O tema da quinta edição da série de webinários “Conhecer para Entender”, promovida pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) no dia 5/5, foi “Ciência, inovação e COVID-19: decifra-me ou te devoro”. Os Webinários da ABC são encontros semanais com o objetivo, atualmente, de compartilhar conhecimento sobre as realidades do mundo e do Brasil a partir da pandemia provocada pelo novo coronavírus.

Nesta edição, participaram o médico e Acadêmico Maurício Barreto (Fiocruz-BA), o engenheiro e presidente do Conselho de Administração da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) Pedro Wongtschowski e a engenheira e ex-presidente do Conselho de Secretarias Estaduais de Tecnologia (Consecti) Francilene Garcia. A relação entre a política e a ciência, a falta de investimentos em CT&I em tempos de pandemia e os impactos do coronavírus sobre a inovação brasileira foram alguns dos principais assuntos debatidos pelos convidados.

A ciência e o jogo político

Maurício Barreto é médico pneumologista e pesquisa doenças infecciosas. O surgimento do novo coronavírus e da pandemia são questões pertinentes à sua área de atuação na medicina. Mas a relação entre ciência e política, discutida pelo Acadêmico durante o webinário, é importante para entender o atual contexto de avanços e retrocessos.

“Uma pandemia cria uma série de demandas, inclusive científicas, que precisam ser respondidas. Isso começa pela política”, afirmou Maurício. Para ele, a pandemia do novo coronavírus evidenciou a disputa de poder como fator de comando para as atividades de saúde pública. “Presidentes da república ou primeiros-ministros sabem que algo dessa magnitude entra no jogo político de suas nações”, disse.

Maurício destacou que o surgimento da pandemia acontece em um momento de intenso desenvolvimento científico no mundo e, ao mesmo tempo, de crise com movimentos que negam questões básicas para a ciência, como o terraplanismo, movimentos antivacina e cortes de investimento em pesquisa. “Essa pandemia pegou o mundo em um momento estranho, com sistemas de saúde inadequados e cortes que reduzem a capacidade de reação da ciência. Enquanto isso, gabinetes presidenciais assumem a divulgação de movimentos anticiência”, refletiu o Acadêmico.

Ainda assim, Maurício vê com otimismo as possibilidades de criação de vacinas e tratamentos para a COVID-19. Ele relata que, em comparação à primeira metade do século XX, quando acontecia a gripe espanhola, entre 1918 e 1920, isso não seria possível. Curiosamente, na mesma pandemia, médicos utilizavam a quinina, um medicamento sem nenhuma efetividade ou comprovação, algo semelhante ao o que acontece neste momento com a cloroquina.

Os ensinamentos da pandemia

O valor das ciências, o desenvolvimento da indústria brasileira e o papel do Estado em meio a uma pandemia sem precedentes receberam uma atenção ímpar pela sociedade. Na visão de Pedro Wongtschowski, este momento de crise traz também aprendizados importantes, evidenciados ao longo dos últimos meses em que a população mundial vivenciou uma nova condição social de isolamento. Para o engenheiro, a pandemia também trouxe mudanças de paradigmas, solidariedade e uma inversão de valores.

“Investimentos geram resultados”, afirmou Pedro. “Um conjunto de conhecimentos adquiridos, nas últimas décadas, em virologia, biologia, química, ciências sociais, permitiram uma reação rápida da comunidade científica à crise”, destacou. Alguns exemplos desses resultados são as várias pesquisas que estão sendo desenvolvidas para a criação de vacinas, medicamentos, kits de proteção individual, ou seja, atividades que imediatamente foram implementadas graças ao desenvolvimento científico ocorrido ao longo dos últimos anos. “A sociedade também compreendeu que a ciência, tecnologia e inovação são importantes”, afirmou.

Os meios para a produção de equipamentos utilizados em pesquisas, dos produtos hospitalares e dos equipamentos de proteção individual (EPIs) – tão importantes para prevenir a propagação do novo coronavírus –, por exemplo, também são importantes e passam pelo papel da indústria. “No momento em que precisamos de máscaras, ventiladores, sanitizantes, verificamos que a indústria não tem o tamanho proporcional à economia no Brasil”, destacou o engenheiro. “Um setor industrial forte poderia atender melhor às necessidades específicas da realidade brasileira”.

A pandemia, segundo Wongtschowski, também convenceu a população da importância do papel do Estado como financiador da educação, da saúde e da atividade científica. “As pessoas se surpreenderam com a situação de desigualdade de mais de 50 milhões de cidadãos que precisaram do auxílio emergencial”, disse. “Antes, havia uma visão liberal simplista de que o Estado é dispensável”. Para o engenheiro, as ciências sociais e humanas têm, nesse cenário, um papel fundamental para achar soluções de acesso democrático a direitos para que todos tenham uma vida digna.

A transformação pela crise

Em um momento de crise sanitária, política e econômica, as fragilidades de diversos países tornaram-se cada vez mais explícitas ao redor do mundo. No Brasil, como foi destacado durante o webinário pela engenheira Francilene Garcia, há várias lições geradas pela pandemia que devem estimular reposicionamentos no pós-crise. Para ela, a ciência e diversos outros campos devem passar por uma reorganização estratégica para enfrentar futuras crises.

A parceria entre as instituições científicas e tecnológicas e as empresas é, para Francilene, a receita para a melhoria da economia. “Elas terão que trabalhar cada vez mais juntas para gerar riqueza e criar indicadores de impacto social”, afirmou. A webinarista destacou também que modelos de parcerias público-privado (PPP) devem ser revistos com empresas que assumam iniciativas de impacto social. “Devem olhar para questões relacionadas às especificidades das regiões de nosso país, talvez esse seja o caminho para que consigamos reduzir as desigualdades”, disse.

O esforço dos cientistas em busca de uma vacina contra o novo coronavírus, as iniciativas inovadoras para projetar respiradores pulmonares, o trabalho remoto e o ensino à distância, lembrados por Francilene Garcia, também evidenciam a importância da valorização do potencial nacional. Segundo ela, uma possível cura para a COVID-19 poderia ser descoberta na biodiversidade brasileira e a incapacidade de olhar para as desigualdades poderia ser melhor direcionada com um ecossistema de inovação local. “Acho que nunca antes valorizamos tanto os insumos locais, os pequenos negócios, o ambiente que nos é familiar”, disse.

A ciência, a tecnologia e a inovação podem contribuir para o enfrentamento da crise causada pela COVID-19 e para os desafios de saúde atuais, assim como para a recuperação do mundo após a pandemia. O fortalecimento do setor de saúde, da economia digital e a aproximação do sistema de CT&I com os setores produtivos, como foi destacado pelos webinaristas, devem ser parte integrante e central de estratégias dos governos.

 

Confira o vídeo com os principais destaques desta edição.


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