Confira o artigo escrito pelo vice-presidente da ABC para a Região Norte, Adalberto Luis Val, em parceria com Samara Silva de Souza. Publicado originalmente no Jornal da Ciência:

Uma frase comumente usada nas relações humanas é “ninguém é insubstituível”. Parece que insubstituível é um adjetivo bem aplicado ao consumo de agrotóxicos, especialmente se levarmos em consideração que já se passaram 83 anos desde a descoberta das propriedades inseticidas do dicloro-difenil-tricloroetano (DDT) e os agrotóxicos continuam com a popularidade elevada, mesmo com a grande quantidade de estudos que escancaram os efeitos nocivos para saúde humana e ambiental. A negligência quanto a periculosidade de agrotóxicos não é surpreendente, a exemplo do próprio DDT cujo uso para fins agrícolas no Brasil só foi proibido em 1985 e, definitivamente, com a publicação da lei 11.936 em 2009, indicando que proibir o uso de agrotóxicos claramente nocivos é mais complicado que a concessão de novos registros.

De acordo com os dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), entre 2010 e 2015 foram concedidos uma média anual de 136 novos registros de agrotóxicos, componentes e afins, valor esse que triplicou entre 2016 e 2021, com uma média de 443 novos registros. Em 2022, até o presente momento, o total de registros já chega a 492. Chama atenção entre 2016-2022 que uma média anual de apenas 64 novos registros são referentes a produtos classificados como baixo risco, de origem biológica e aqueles usados na agricultura orgânica. Além disso, em 2021 apenas 2% representam novos ingredientes ativos, chegando a 4% em 2022, um claro indicativo que grande parte dos novos registros são de produtos equivalentes e formulações genéricas.

É inegável o impacto positivo dos agrotóxicos sobre a produtividade agrícola brasileira. No entanto, mais de 60 anos já se passaram desde a implementação da política de modernização da agricultura e ainda hoje o uso de agrotóxicos continua dominante e sem nenhuma perspectiva de mudanças num futuro próximo. Efeitos negativos dos agrotóxicos sobre o meio ambiente e na saúde humana são inequívocos, como a presença desses compostos em produtos alimentícios comercializados em feiras e supermercados, na água potável e na água de rios, formando misturas complexas e as evidências que associam a exposição a agrotóxicos ao risco de câncer em humanos. Enfatize-se que quando relacionados aos cenários futuros de mudanças climáticas, os impactos podem ser maiores do que o esperado.

Reduzir o consumo ou até mesmo o risco ambiental associado ao uso de agrotóxicos não é uma tarefa fácil; mesmo em países desenvolvidos como os que compõem a União Europeia (UE), o estabelecimento de políticas públicas ainda caminha lentamente. Segundo as metas do “European Green Deal”, que inclui objetivos voltados à agricultura, a previsão é reduzir em 50% a utilização de agrotóxicos até 2030. Na teoria as iniciativas estão sendo tomadas, na prática evidências indicam que é improvável que essa meta seja alcançada.

Em 2020 o MAPA lançou o Programa Nacional de Bioinsumos, com objetivo de utilizar o potencial da biodiversidade brasileira em favor do setor agropecuário, integrando ciência, tecnologia, inovação, setor produtivo e mercado no desenvolvimento de produtos e processos a partir de recursos renováveis. Nos últimos anos, a produção de bioinsumos cresceu no Brasil, mas na prática a oferta de mercado continua extremamente inferior ao setor de produção convencional, não atingindo nem 10% do total.

Seriam esperadas medidas para melhorar esse percentual, porém os fatos mostram o contrário. Um novo projeto de lei, o PL 1459/2022 em trâmite no Senado, é um exemplo claro dessa estagnação. Apelidado como “PL do veneno”, “dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e a rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e das embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de pesticidas, de produtos de controle ambiental e afins (…)”. O texto enfrenta duras críticas, uma vez que facilita o registro de novos agrotóxicos, abrindo espaço inclusive para a concessão de licenças temporárias e ainda aumenta o poder de decisão do MAPA, tradicionalmente dominado por ruralistas, fragilizando as instâncias de controle ambiental e sanitário como IBAMA e ANVISA.

Baseado nas tomadas de decisão, nos marcos regulatórios brasileiros, na postura do governo Bolsonaro em relação às questões ambientais e levando em consideração que a redução no uso de agrotóxicos demanda mudanças profundas em todo o setor agrícola, dos sistemas de cultivo às cadeias de valor, parece inconcebível uma redução substancial no uso de agrotóxicos. Os agrotóxicos continuam sendo a pedra angular do setor agrícola e enquanto forem considerados a principal solução para o crescimento da produtividade, será difícil qualquer cenário futuro em que o consumo seja reduzido ou até mesmo zerado, indicando que os agrotóxicos continuarão sendo considerados insubstituíveis por um longo tempo.

Adalberto Luis Val, Dr. – Pesquisador do INPA, líder de pesquisa do Laboratório de Ecofisiologia e Evolução Molecular – LEEM, Coordenador do INCT Adapta, Titular da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Mundial de Ciências.

Samara Silva de Souza – Doutora em Genética, Conservação e Biologia Evolutiva; bolsista pelo INCT Adapta (FAPEAM) no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA/LEEM.