Confira trechos de artigo publicado neste 26 de outubro no caderno Valor Econômico. O texto é de autoria do diretor da ABC Virgílio Almeida, em parceria com Francisco Gaetani.

O avanço da vacinação, a despeito dos esforços em sentido contrário de múltiplos atores, vem mobilizando a sociedade brasileira de várias formas. Uma delas não deveria ser uma surpresa. Mas é. Trata-se da explosão dos crimes digitais e desinformação. A expressão que vem à mente – “as coisas fugiram do controle” – não é adequada. Não chegamos a tê-las – as inovações digitais – sob controle. Qual relação entre vacinação e avanço do crime digital?

A resposta positiva que a sociedade brasileira vem dando ao imperativo da vacinação não tem sido semelhante na esfera da segurança digital. E não é por falta de tentativas. O país produziu nos últimos anos vários posicionamentos estratégicos para lidar com o desafio digital. A Estratégia Brasileira de Transformação Digital (2018), a Estratégia Nacional de Segurança Cibernética (2020) e a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (2021) representam importantes esforços da sociedade brasileira e do governo federal para modelarem o problema.

Ano passado, dados básicos sobre a identidade de milhões de cidadãos vieram a público, sem que tivesse ficado clara a origem do vazamento. Poucos meses atrás a Secretaria do Tesouro – uma das áreas de excelência da administração pública federal – sofreu um ataque de hackers. A situação já se encontra equacionada. Mas aconteceu. Agora foram algumas centenas de milhares de chaves do PIX – uma inovação global na esfera de transações financeiras. O noticiário internacional traz a cada dia uma nova história, proveniente das mais diversas áreas de convívio social: economia, esportes, educação, saúde, celebridades… mas onde entram os crimes? Difícil dizer o que é crime neste novo espaço digital, para o qual não há nem clareza, nem legislação sobre o que é crime nestes vazamentos, invasões e disseminação de desinformação.

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Os problemas tornaram-se sistêmicos, mais do que massivos. Estão colocando em risco a confiança da sociedade nas instituições e nas autoridades econômicas, não pelas suas opções de políticas, mas pela operacionalização cotidiana das transações financeiras. Não temos dados – felizmente? – para medir a erosão da confiança da sociedade nas suas autoridades econômicas. Mas não podemos alegar desconhecimento do que essas situações sinalizam. Estamos falhando como coletividade em nos protegermos das novas modalidades de ilícitos.

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A legislação nacional promulgada recentemente, na última década, é das mais brandas em relação a crimes de base digital. Parte do problema deve-se à sua obsolescência precoce. Datam de outra década, o que no mundo virtual pode significar um passado longínquo. Segundo os dados do Internet Organised Crime Threat Assessment, da Agência da União Europeia para a Cooperação Policial (Europol) e do Global Security Index da União Internacional de Telecomunicações, o Brasil começa a fazer parte de um grupo de países como as antigas repúblicas soviéticas do Leste Europeu. Gangues de criminosos digitais estão se movendo muito mais rapidamente do que governos como o nosso. O escrutínio das fragilidades das arquiteturas institucionais das nações faz parte da estratégia destes nômades transgressores globais.

Como lidar com esta situação não é uma questão óbvia. A tendência é a negação da gravidade do problema, a mitigação dos riscos envolvidos e o esforço para transmitir tranquilidade a todos envolvidos. É natural que seja assim. Mas não é suficiente. O problema está escalando e requer uma resposta coordenada e centralizada para seu enfrentamento.

Infelizmente este não é único problema nacional que requer liderança na coordenação do seu enfrentamento. O congestionamento da agenda é óbvio: saúde, energia, água, educação e meio ambiente. O governo possui instituições com capacidades e competências para lidar com o desafio. É imperativo que se coordenem com urgência, se possível antes que o problema transborde. Se o Executivo não encontrar uma forma de estruturar e enfrentar esta problemática, é questão de tempo o desembarque do Tribunal de Contas, do Ministério Público e do Judiciário no tratamento do tema – no exercício de suas competências com as consequências previsíveis.

A pior alternativa é permanecer passivo, deixar o tempo passar e aguardar que da deterioração da situação atual emerja uma reação forte. É plausível, mas o custo será infinitamente maior, naturalmente dentro da premissa otimista de que não se terá ultrapassado o “tipping point’’ da irreversibilidade das coisas. É preciso agir, para não comprometer o avanço digital do país.