A Academia Brasileira de Ciências (ABC) realizou seu 21º webinário, no dia 25/8, sobre o tema “Medicina de Precisão no Brasil”. Nesta edição, o Acadêmico Marcello Barcinski coordenou o encontro entre três médicos e Acadêmicos: Sergio Pena, Guilherme Suarez-Kurtz e Iscia Lopes Cendes.
De acordo com o Ministério da Saúde, a medicina genômica é um campo interdisciplinar da saúde que pretende compreender como a interação entre genes e fatores ambientais influenciam na suscetibilidade à doenças e que utiliza informações dos genomas para diagnóstico, prognóstico, monitoramento de fatores de risco e tratamento. A medicina de precisão é um conjunto de técnicas que utilizam informações clínicas e biológicas do indivíduo ou de subgrupos da população para personalizar o cuidado em saúde.
A miscigenação e a genética na medicina de precisão
Criador do laboratório de Genômica Clínica da faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor científico do GENE/Núcleo de Genética Médica de Minas Gerais, Sergio Pena se dedica ao estudo da evolução e estrutura da população brasileira por meio da genética molecular. Para ele, conhecer a ancestralidade genômica dos brasileiros pode orientar e ajudar na investigação clínica de doenças. “A contribuição de dados genômicos para a medicina de precisão pode ajudar em tratamentos mais adequados para indivíduos -”, afirmou Pena.
Promotor de um estudo intitulado “O Retrato Molecular do Brasil”, que compara a estrutura da população brasileira a de outros povos e estuda a geografia de diferentes linhagens genéticas, Pena lembrou as três raízes ancestrais da população brasileira: os ameríndios, os portugueses e os africanos. “Comprovamos que nossa ancestralidade tem uma origem sexualmente assimétrica, em que a contribuição europeia era dos homens e a africana e ameríndia, das mulheres. Um reflexo de uma triste história de agressão e exploração sexual”, contou o médico.
A partir de uma conversa com Aluízio Rosa Prata, Acadêmico falecido em 2011, Sergio Pena teve a motivação de investigar porque uma forma grave da esquistossomose seria mais frequente em indivíduos brancos do que em negros. “Resolvemos tirar isso a limpo em um estudo realizado em Queixadinha, Minas Gerais, e para nossa surpresa comprovamos ser impossível inferir a ancestralidade genômica de um brasileiro apenas a partir de sua cor”, afirmou. Essa experiência demonstrou como a medicina de precisão deve encarar com profundidade os dados de diversos conhecimentos científicos, indo, nesse caso, para além de composições fenotípicas, como a cor de pele.
A farmacogenética
Se um dos instrumentos para a medicina de precisão é o estudo do genoma humano, a farmacogenética também pode dar uma grande contribuição para essa prática. Ela estuda a influência de características genéticas individuais em resposta a medicamentos, o que pode ser usado para prevenir reações adversas e otimizar o custo de tratamentos.
Criador e coordenador da Rede Nacional de Farmacogenética (Refargen), Guilherme Suarez-Kurtz é pioneiro na pesquisa de farmacocinética clínica e farmacogenética. Ele explicou como os “farmacogenes”, genes que controlam as respostas do organismo humano a fármacos, são importantes para a medicina de precisão.
“Esse é um novo paradigma que mostra características genéticas individuais com destacada importância na investigação”, avaliou o Acadêmico. Avaliar qual medicamento pode tratar uma doença e, ao mesmo tempo, atender às características individuais de maneira sistêmica ainda é um processo novo para a prática clínica de profissionais. “A eficácia e a toxicidade de um medicamento variam entre indivíduos de uma determinada população. Com a farmacogenética, há um reconhecimento da diversidade genética para que sejam feitos ajustes”, disse.
Suarez-Kurtz aponta desafios, que se estendem do ensino da farmacogenética à sua implementação no sistema público de saúde brasileiro. “Além de não termos ensino abrangente de farmacogenética, não podemos importar dados de outras populações e precisamos demonstrar como a prescrição médica baseada em farmacogenética pode ser mais econômica para o sistema de saúde”, disse.
A medicina de precisão ainda é recente, mas crescente em importância e discussão para a área médica e a saúde de diferentes populações. Estima-se que, entre 2013 e 2018, foram publicados cerca de 1.700 artigos sobre o tema. Em um momento de pandemia da COVID-19 e de busca de vacinas e novos tratamentos, o olhar atencioso da medicina de precisão pode ajudar a diminuir os riscos e agravos à saúde dessa doença, entre outras, em diferentes indivíduos e populações no mundo inteiro.
Um novo paradigma de coleta, integração e análise de informações
Coordenadora do Laboratório de Genética Molecular da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/Unicamp), Iscia Lopes Cendes também lidera a Iniciativa de Medicina de Precisão, lançada no Brasil em 2015 e responsável pelo primeiro banco público de dados genômicos da população brasileira.
“A medicina de precisão veio para mudar o paradigma que utilizamos na medicina”, relatou a pesquisadora, que atua na área de neurogenética e biologia molecular aplicadas à medicina. Ela explicou que a prática requer o compartilhamento de dados entre áreas científicas diversas, para estabelecer o nível de integração de informações requerida por essa nova prática médica. “Como a medicina de precisão foi criada no século XXI, ou seja, é muito nova, à medida que novos conhecimentos são agregados, mudanças no conceito podem e devem ocorrer”, destacou Lopes-Cendes.
A Acadêmica considera importante que esses saberes e tecnologias sejam incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS) para terem uma real efetividade. Uma iniciativa pública recente, apontada pela Acadêmica como um passo importante para o desenvolvimento da medicina e saúde de precisão no Brasil, foi a implementação do Programa Nacional de Genômica e Saúde de Precisão – Genomas Brasil, que tem como finalidade incentivar a pesquisa na área, promover o desenvolvimento da indústria genômica nacional e estabelecer uma linha de cuidado em genômica e saúde de precisão no âmbito do SUS.
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