Leia matéria de Fabrício Marques para a revista Pesquisa Fapesp:

A física [e Acadêmica] Marcia Barbosa, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e uma estudiosa da discriminação de mulheres na ciência, conta que ficou surpresa com o impacto de uma campanha sobre assédio moral e sexual organizada em sua instituição em 2016 pelo grupo Meninas na Ciência, coordenado pelas docentes Carolina Brito e Daniela Pavani. A dupla coletou via Facebook frases abusivas ou preconceituosas que as estudantes ouviram de professores. Reproduziram várias dessas afirmações em cartazes, sob a epígrafe “Esse é o meu professor”, com os quais desfilaram pelo campus para denunciar sexismo e misoginia na sala de aula. “Tá achando difícil? Então vai fazer ballet”, proclamava um dos pôsteres. “Vem com essa roupa de novo que te dou um bônus”, dizia outro. “Preciso de dois mestrandos, um cara inteligente e uma guria bonitinha pra carregar meus livros e me servir cafezinho”, zombava um cartaz.

“Eu achava que essas frases cretinas só fossem comuns nas ciências exatas, nas quais, em geral, há muitos homens e poucas mulheres, mas vi que em outras áreas, inclusive nas ciências humanas e sociais, elas também eram frequentes. Fiquei com a sensação de que o assédio é muito mais disseminado do que imaginava e também mal documentado na literatura”, diz Barbosa. A pesquisadora teve então a ideia de mapear a incidência e a percepção de funcionários, docentes e alunos da UFRGS em relação a atitudes que caracterizam assédio sexual e moral, assim como o perfil de vítimas e perpetradores.

Os resultados foram publicados em 2022 em um artigo na revista Anais da Academia Brasileira de Ciências, também assinado pela física Carolina Brito e por outros colegas da UFRGS. O grupo adaptou para cada um dos três grupos – professores, servidores e estudantes – um questionário adotado em um estudo pioneiro sobre assédio realizado na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, em 1983. Responderam à pesquisa, que foi aplicada on-line, 739 professores, 521 funcionários e 4.791 estudantes. O assédio moral, que compreende comportamentos violentos, xingamentos e humilhações que degradam o ambiente acadêmico, mostrou-se bastante difundido, atingindo cerca de 40% dos professores e alunos e mais da metade do corpo técnico-administrativo. “É um percentual assustador. Muita gente só foi se dar conta de que foi vítima desse tipo de abuso ao refletir sobre o assunto na hora de responder à pergunta”, constata Barbosa. “O assédio moral é um instrumento para manter o poder. A lógica de assediadores na universidade é humilhar para ver se as vítimas desistem e saem do caminho deles.” A distribuição dos casos foi homogênea nos subgrupos de estudantes, mas não em docentes e servidores – neles, o assédio moral foi mais frequente entre bissexuais, pessoas trans e não binárias, além de mulheres e de negros.

Já a ocorrência de assédio sexual, que se caracteriza por condutas abusivas, verbais ou físicas, para obter favores sexuais ou para humilhar indivíduos por características de gênero, foi relatada por 12% dos entrevistados em todas as categorias. Mas ocorreu com mais frequência entre as mulheres (cerca de 15% das participantes do sexo feminino relataram ter sofrido assédio sexual, ante 5% do grupo masculino) e foi duas vezes mais prevalente em bissexuais do que em heterossexuais e homossexuais. Um dado curioso está relacionado à percepção de assédio. Mais mulheres do que homens classificaram como assédio comentários de natureza sexual, convites e telefonemas indesejados ou piadas sexistas. Uma porcentagem maior de homens considerou o toque indesejado em uma outra pessoa como assédio moral, muito embora toques quase sempre tenham cunho sexual.

De acordo com a pesquisa, o assédio sexual é cometido principalmente por homens, que podem ser professores, funcionários ou estudantes, enquanto o moral também é praticado por mulheres, ainda que em proporção inferior à dos homens. Só 6,5% dos professores, 7,5% dos estudantes e 11,3% dos servidores vitimados por assédio sexual fizeram denúncias formais, em um sinal de que essa prática é pouco combatida. “Foi surpreendente ver o descrédito dos canais de denúncia e isso levou a UFRGS a criar estruturas mais robustas para receber queixas.” Barbosa conta que os resultados da pesquisa ajudaram a convencer organizações das quais ela participa, como a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira de Física (SBF), a adotarem códigos que identifiquem e punam o assédio entre seus membros.

O mapeamento feito na UFRGS se soma a vários outros trabalhos que, nos últimos tempos, trouxeram para o escrutínio da comunidade acadêmica o problema do assédio sexual e moral em universidades e instituições de pesquisa. Um dos dados do estudo “O perfil do cientista brasileiro em início e meio de carreira”, divulgado neste ano pela ABC, aponta panorama semelhante. Por volta de 47% das mulheres e 12% dos homens entrevistados relataram ter sofrido assédio sexual durante a carreira. Em relação ao assédio moral, 67% das mulheres e 49% dos homens informaram ter sido atingidos. Mais de 4 mil pesquisadores responderam ao levantamento.

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