O membro afiliado Fernando Val e o vice-presidente da ABC para a Região Norte, Adalberto Val, são os autores do artigo enviado para a NABC em 8/4:
A COVID-19 tem assolado o mundo. Segundo o boletim diário da Johns Hopkins University, de 08 de abril de 2020, o número de casos confirmados no mundo ultrapassa 1,4 milhão, com mais de 80 mil mortos. É preocupante a situação da COVID-19 na Amazônia. Ao final do dia 6 de abril de 2020 tinham sido contabilizados, considerando apenas a região norte do Brasil e os casos reportados nos demais países amazônicos, 10273 diagnosticados e 411 mortes causadas pela Covid-19 (taxa de letalidade de 4%). Nos estados da Amazônia Brasileira, estavam diagnosticados até essa data 1916 casos e haviam morrido 56 pessoas, portanto, taxa de letalidade de 2,9%. Na Amazônia brasileira, chama atenção o estado do Amazonas com 636 casos diagnosticados e 23 mortes (letalidade de 3.6%), em 07 de março, muito acima da média nacional. Considerando que a maior parte da população humana da Amazônia vive em cidades, que modalidades de transporte fluvial foram reduzidas por medidas governamentais, e que a fronteira com outros países foi fechada, poderíamos antever que as populações ribeirinhas e indígenas estivessem, de certa forma, protegidas pelo distanciamento social natural. Contudo, não é possível assegurar isso completamente.
Na semana que passou, a FVS-AM (Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas) comunicou que uma jovem de 20 anos da etnia Kokama foi diagnosticada com a doença, em decorrência do contato com um médico infectado atuante na região. Isso acendeu uma grande luz amarela dada a existência de muitas aldeias indígenas na Amazônia. Atualmente, o número de casos é de quatro, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), todos do Alto Solimões. A SESAI (Secretaria de Saúde Indígena) realizou um importante trabalho de conscientização dessa população, produzindo material educativo sobre o COVID-19 e traduzindo-o para diversos dialetos da região. Apesar das medidas adotadas pelo governo, há de se lembrar que o abastecimento de produtos alimentícios, higiene e de saúde, como medicamentos, ocorre através da malha fluvial. Além disso, o número de leitos em UTIs do Sistema Único de Saúde (SUS) na região é abaixo do mínimo, se restringindo às capitais dos estados em sua grande maioria. O deslocamento desses pacientes, portanto, que ocorreria por meio fluvial, ocorre apenas por via aérea, quando disponível e possível de acordo com a estabilidade do paciente.
Outro ponto impactante, e que difere dos relatos iniciais da China, é a demografia da população acometida. A distribuição etária de infectados e mortes indica claramente que jovens se infectam. Logo, adultos jovens também precisam tomar medidas de isolamento e precaução, pois, além de contribuírem com a transmissão do vírus, podem evoluir para formas clínicas graves da doença lembrando que grande parte da população ribeirinha da Amazônia trabalha com atividades extrativistas e pesca e dela depende a renda da família e das comunidades a qual pertencem. Nos Estados Unidos, a estatística indicava na semana passada que 40% das internações eram de jovens adultos (20 a 54 anos). No estado do Amazonas ainda não temos a caracterização demográfica da população infectada e que foi à óbito. No entanto, é preocupante esses dados de acometimento de populações mais jovens, pois a população do estado é predominantemente composta por adultos jovens.
Portanto, não é possível, ainda, “baixar a guarda” com qualquer classe etária e relaxar o isolamento social, como o que tem sido sugerido e denominado “isolamento vertical” ou “isolamento seletivo”. Pouco sabemos sobre o comportamento do vírus. Para a Amazônia o isolamento é ainda mais importante, frente ao precário sistema de saúde do estado em relação à baixa disponibilidade de leitos de UTI, profissionais e ventiladores mecânicos. Assim, a infraestrutura hospitalar necessária para atender ao crescente número de casos de Covid-19 é frágil e mesmo nas capitais tem sérias limitações. Se permitirmos que o vírus chegue nas comunidades do interior, viveremos situações muito complicadas, pois as pessoas doentes precisarão ser encaminhadas para os hospitais na capital, o qual já mostra sinais de colapso.
O novo coronavírus (Sars-Cov-2) impõe múltiplos desafios para regiões singulares como a Amazônia e requer da Ciência não só as informações produzidas ao longo do tempo, mas a produção de novas informações que permitam intervenções seguras.