As mudanças climáticas são o desafio do século 21, e um desafio para cujo enfrentamento a humanidade já está atrasada. Enquanto no Acordo de Paris, de 2016, os países assinantes se comprometeram a limitar o aquecimento do planeta a 2°C, hoje menos de um quinto dos cientistas envolvidos no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) acreditam que isso seja possível. A maior parte deles já trabalha com o objetivo de limitar o aquecimento a 3°C com relação ao período pré-industrial.

Para debater esse tema urgente, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) convidou seus membros titulares Paulo Artaxo (USP), Carlos Alfredo Joly (Unicamp) e Ima Célia Vieira (Museu Goeldi). Os Acadêmicos abordaram os diferentes aspectos da emergência climática – e como o Brasil está inserido nesse problema global – durante a quinta Sessão Plenária da Reunião Magna 2023, realizada no dia 10 de maio. A coordenação ficou por conta de Artaxo, que aproveitou para traçar um retrato atual – e nada otimista – sobre a crise.

A urgência climática e a transformação da sociedade

Um estudo publicado na Nature em 2020 mostrou que o mundo alcançou uma marca emblemática: a massa de materiais feitos pelo homem já ultrapassou toda a biomassa do planeta Terra.

Foi esse exemplo que o climatologista Paulo Artaxo usou para abrir a sessão, na esteira das discussões sobre o Antropoceno que haviam ocorrido na parte da manhã. Esse novo período geológico, em que o ser humano é capaz de alterar padrões geofísicos da própria Terra, tem nas mudanças climáticas sua mais emblemática representação.

Mas essa discussão não começou agora. Desde 1972, quando a Conferência de Estocolmo juntou líderes mundiais pela primeira vez ao redor do tema, já foram realizadas a Rio 92, a Rio +20 e 27 Conferências das Partes da ONU sobre o tema. “Para se ter uma ideia, só na COP 26, em 2021, se reconheceu o problema dos combustíveis fósseis, mas ainda não avançamos na retirada de subsídios do setor”, criticou Artaxo. “Por isso a descrença dos climatologistas nos acordos diplomáticos”.

Composição das emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) de 1990 a 2019. Em azul estão os GEE originados de combustíveis fósseis e da indústria, principais fontes de emissão (Dados: IPCC)

De acordo com o IPCC, no ritmo atual o planeta chegaria a uma elevação de 4°C na temperatura média em 2100. Isso significa um aumento médio de 5,5°C para o Brasil, e as consequências são alarmantes. Regiões como o vale do São Francisco e o leste da Amazônia já estão cerca de 2°C mais quentes. “O semiárido vai se tornar árido, e o Brasil inteiro ficará mais seco, imaginem o impacto na agricultura”, alertou Artaxo. “Outro problema são os eventos climáticos extremos, que se tornarão cinco vezes mais frequentes. Imaginem a degradação social que tudo isso causa”, alertou.

Para ele, não se trata mais apenas de reduzir emissões, a emergência climática requer uma rápida transformação da sociedade. Ele ressaltou que, para ficar nas metas traçadas, o mundo precisaria reduzir emissões em uma taxa de 5% ao ano até 2050. “Isso depende de inovações em transição energética, uso da terra, uso da água, captura de carbono e uma série de outras áreas. Muitas dessas tecnologias ainda nem existem, por isso a ciência básica é tão fundamental”, argumentou.

O Brasil possui uma série de vantagens em sustentabilidade que o tornam líder natural no debate. A matriz energética brasileira é comparativamente limpa e o país tem condições de cortar pela metade suas emissões, apenas combatendo o desmatamento. O potencial eólico e solar, sobretudo no Nordeste, também é significativo, assim como o fato de possuirmos experiência e programas consolidados de biocombustíveis. “Precisamos fazer valer essa vocação, essa década é fundamental para todo o resto do século 21”, finalizou.

Amazônia: um mosaico de florestas

A Amazônia não é uma floresta única: é um mosaico de florestas em disputa, e muitas delas já foram alteradas. A influência humana na maior floresta tropical do planeta não se dá apenas pela derrubada, mas por diversas formas de degradação. Essas florestas alteradas e degradadas perdem muito de seus serviços ecológicos, cruciais para as mudanças climáticas, e esse foi o foco da fala da Acadêmica Ima Célia Vieira, pesquisadora do Museu Paraense Emilio Goeldi.

