MANIFESTO DE JAVARI

O indigenista Bruno Araújo e o jornalista Dom Phillips. Foto: Daniel Marenco | Reprodução

A Academia Brasileira de Ciências manifesta profunda preocupação com o desaparecimento do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips. Bruno e Dom desapareceram na região do Vale do Javari no trajeto entre a comunidade Ribeirinha São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte, segundo a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Não estavam no território indígena. Dom Phillips se preparava para uma série de entrevistas sobre as ações das comunidades indígenas locais para proteger seus territórios contra invasões associadas a ações ilícitas. Bruno Pereira, servidor licenciado da FUNAI, tem relação cooperativa com as comunidades locais principalmente no que se refere à conservação ambiental.

O avanço de atividades predatórias na região do Vale do Javari tem intensificado as pressões sobre a integridade dos ecossistemas naturais e a segurança de povos indígenas além da expropriação de recursos da nação brasileira. A pesca, por exemplo, é feita por pessoas de fora da região que não observam as restrições legais. O pescado, principalmente pirarucu, é transportado para os países vizinhos. As multas do IBAMA na região foram intensas no passado, mas recentemente apenas dois autos de infração envolvendo a pesca de pirarucu foram feitos em 2019 e outros dois em 2022, informa a Agência Pública. Por suas ações na região, Bruno recebeu ameaças, lembrando que outro colega da FUNAI, Maxciel dos Santos, foi assassinado em 2019. Além disso, a região da Terra Indígena do Vale do Javari está na rota de transporte de cocaína destinada ao Brasil. No entanto, é clara a inação do Estado na região, como em outras regiões do bioma amazônico. É preciso, e a ABC solicita, intensificação dos cuidados com a segurança na região do Vale do Javari.

Rio Itacoaí, na Terra Indígena Vale do Javari, em Atalaia do Norte (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

A Constituição Federal estabelece o direito fundamental de todos, o direito de ir e vir em todo o território nacional de acordo com o art. 5º, inciso XV: “É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou sair com seus bens”. Deveríamos, sob a proteção do Estado, poder nos locomover de forma livre, sem medo de ter nossa liberdade tolhida. Não deveríamos demandar segurança armada em qualquer lugar de nosso país. No entanto, a inação do Estado brasileiro na região do Javari, tem limitado esse direito fundamental.

O desaparecimento de Bruno e Dom, dois profissionais respeitados e qualificados no exercício de suas funções, destaca os enormes desafios que a cada dia se acentuam na Amazônia e que tem sido divulgados pela comunidade científica e por organizações da sociedade civil. Além da implementação de políticas públicas robustas, de longo prazo e com base no conhecimento para promover a conservação da floresta, a dignidade e a segurança dos povos do Vale do Javari, é necessário que o arcabouço legal brasileiro seja observado naquela região. É isso que a Academia Brasileira de Ciências requer das autoridades brasileiras, ao tempo em que espera que Bruno e Dom sejam encontrados com vida.

A Diretoria
Academia Brasileira de Ciências


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