Em 7 de abril, data em que se celebra o Dia Mundial da Saúde, a Academia Nacional de Medicina (ANM) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) promoveram o webinário “Obesidade – O Desafio do Futuro”, coordenado por Patrícia Rocco e Eliete Bouskela, membros de ambas as academias. Os médicos do Programa Jovens Lideranças Médicas (PJLMJ) da ANM Antônio Rodrigues Braga Neto, Andreia Cristina de Melo, Bernardo Barros, Maria Helena Rigatto e Marina Roizenblatt se juntaram às Acadêmicas na coordenação.  O presidente da ABC, Luiz Davidovich, e os Acadêmicos Antonio Egídio Nardi, Licio Velloso e Marcello Barcinski estiveram presentes.   

Um dos principais objetivos do webinário era mostrar que a obesidade está associada a diferentes doenças, não apenas as cardiovasculares ou endócrinas. “É um tema muito importante a ser compreendido, já que que compromete o funcionamento de diversos órgãos”, explicou Patrícia Rocco. O presidente da ABC complementou, apontando que a questão é, muitas vezes, associada à má nutrição e às camadas mais pobres da população, mas de fato exige atenção e certamente interessa a todos.   

Inflamação e disfunção do hipotálamo  

Licio Velloso, membro titular da ABC e pesquisador do Centro de Obesidade e Pesquisa em Obesidades e Comorbidades da Universidade de Campinas (Unicamp), falou sobre a obesidade do ponto de vista do hipotálamo – órgão que tem como função a homeostase, ou seja, de manter o funcionamento do corpo em equilíbrio. “A obesidade surge pela associação de dois fatores: redução do gasto energético, influenciado pelo estilo de vida sedentário, e o aumento da ingestão calórica”, apontou o Acadêmico. O excesso de ácidos graxos na dieta produz uma resposta inflamatória no hipotálamo, o que provoca danos nos neurônios que cuidam dessa regulação. “Se o circuito neural não estiver funcionando bem, o corpo consegue manter seu peso estável”, disse Velloso.  

O circuito neural-hipotalâmico só pôde ser estudado por conta da descoberta da leptina, um peptídeo que desempenha importante papel na regulação da ingestão alimentar, pelo cientista Jeffrey Friedman (Universidade Rockefeller). Velloso citou a tentativa de usar o peptídeo como uma forma de controlar o avanço da comorbidade. Contudo, pacientes com obesidade tornam-se resistentes à ação da leptina, devido aos altos níveis dela no sangue, o que danifica os neurônios receptores. 

A obesidade e o cérebro

O Acadêmico Antonio Egidio Nardi afirmou que a obesidade como uma doença complexa, capaz de prejudicar o funcionamento de vários órgãos, inclusive o cérebro. Ele explicou a relação entre o funcionamento deste órgão em específico com a doença, utilizando o transtorno de compulsão alimentar como principal exemplo. “Nos últimos 10 anos, a população obesa no país dobrou, passando de 12% para 24 % . Apesar do ganho de peso geral da população, a qualidade da alimentação do brasileiro não melhorou”, comentou o professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). 

Muitas vezes, a compulsão alimentar é similar à dependência de drogas ou ao vício em jogos, que envolve vários núcleos cerebrais. No caso da obesidade, o principal estímulo é o desejo intenso de obter muita comida em curtos espaços de tempo. Esse quadro tende a ser agravado pela existência de comorbidades psiquiátricas, como depressão, transtorno de déficit de atenção e ansiedade, que podem ser desencadeados após experiências traumáticas. “Ou seja, o obeso não sofre apenas em função da sua aparência física e de eventos de rejeição, mas por doenças mentais”, conclui o médico. “Muitas vezes, a pessoa mantém esses comportamentos compulsivos mesmo sabendo que são prejudiciais e podem desencadear vários problemas de saúde.” Segundo ele, é necessário que o tratamento seja interdisciplinar, não se limitando a acompanhamento nutricional, e por toda a vida. O tratamento mais procurado é sempre o remédio para emagrecer. Nardi adverte, no entanto, quanto aos efeitos colaterais desses produtos: “Nenhum desses medicamentos possui um efeito maravilhoso e acabam criando outros problemas psiquiátricos. É preciso tomar cuidado.” 

As complicações da obesidade para o futuro

A professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Eliete Bouskela alertou para os riscos da obesidade infantil, que causa danos irreversíveis nas coronárias e no movimento das hemácias: “É realmente uma tragédia, mas a partir de 4 anos, as crianças já têm disfunção microvascular.” Esta é desencadeada por inflamações de baixo grau induzida por fatores de risco cardiovascular convencionais, como a própria obesidade, a hipertensão e a diabetes. 

Ela aponta as contradições nas formas como a obesidade é vista em diferentes fases da vida: uma criança gorda é quase sempre vista como algo bom ou adorável; já o adolescente gordo é alvo de bullying e piadas. A médica recomenda a prática de exercícios físicos para esse segundo grupo em especial: “Mesmo que não haja perda de peso, praticar algum tipo de esporte três vezes por semana melhora todos os marcadores.” 

Confira a gravação completa do evento no canal da Academia Brasileira de Medicina: Parte 1 | Parte 2