Segundo ela, é impossível fugir da questão fundiária quando se trata da preservação da Amazônia. O grosso da apropriação de terras públicas na floresta se dá por latifundiários, muitas vezes de forma ilegal. O crime de grilagem é um problema recorrente, mas o trabalho dos órgãos de fiscalização é dificultado pelo amplo poder político dos donos de terra, em nível local e nacional. “Em comparação, temos 40% da Amazônia em posse de povos indígenas e tradicionais, e lá a destruição não avança. É urgente limitar o mercado de terras na floresta”, argumentou a Acadêmica.

Vieira lembrou do histórico de pesquisas ambientais na Região Norte, destacando que a floresta era mais resiliente à ação humana na década de 80 do que é hoje. O impacto do avanço da fronteira agrícola, com aumento no volume de queimadas, exploração madeireira e expansão de pastagens foi gradativamente enfraquecendo essa capacidade regenerativa da Amazônia. “Se nada for feito, a Amazônia pode ser reduzida à metade do original até 2050”, alertou.

Os impactos da fragmentação da mata, associados às mudanças climáticas que estão tornando as secas mais frequentes, já são sentidos na biodiversidade. Estudos recentes mostraram que a flora mais vulnerável à seca está desaparecendo e que áreas degradadas tem uma quantidade menor de espécies, o que dificulta esforços de restauração. “A degradação é um problema tão grande quanto o desmatamento, a floresta deixa de estocar carbono e passa a ser emissora”, explicou Ima Vieira.

Nesse sentido, a Acadêmica defendeu a inclusão da degradação no Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). O plano, que havia sido extinto na gestão anterior, foi retomado no novo governo e deve ser ainda mais abrangente e guiado por ciência de ponta. Ela defendeu também os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), como uma forma de incentivar a preservação. “Tudo depende de governança, de coordenação dentro do pacto federativo. Vemos esforços muito fragmentados, é preciso continuidade e compreensão sobre as dinâmicas sociais do território”, apontou.

Os Acadêmicos Ima Célia Vieira, Paulo Eduardo Artaxo Netto e Carlos Alfredo Joly (Foto: Cristina Lacerda)

Crise da biodiversidade e do clima: duas faces da mesma moeda

Quando assinou o Acordo de Paris, o Brasil se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030, como forma de atingir as metas de redução de emissões. Entretanto, segundo dados de ONGs e outras fontes não-oficiais, apenas 79 mil hectares (0,68%) foram restaurados e o país permanece na estaca zero de suas obrigações.

A restauração como ferramenta para a preservação da biodiversidade e combate às mudanças climáticas foi o foco da apresentação do Acadêmico Carlos Alfredo Joly. Ele lembrou que a redução das emissões brasileiras passa fundamentalmente pela restauração. “Nenhum outro país consegue fazer tanto pelo combate às mudanças climáticas sem envolver outros setores da economia como nós”, disse.

O custo dessas iniciativas varia de acordo com o bioma e o estado de degradação do território. Para a Amazônia e a Mata Atlântica, o custo médio por hectare gira em torno de US$ 2 mil, enquanto para o Cerrado é um pouco mais alto, na faixa dos US$ 3 mil. Estimativas da iniciativa re.green mostram que restaurar áreas muito degradadas e com baixa regeneração natural pode ser dez vezes mais caro que áreas em melhor estado. “Nada é mais barato do que conservar”, resumiu Joly.

A preservação da biodiversidade é central nesses esforços e o Acadêmico defendeu que é preciso reconhecer e identificar alvos cruciais de preservação, como plantas eficazes na estocagem de carbono, espécies que dão sustentação à fauna, sobretudo a polinizadores, e espécies de interesse econômico, que possam atrair investimento e participação de comunidades locais.

Além disso, é preciso dominar técnicas de manejo de sementes, descobrindo formas de aumentar a produtividade do replantio. “Prática e pesquisa precisam caminhar juntos, nós temos grupos interessados capazes de acelerar o processo”, finalizou o Acadêmico.

Debate

Ao final das discussões, os integrantes da mesa debateram com os ouvintes no auditório do Museu do Amanhã. Observações e tendências sobre a atuação do novo governo foram levantadas. A presidente da ABC, Helena Nader, lembrou que a retomada dos investimentos, sobretudo do Fundo Amazônia, são um sinal positivo, mas falta articulação. “A questão climática deveria perpassar todos os ministérios, mas não estamos vendo isso”.

Para Paulo Artaxo, ainda é necessário um direcionamento mais claro para a transição energética, que precisa ser vista como prioridade. “Ciência nem sempre agrada aos ouvidos, mas é nossa obrigação alertar”, frisou.