Confira a matéria de Bárbara Bigas para o Jornal da USP. A jornalista ouviu os Acadêmicos Paulo Artaxo e Carlos Nobre

Um estudo realizado por pesquisadores da Unicamp, da Universidade de Leeds e outras instituições da América do Sul e da Europa aponta que árvores do sul da Amazônia estão se tornando mais propensas a morrer devido à seca. A pesquisa coletou amostras na porção centro-leste da Amazônia, próximas de Manaus e do Pará, no sul, na região do Mato Grosso, e no oeste, incluindo partes do Acre, Peru e da Bolívia.

Originalmente, a região sul da floresta pode sofrer mais com a seca, pois divide margens com biomas como o Cerrado e também com fronteiras agrícolas. Além disso, nessa porção, as árvores são mais resistentes a períodos secos devido à produção de biomassa, impulsionada pelo crescimento em solos pouco férteis. No estudo, o sul da Amazônia também foi a região em que os autores encontraram a maior capacidade de adaptação climática das árvores.

No entanto, apesar de uma resistência prévia ao clima seco, o desmatamento intensivo e efeitos do aquecimento global contribuem para a vulnerabilidade da área.

Origem da seca

Carlos Afonso Nobre

As secas na Amazônia não devem ser analisadas de forma isolada, visto que grandes secas vêm acontecendo desde o início dos anos 2000. Esse fenômeno dos anos de 2005, 2010 e 2020, por exemplo, decorreram do aquecimento do Oceano Atlântico ao norte do Equador, impulsionado pelas mudanças do aquecimento global, e que induziram secas na região amazônica por consequência.

Carlos Nobre, cientista ambiental e pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, explica como isso ocorreu. “É um fenômeno associado com a diminuição da intensidade da circulação termohalina do Oceano Atlântico, que está ficando mais fraca devido a um fenômeno de derretimento de geleiras da Groenlândia. Essa água doce, caindo lá no norte do Atlântico, é mais leve, não afunda e transporta menos calor do Equador para o Atlântico norte.”

Chegando à Amazônia, a seca intensificada, quando somada ao desmatamento da região, desregula o oferecimento de chuvas e prolonga a estação seca. “Em todo o sul da Amazônia, nós temos mais de 35% de áreas desmatadas e degradadas. Durante a estação seca, a Amazônia recicla muita água, cerca de 4,5 mm de água por dia. São 4,5 litros de água por metro quadrado de floresta. Já na pastagem muito degradada, ela recicla no máximo 1,5 mm. Com isso, há menos vapor de água na atmosfera, menos chuva durante a estação seca”, acrescenta.

Carbono

Paulo Eduardo Artaxo Netto

Um dos objetivos das florestas tropicais é recolher carbono da atmosfera. No sul da Amazônia, se observou que as árvores submetidas a estresse hídrico, sentido nos períodos com menor oferta de água, emitem mais carbono do que o absorvem. Quando as secas são mais duradouras e frequentes, esse comportamento também se torna recorrente. “O sul da Amazônia se tornou fonte de carbono, não mais um sumidouro de carbono, como são a maior parte das florestas tropicais do planeta, que removem um terço de todas as emissões de gás carbônico das atividades humanas”, comenta Nobre.

A floresta amazônica armazena uma grande quantidade de carbono no solo, cerca de 150 a 200 bilhões de toneladas. Nobre explica que, se perdermos todo esse carbono para a atmosfera, as mudanças podem ser irreversíveis para as mudanças climáticas globais: “Vai se tornar praticamente impossível atingir as metas do acordo de Paris e zerar todas as emissões dos gases do efeito estufa”. Paulo Artaxo, especialista em Física Aplicada a Problemas Ambientais e professor do Instituto de Física da USP, complementa: “É uma quantidade brutal de carbono que, se for jogado para a atmosfera, vai intensificar ainda mais o aquecimento global, que já está se tornando crítico”.

O clima do continente

Além da “reciclagem” da água mencionada por Nobre e da captação de carbono, a Amazônia contribui para o clima do Brasil e da América do Sul a partir da manutenção da temperatura. No dossel da floresta, por exemplo, a temperatura não excede os 30ºC.

“Grande parte do vapor da água que entra do Oceano Atlântico sai ao sul da Amazônia pelos chamados rios voadores.” Esse fluxo tem cerca de 200 mil metros cúbicos por segundo. “É praticamente o mesmo valor que alimenta todos os sistemas de chuva ao sul da Amazônia e os sistemas de neve nos países andinos. Se nós passarmos desse ponto de não-retorno, esse sistema degradado não conseguirá reciclar água com essa eficiência, vai diminuir muito o volume dos rios voadores e afetar o clima de grande parte da América do Sul”, esclarece o cientista ambiental.

Para Artaxo, a mudança climática global não demorará a atingir diretamente o Brasil: “Na região amazônica, podemos ter um aumento de temperatura de 4°C a 4,5°C”.

Publicado originalmente no Jornal da USP.


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