a gente vê florestas públicas sendo queimadas e destruídas, não é à toa. É para colocar essas áreas no mercado de terra, porque vem depois a possibilidade de que sejam regularizadas e aproveitadas para a produção de commodities. As políticas públicas para a Amazônia retratam esses interesses conflituosos. A infraestrutura e o apoio ao desenvolvimento econômico estão ligados ao agronegócio e à mineração. Essas abordagens de bioeconomia, restauração florestal e créditos de carbono não atendem diretamente às necessidades das populações tradicionais, que ocupam 40% da Amazônia e não só conservam, mas manejam a floresta secularmente. A restauração não é um grande problema para essas populações porque usam áreas pequenas. Estamos buscando soluções para problemas causados por aqueles que destruíram a Amazônia, o que nos leva ao que eu chamo de justiça da restauração. Não me parece justo que os mesmos grupos que receberam recursos públicos para destruir a floresta agora recebam mais para desfazer os estragos que fizeram. O próprio agronegócio tem de arcar com a restauração, sem dinheiro público.

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Leia a Entrevista completa na revista Pesquisa Fapesp.