Confira a reportagem publicada no site da Faperj em 29/7, destacando a pesquisa da membro titular da ABC Rosália Mendez Otero. Em entrevista, a neurocientista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) fala sobre como o uso de células-tronco adultas permitiram grandes avanços nas pesquisas em doenças neurodegenerativas ao redor do mundo, além de sua busca para descobrir a contribuição dessas células na contenção de lesões provocadas após um acidente vascular cerebral (AVC). 

Enquanto debates éticos e judiciais discutiam a possibilidade do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas nas últimas décadas, algumas alternativas passaram a ser investigadas. Com a descoberta de que as células-tronco não estão apenas presentes no embrião, mas em diversos tecidos do corpo, inclusive na vida adulta, e com a tecnologia das células de pluripotência induzida que transforma qualquer célula adulta em uma célula semelhante às embrionárias, pesquisas sobre modos de tratamento de doenças neurodegenerativas ganharam um novo impulso. “Ainda é cedo para falarmos em prazos para que os tratamentos saiam das etapas de pesquisa pré-clínicas ou clínicas, mas há muitos experimentos e estudos clínicos promissores em andamento”, conta Rosália Mendez Otero, professora titular no Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBCCF/UFRJ).

Rosália trabalha com células-tronco adultas (denominadas células tronco-estromais ou mesenquimais) presentes em cordões umbilicais que iriam para descarte, mas que foram doados para a pesquisa pelas mães. “Essas células também estão presentes em indivíduos adultos e são produzidas em vários tecidos como a medula óssea e o tecido adiposo (gordura corporal), mas quanto mais jovem o tecido, maior nossa facilidade em obter as células”, explica a pesquisadora, coordenadora do Laboratório de Neurobiologia Celular e Molecular (LNCM). As células-tronco estromais ou mesenquimais são capazes de exercer uma variedade de funções para modular a resposta inflamatória do organismo e auxiliar na regeneração de tecidos lesionados por traumas ou doenças. No caso das pesquisas coordenadas por Rosália, que recebe apoio do programa Cientista do Nosso Estado da Faperj, o objetivo é investigar a contribuição dessas células na contenção de lesões provocadas após um acidente vascular cerebral (AVC).

“Quando ocorre um AVC isquêmico o fluxo sanguíneo é interrompido em uma região do sistema nervoso e os neurônios morrem por falta de oxigênio e glicose. Como consequência, as funções neurais são afetadas e pode ocorrer perda de movimentos  em uma parte do corpo”, explica. “Mesmo que fluxo sanguíneo seja restabelecido esta área de lesão produz moléculas tóxicas e se inicia um processo inflamatório que pode levar a uma perda progressiva de mais neurônios e um aumento da perda funcional”, acrescenta. Mas pesquisas coordenadas pela neurocientista em modelos animais têm mostrado que terapias com células tronco-estromais derivadas de cordão umbilical evitam esse processo de aumento de lesões. Outra vertente da pesquisa estuda a introdução, em animais, apenas das substâncias produzidas e encapsuladas em vesículas por estas células. No entanto, sem a presença da “fábrica” (as células), a capacidade de atuação da vesícula é limitada a um menor período de tempo.

Um obstáculo para o avanço das pesquisas foi a própria pandemia. Alguns equipamentos do laboratório foram emprestados para pesquisas em Covid-19 e o número de pesquisadores por sala também foi reduzido para atender as normas de segurança durante este período. Os estudos clínicos também foram adiados uma vez que os hospitais e equipes médicas estão quase todos direcionados para Covid-19. Alguns testes clínicos com células-tronco estromais já foram realizados ou estão para ser iniciados em doenças como Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), lesão espinal (paraplegia) e Covid-19 em diversas instituições no País.

Estudos com células-tronco de pluripotência induzida (iPS) também vem sendo realizados em diversos laboratórios, e no caso de Rosália Otero envolve uma parceria com os neurologistas do Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC/UFRJ) e pesquisadores do Laboratório de Genética Humana do Instituto Osvaldo Cruz (LGH/Fiocruz). Estas células representam um excelente modelo de estudo para doenças para as quais não há modelos experimentais adequados, como a ELA, doença neurodegenerativa que  pode ser investigada a partir de iPS derivadas de 4 ml de sangue de pacientes com esta patologia. As iPS podem ser diferenciadas em neurônios no laboratório, permitindo assim a investigação dos mecanismos de doença e de possíveis terapias que possam modificar o curso da degeneração destas células. 

 

Avanços do tratamento de Parkinson

Ao traçar a evolução das pesquisas com células-tronco nos últimos anos, Rosália Otero dá exemplos sobre diferentes estágios das pesquisas pelo mundo. Ela lembra que o grande objetivo da Medicina Regenerativa e das pesquisas com células-tronco sempre foi o de poder gerar células específicas a partir de células pluripotentes (embrionárias ou induzidas) e utilizar estas células para repovoar órgãos como coração ou sistema nervoso com pequena ou nenhuma capacidade de regeneração endógena após lesões ou doenças. Na área de doenças neurológicas, as pesquisas têm avançado principalmente com doença de Parkinson, uma vez que, neste caso, um tipo específico de neurônio é afetado (neurônios dopaminérgicos) e a substituição destas células poderia atenuar ou reverter os sintomas da doença. Alguns grupos de pesquisa nos Estados Unidos já relataram métodos de obtenção de neurônios dopaminérgicos a partir de células-tronco embrionárias, e no Japão, o mesmo foi feito a partir de células-tronco de pluripotencia induzida(iPS). No país asiático, estas células já estão sendo utilizadas em estudos clínicos (fase 1 e 2) que avaliam a segurança e eficácia destas terapias. “Se os resultados mostrarem que as células são seguras (não há efeitos colaterais graves) e eficazes (melhoram os sintomas clínicos e/ou diminuem a progressão da doença), nestes pacientes com doença de Parkinson teríamos a possibilidade de uma terapia celular para uma doença neurológica em um futuro próximo e abriria a possibilidade de estudos semelhantes em outras doenças”, avalia.