Leia artigo dos Acadêmicos Adalberto ValVivaldo Moura Neto, enviado para a NABC em 17/4:

Recentemente a Academia Brasileira de Ciências e a Academia Francesa de Ciências reuniu um grupo de especialistas em Biodiversidade em Manaus. Aprendemos nessa reunião que há mais o que conhecer do que o que já conhecemos acerca da biodiversidade existente nos principais biomas do planeta. Aprendemos que o que conhecemos está concentrado em torno dos principais centros populacionais do mundo, quer seja por conta da falta de recursos para explorações mais amplas como ocorreram no século passado, quer seja por conta do tempo necessário para longas expedições para áreas desconhecidas no mundo. Mesmo em torno dos centros populacionais, conhecemos apenas uma pequena parte do que vemos, como plantas e animais; do que não vemos, como bactérias, fungos e vírus, conhecemos quase nada.

Compilando o que conhecemos sobre os peixes da Amazônia, foram contadas pouco mais de 2.400 espécies de peixes a partir de artigos publicados e validados até fins de 2019, representando cerca de 15% das espécies de água doce conhecidas no mundo e mais da metade do que se conhece para a região biogeográfica neotropical. Notou-se, a partir da análise dos locais de coleta, que essas espécies estão distribuídas de forma desigual na Amazônia. Esse número representa uma pequena parcela do que se conhece para a região. Só nos dois últimos anos, foram descritas mais de 100 novas espécies, incluindo uma nova família de peixes, a Tarumanidae, constituída para acomodar a espécie Tarumania walkerae. Muito está ainda por ser descrito no vasto emaranhado de rios e outros corpos de água da Amazônia e de outros lugares desse planeta. O homem mantém contato próximo com peixes, usando-os na alimentação e na ornamentação. Ressalte-se que os peixes, como outros organismos, carregam um vasto número de parasitas, fungos, bactérias e vírus.

A partir da análise da literatura e de espécies depositadas em coleções são reportadas cerca de 14.000 espécies apenas de Angiospermas (plantas superiores) na Amazônia. É possível que esse número seja uma subestimativa do número real de espécies na região. Há muitas espécies desconhecidas da ciência, já que mais de 6.000 espécies podem ter populações muito pequenas, de cerca de mil indivíduos. A análise de pequenos plots tem evidenciado composição florística distinta. A Reserva Ducke que vai sendo abraçada pela expansão urbana de Manaus, por exemplo, era composta por pouco mais de mil espécies de plantas que nos últimos anos foi enriquecida por cerca de 50 novas espécies. De novo, há uma imensa área, principalmente nos interflúvios, a ser amostrada, o que sem dúvida resultará em um vasto conjunto de novas espécies, não só de plantas. Recentemente até novas espécies de macacos foram descritas em áreas de desmatamento ou em áreas de interflúvio nunca visitadas anteriormente, como foi o caso do interflúvio do Rio Madeira. Mesmo os pássaros, que se constituem uma parte mais bem conhecida da biodiversidade da Amazônia, também precisam de um esforço significativo até que tenhamos um conhecimento mais robusto.

Insetos, cogumelos, algas, bactérias e vírus, por outro lado, se constituem num imenso mundo desconhecido no eldorado amazônico. Não só quem são as espécies desses grupos, mas como vivem e se adaptam aos ambientes aquáticos, terrestres e aéreos da Amazônia. É preciso ter em conta que esses ambientes são diferentes nos diferentes lugares da Amazônia, ao mesmo tempo que são extremamente dinâmicos, apresentando variações diárias e sazonais. Os mencionados organismos desenvolveram adaptações em todos os

níveis da organização biológica, incluindo o nível molecular, para viver nos diferentes ambientes, mas também para manter a condição biológica nos ambientes extremos da Amazônia, como as águas ácidas do Rio Negro, as águas hipóxicas e anóxicas de regiões de várzea, entre outras.

Nessa imensa biodiversidade há espécies do bem, mas, não nos enganemos, há muitas espécies do mau. Vejamos alguns exemplos. São conhecidas mais de 540 espécies de arbovírus. Dessas, 150 causam algum tipo de doença para o homem, algumas das quais negligenciadas pela ciência e pelas autoridades. Outro exemplo intrigante é o conjunto de acidentes com animais peçonhentos, que inclui serpentes, sapos, peixes, insetos, entre outros. Como muitos desses animais são desconhecidos da ciência, as suas toxinas e seus efeitos são também desconhecidos, o que representa um desafio adicional. O mesmo se pode dizer das plantas, bactérias e fungos. Não podemos desconsiderar, ainda, os microrganismos e vírus que vivem em animais e plantas que já são usados pelo homem (alimentação humana e animal, ornamentação, fitoterapia tradicional, entre outros), e, por isso, é fundamental observar os preceitos de desinfecção e higiene. Aqui é preciso lembrar que várias doenças devastadoras foram contraídas por meio do consumo, pelo homem, de espécies não convencionais e que saíram de ambientes pristinos, não manejados. Em muitos casos, não há controle sanitário para estes animais, simplesmente porque não conhecemos profundamente sua biologia e muitos menos suas implicações com doenças e como respondem aos desafios ambientais que se lhe apresentam, incluindo as mudanças climáticas.

Por fim, mas igualmente relevante, lembremos dos povos da floresta que ajudam a conservar os imensos biomas, como é o caso do bioma amazônico. Esses povos, incluindo as aldeias remotas, muitas vezes sem contatos com o homem dos grandes centros populacionais, sabem sobreviver ao que há na floresta, mas são vulneráveis às doenças que acometem invasores, garimpeiros, madeireiros que não respeitam o bioma, homens esses ditos civilizados. É por demais preocupante saber que a COVID-19 chegou nessas aldeias, acometendo, até o momento, uma jovem de 20 anos da etnia Kokama, em decorrência do contato com um médico infectado atuante na região, e um jovem Yanomami de 25 anos que não conseguiu sobreviver.

Tecnologias modernas, como DNA ambiental (e-DNA), têm revelado que, de fato, conhecemos um pequeno número das espécies que vivem na Amazônia. Invadir o espaço desconhecido, sem conhecer em profundidade o que há nesses ambientes, é perigoso para o homem local, mas também para a humanidade, já que se pode trazer para o seio da sociedade humana, por exemplo, vírus patogênicos completamente desconhecidos e que podem causar doenças devastadoras, como está sendo observado com a Covid-19. Assim, é preciso continuamente apoiar estudos científicos sobre a diversidade biológica nos seus múltiplos matizes para conservar a natureza e proteger a espécie humana.